Já estava com o carro parado em frente à escola do meu irmão. Desci, fechei a porta com força e segui direto pelos corredores — aqueles corredores que já foram parte da minha rotina. Enquanto andava, flashes das lembranças ruins dessa escola me invadiram. Foi um alívio quando bati na porta da diretoria.
Girei a maçaneta e entrei. A secretária me encarou com um olhar que misturava surpresa e familiaridade,ela devia estar pensando que minha mãe ia aparecer. Era a Helena, a mesma de sempre, com o mesmo coque malfeito e o crachá torto no peito.
Helena – Ele tá lá dentro.
Scarlett – Valeu, Helena.
Entrei na sala e o cenário já me fez cerrar os punhos: Dylan estava sentado em frente à mesa, todo machucado. A diretora, atrás da mesa, me olhou como se eu fosse uma bomba prestes a explodir.
Diretora – Sente-se, senhorita.
Obedeci, mas já sentia o sangue esquentar.
Diretora – Chamei você aqui porque seu irmão se envolveu numa briga hoje cedo com um aluno do primeiro ano do ensino médio.
Scarlett – E o que vocês fizeram?
Diretora – Estou suspendendo todos os envolvidos.
Scarlett – Você tá de sacanagem comigo? Um moleque mais velho e maior que meu irmão, bate nele — e os dois são suspensos?
Diretora – Seu irmão também revidou. Foi a decisão mais equilibrada que eu consegui tomar.
Scarlett – E ele fez muito bem em revidar. Se não, eu teria vindo buscar meu irmão no hospital.
Soltei o ar com força, tentando me controlar.
Scarlett – Quanto tempo de suspensão?
Diretora – Uma semana.
Scarlett – Perfeito. Levanta, Dylan. Vamo embora, que eu tenho mais o que fazer.
Diretora – Espere...
Scarlett – Obrigada, diretora. Aviso minha mãe. A gente se vê semana que vem.
Saí puxando o Dylan pela mão e acenei de leve pra Helena no corredor.
Scarlett – Quem foi?
Dylan – Não precisa se preocupar, irmã...
Scarlett – Preciso sim. Sou sua irmã mais velha, é meu dever te proteger. Quem foi, Dylan?
Dylan – Foi o Noah. Primeiro ano do ensino médio. Acho que ele ainda tá lá fora, perto da lixeira no estacionamento.
Scarlett – Ótimo.
Seguimos pelos corredores. Quando saímos, meus olhos já estavam escaneando o estacionamento. Um grupo de garotos conversava perto da lixeira.
Scarlett – Qual é o Noah?
Dylan – Camisa vermelha. Aquele ali.
Scarlett – Vem comigo.
Dylan – Aonde?
Scarlett – vou ensinar boas maneiras pra esse idiota.
Nos aproximamos do grupinho. Um dos garotos percebeu nossa chegada e cutucou os outros. Noah se virou e, com um sorriso debochado, disse:
Noah – E aí, pirralho, pronto pra outra surra? E quem é a gatinha?
Nem respondi. Acertei um soco seco bem no meio da cara dele. O grupo se calou, assustado.
Scarlett – Da próxima vez, escolhe alguém do seu tamanho.
Virei as costas como se nada tivesse acontecido e levei Dylan até o carro. No caminho pra casa, minha mente ainda estava fervendo — até que um novo calafrio percorreu minha espinha. A porta da frente estava destrancada.
Minha mãe devia estar no trabalho... estranho.
Scarlett – Dylan, fica aqui embaixo.
Dylan – Tá.
Subi com cuidado. A porta do meu quarto estava aberta. Entrei devagar. Nada fora do lugar. Suspirei, tentando ignorar a sensação estranha no peito. Talvez minha mãe só tenha esquecido de trancar mesmo...
Troquei de roupa, coloquei um macacão preto e prendi o cabelo num coque alto. Desci pra esquentar o almoço do Dylan. Enquanto o micro-ondas apitava, meu celular vibrou.
Violeta: Miga, já compramos tudo.
Scarlett: Tudo bem. Vão chegar que horas?
Violeta: Umas 19h.
Scarlett: Tá.
Desliguei o celular. O micro-ondas parou. Chamei Dylan, que demorou a aparecer.
Scarlett – Por que demorou?
Dylan – Fui tomar banho.
Scarlett – Tá, senta aí pra comer.
Ele parou antes de puxar a cadeira.
Dylan – Você não vai comer?
Scarlett – Tô sem fome. Mas sento aqui com você.
Sentei à frente dele, tentando não demonstrar a inquietação que crescia de novo em mim. O homem do estacionamento... a porta destrancada... a sensação de estar sendo observada. Seria paranoia? Ou estava mesmo acontecendo alguma coisa?
Dylan – Acabei.
Ele correu pra pia e voltou animado.
Dylan – Posso ir ao fliperama?
Scarlett – Pode. Deixa eu pegar as chaves.
Fui até a sala e peguei as chaves na estante. Dylan já estava na garagem. Entramos no carro. Quando cheguei na esquina, lá estava ele.
O homem do capuz preto.
Parado. Me olhando. Como da outra vez. Meu estômago virou. Ele sabia onde eu morava. Me seguiu. Queria o quê?
Pisei no acelerador, tentando me aproximar. Mas quanto mais eu chegava perto, mais ele se afastava, até desaparecer de novo. Frustrada e assustada, continuei até o fliperama.
Scarlett – Venho te buscar às 18h, pode ser?
Dylan – Pode sim.
Scarlett – Então até lá.
Ele desceu animado. Eu, por outro lado, só pensava em uma coisa:
Quem é esse cara? E o que ele quer comigo?
Voltei pra casa. Tinha que limpar, organizar, fazer minha lição. Mas, lá no fundo, eu sabia... a tranquilidade estava acabando.