Capítulo 12 - "A Determinação de um Perdedor"

Capítulo 12 - "A Determinação de um Perdedor"

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O mundo rugia em desespero.

— Eu não sou uma tola. Sei que ataques mágicos não surtirão efeito em você. Mas no quesito força física, você não é nada surpreendente.

— Desculpa aí, vovó, mas acho que até eu sou mais forte que você.

— Fufu, tolo.

Ela riu levando a mão até a boca e mordeu a ponta do dedo. Sangue escorreu pela palma e a mulher má estendeu o dedo ensanguentado que pinga no chão.

— O que é isso? É um ritual?

Sado permaneceu atento se perguntando se deveria deixar ela concretizar isso realmente. Ele não iria tomar nenhum movimento impulsivo e se arriscar demais. Mesmo que seja imune a ataques mágicos ele não sabia o que iria sair dali. Sado não era um conhecedor da magia como essa mulher má.

— Acertou.

Ela riu e então começou a recitar algo em uma língua estranha que confundia os ouvidos.

Do sangue que gotejava no chão daquele salão um círculo mágico vermelho surgiu com símbolos e sinais semelhantes àqueles que Sado havia destruído.

Sob o brilho intenso a mulher má fez um gesto de puxar algo do círculo.

— Que... Merda... É essa...?

Ela segurou aquilo pelos cabelos e puxou até ficar de pé.

— Este será o seu carrasco, jovem com complexo de herói.

Cabelos escuros, pele pálida feito morto, uma roupa social básica manchada de sangue.

Sado apertou os punhos fortemente enquanto fazia uma expressão difícil.

— Não brinca comigo...

Tremulo, seus olhos não queria acreditar no que via.

— Oh, mas não se preocupe. Ele não é um clone. É o verdadeiro. — revelou beliscando a bochecha do homem.

— Se isso for verdade... A descrição bate com a figura que o Sr. Tsukiama avistou no beco na noite de 12 de setembro... Nakamura, o cara que deu um sumiço na mulher dele!

A mulher esboçou um sorriso largo e bateu palmas.

— Bravo! Tu estás até que bem informado, heróizinho. Este belo rapaz aqui me ofereceu seu coração em troca de vingança. Então eu lhe ofereci poder para matar.

Sado riu debochando.

— Ofereceu poder? Ele está morto! Tudo o que fez foi transformar uma pessoa viva em um zumbi! Não me vem com papo furado. Era nisso que iria me transformar caso eu aceitasse seu convite esquisito e super filosófico!?

— Tolo novamente. Você continuaria normal. Sua habilidade me proibiria de tal.

— Tá dizendo que “zumbificação” é anulada pelo Faker?

Ele mexeu na sua palma incitando algo. Um certo brilho surgiu em seu olhar como que desafiando a figura centenária a sua frente.

Sado não tinha medo algum.

— Tolo em excesso. Este aqui já está morto. Sua carne está podre. Não há nada que você possa fazer para reverter a naturalidade dos fatos. Até onde eu sei sua habilidade anula distorções paranormais, mas este ente aqui está realmente em decomposição.

Sado riu.

— É mas ele está no seu controle, certo?

— Hô?

— Ou seja...

Pondo forças nas panturrilhas, de forma abrupta ele correu vendo em sua frente o que ele chamou de “oportunidade”.

O ataque foi feito. A peça do tabuleiro chamado “Sado Yasutora” atacou primeiro. Em linha reta sem fazer quaisquer ressalvas. Um alvo fácil para qualquer um.

— ... Dá pra cortar a conexão!

O homem-zumbi se pôs na frente protegendo a rainha de qualquer ameaça. Esse era o trabalho dos peões.

Sado que lidou com as “cartas” contra a organização do Tarô, agora estava simbolicamente lidando contra as “peças”? O que viria logo em seguida, isso é, se ele sair vivo dessa junto de Yuki?

Nakamura completamente exposto não reagiu corretamente o que deu a Sado, mesmo em velocidade humana, a brecha do qual ele precisava para vencer e dominar o tabuleiro.

Com um empurrão de mão cheia, ele atacou o peito do homem-zumbi.

Houve um som de quem bate em carne e Sado pode sentir que a temperatura corporal do indivíduo era gélida feito um morto.

Realmente, morto estava, mas...

— Algum... Problema? — Nakamura dobrou o pescoço causando estalos tão altos que se estivesse vivo, certamente morreria pela segunda vez.

Impossível.

Ele acertou, não acertou? Sim, sua mão continuava em contato com a pele gélida do homem-zumbi, não importa o quanto olhasse. Então por quê?

Era a camisa social de escritório que ele mantinha consigo? Tecido impedia Faker de agir?

— ...Mas o quê?

Claro que não. Seria extremamente incoerente quando até mesmo lanças de metais se tornavam como bolhas de sabão quando atingiam o Sado.

Ele não tinha uma resposta para isso.

Sua habilidade era confusa demais. Ele não sabia usar ela. Literalmente passou 18 anos da vida vivendo como uma pessoa comum e em menos de 3 dias recebe um poder incomum e já pensa que pode usufruir de sua totalidade?

Ele olhou confuso para Nakamura, mas a voz que ouviu não foi a dele.

— Tolo ao extremo. Excessivamente tolo. Tu és tão ingênuo e imaturo. Lutar contra magos é uma coisa. Vencer maldições que são pura paranormalidade é fácil. Mas o que você esperava ao tocar um morto-vivo? Isso é, um ser que já pertence ao mundo dos mortos mas continua suas funções aqui no plano dos vivos. Um ser que existe entre dois planos de existência ao mesmo tempo. Tu és tão tolo se pensa que poderia fazer alguma coisa com esse nível de habilidade tão básica.

— Básica? Você mesma discursou pra mim que eu poderia fazer o caramba que quisesse com meu Faker e destruir até mesmo essa tal de Árvore da Vida ou sei lá que merda, e agora me vêm com essa!?

O jovem fez menção de recuar e tomar outra abordagem, mas Nakamura segurou seu braço. Forte. Era uma força sobre-humana.

A bruxa continuou.

— Sim, seu “Faker” poderia fazer coisas extraordinárias. Mas sua capacidade de utiliza-lo é horrorosa. Mais que horrível. É cômica. Tu sequer compreende o quão extenso é esse dom e não sabe como domina-lo. Do contrário, é ele quem te domina, não é?

— !? Que merda está falando agora? Meu Faker me domina!?

— Diga-me, pequeno herói. Por que não sente medo?

— Huh???

Ele fitou ainda mais incrédulo aqueles olhos escuros. Que espécie de pergunta idiota era essa?

Medo? Que medo? Pra que medo? Medo só atrapalha seus atos de heroísmo. Ele é esse tipo de gente agora. Ele é como as figuras que lia nos mangas. Que trilhavam caminhos espinhentos de pés descalços e com bravura não recuavam nunca. Sequer a palavra “medo” passava pela mente desses personagens.

Era óbvio que Sado não estava com medo mesmo vendo um morto e uma bruxa maldosa. Isso por que...

— Não adianta pensar muito. Isso por que sua habilidade está inibindo seu cérebro a ponto de desfazer a emoção mais primitiva do instinto humano. O medo.

— Espera... O que está dizendo? Você tá falando que o Faker tem efeitos colaterais?

— Eu não diria isso. É um mistério até pra mim em como essa habilidade funciona. Eu não consigo nem sentir ela em você. Está além de qualquer rastro. Mas mesmo assim, não é natural pensar que é realmente estranho um jovem que sempre viveu no mundo da lua simplesmente começar a agir como se fosse o símbolo supremo da bravura e da coragem assim de repente?

— Que merda você tá falando!? Errado? Que têm de errado em querer fazer o certo!? Uma pessoa má como você jamais entenderia! E me solta, droga!

Ele fechou o punho com força e tentou socar a face de Nakamura. O golpe parou diretamente na lateral do rosto e foi como ter socado uma árvore. Nakamura nem se mexeu.

A mulher continuava como uma serpente ardilosa.

— Não há nada de errado realmente. São motivações que movem o coração humano. Mas você... Oh, você sempre foi um covarde, não foi?

Os olhos de Sado vacilaram por um momento quando ouviu isso.

A mulher sorriu em um sorriso largo mirando ele com o olhar coberto por cabelos grisalhos.

Não era magia. Ela não estava lendo pensamentos pela magia.

— Sim, um covarde. Esse é quem você é de verdade. E agora simplesmente está agindo fora do seu papel de atuação. Age como se fosse a peça chave para qualquer situação. Você é só um tolo sendo controlado e manipulado pelo seu próprio poder. Isso responde a forma simplória em que usa seu dom. — o sorriso logo se tornou desdém — Tanto potencial jogado em um inútil. Você não consegue dominar nem 1% do seu poder. Um covarde que viveu 18 anos sendo um covarde não muda em poucos dias só com mera motivação.

Sado mordeu seus molares com força.

— Vai se ferrar! Para de me provocar e lute de verdade! Eu já tô de saco cheio dessa sua conversinha fiada!

— Lhe digo o mesmo. Estou farta disso. Nakamura, mate esse tolo inútil e coloque-o em seu devido lugar. — antes de dar as costas e prosseguir até Yuki a mulher terminou — Aqui não é lugar para crianças brincarem. Vou te mostrar que pisar no lado sobrenatural não é história de contos de fadas, garoto.

Desdém era tudo que ela transmitia ao garoto com aquele olhar afiado. Não, não era somente isso. Havia algo a mais, oculto na profundidade do seu olhar de desprezo.

Inveja.

Movendo-se na cadeira de rodas ela deu as costas a Sado como que se dissesse que ele era tão incapaz que não valia nem sua atenção e o deixou a mercê do seu dito “carrasco”.

Seguindo a ordem, Nakamura, o homem-zumbi tinha Sado Yasutora todo para ele.

O jovem fitou o homem e tentou soca-lo mais uma vez.

— Sua covarde! A sua luta é comigo! Gaugh!?

Em questões de segundos onde projetou sua atenção para a mulher que se aproximava do cristal e ia até Yuki adormecida, um baque dolorido reverberou em seu abdômen, revirando todas as suas entranhas.

Que sensação horrível. Nos últimos 3 dias passou a sentir isso com extrema recorrência se comparado com o resto de sua vida.

A sensação de ser golpeado nunca era boa.

O joelho de Nakamura recuou e ele soltou o braço de Sado que cambaleou para trás tossindo com falta de ar. Era uma dor que subia até os pulmões e o ar era completamente jogado fora.

— Uhg... Desgraçado! Faker!

Movendo o punho fechado mirando diretamente o nariz, Sado desenhou um trajeto onde viu seu golpe conectar.

Mas, antes que percebe-se, Nakamura desviou para o lado com olhos mortos e sem importância, agarrou-lhe o braço e o dobrou para trás.

— Ugyah!

Mortos-vivos tinham toda essa agilidade?

Ele escutou o seu ombro fazer um som crocante, e embora doloroso não doeu tanto quanto a joelhada no estômago de antes.

O garoto tentou de alguma forma contra-atacar e livrar seu braço, mas só ficou no campo da vontade pois antes que realizasse qualquer ação, seus cabelos foram segurados com força pela outra mão de Nakamura.

Sob uma pressão ilógica, Sado foi subjugado de joelhos no chão.

Que força era essa? É muito forte. Em força física talvez se equiparava com Fenícia Silve Waite ou até mesmo Yuki.

— Nakamura, seu desgraçado! Um zumbi não tem essa força toda! Isso não faz sentido para enredos de fantasias!

— ...Cale-se. Morrerá aqui. Arrancarei sua cabeça puxando junto sua coluna.

— Uhg!?

Uma sensação estranha pulsou dentro da consciência.

Era algo além da pressão exercida na cabeça pela mão do homem-zumbi.

Suor que se formava na testa úmida do jovem escorreu pelo rosto e pingava no chão abaixo dele do qual olhava fixamente.

“Mesmo tendo dito que iria arrancar minha cabeça como quem puxa uma planta do solo, eu não me amedrontei. É claro que não quero morrer, senão não estaria lutando pela minha vida. Mas e se ela estiver certa? Eu realmente NÃO estou com medo.”

— ......

Isso era loucura. E porque era loucura, Sado sorriu. Era louco o suficiente para rir.

O som de ar saindo da boca dele como risada chegou até a mulher má que parou a cadeira de rodas e olhou para trás por cima do ombro.

Era enjoativo ver aquele jovem rir mesmo diante dessa situação.

— Tsk. Nakamura, espanque-o. Matá-lo de forma rápida é generosidade demais com ele.

— Sim, madame...

Subitamente, Sado sentiu ser erguido pelos cabelos.

— Huh?

E então veio a pressão absurda que tirou seus pés do chão.

O corpo foi arremessado. E ele não tinha controle algum. Perdeu a noção de espaço.

E posteriormente a isso um baque fortíssimo bateu em sua coluna.

— Ahgg!!

Todo o ar lhe foi tirado. Suas costas fizeram um som terrível e ele caiu com a face no chão incapaz de raciocinar o que houve.

E, logo, tendo jogado Sado em uma pilastra, Nakamura se aproximou do garoto e iria começar mais uma sessão de espancamento brutal.

— Uhg... Bafft!

O jovem tentou se erguer com os braços mas foi chutado no estômago. Seu corpo pairou no ar por alguns segundos antes de rolar e rolar por aquele salão até parar.

— Ahh, uhh...

Dor latejante.

Falta de ar.

Difícil de respirar.

Sado puxava e puxava o ar para dentro pela boca, mas não sentia que estava fazendo efeito.

Mordeu os dentes e se ergueu prensando o estômago dolorido com uma das mãos.

Que ridículo.

— Merda... Esse cara é anormalmente forte!

Seu olhar afiado em Nakamura, mesmo se erguendo ele não tirou o olhar do seu oponente em momento nenhum.

Lá atrás, todavia, a mulher olhava para o cristal e estendendo a palma, um círculo mágico carmesim se formava, e dali, correntes escuras como ferrugem saíram se entrelaçando no cristal branco que Yuki se mantinha.

— Ah, Correntes do Sheol, libertem essa criatura.

— Sua covarde!! Lute comigo!

Sado chutou o chão em pura adrenalina. Seu corpo todo rangia de forma horrível aos ouvidos, mas sua preocupação com Yuki e desprezo pela mulher má eram maiores que sua dor.

Ele tentou driblar Nakamura se afastando dele, como que disputando seu reflexo e velocidades contra o do homem-zumbi.

Todavia, não era assim que funcionava realmente.

— O quê!?

Em uma fração de segundos, Nakamura estava diante de Sado Yasutora que tentava avançar.

Ele foi pego pelo pescoço e atirado ao chão mais uma vez.

— Cof, cof! Que diabos de velocidade é essa...!?

Irritado, ele bateu o punho no piso e se ergueu.

Nakamura... Força superior ao do Sado. Velocidade superior ao do Sado. Resistência superior ao do Sado.

Em que o Faker seria útil aqui??

Inteligência.

Talvez se ele usar a cabeça para pensar ele-...

— ....Guoh!??

Um soco afundou em seu abdômen, torcendo seu corpo em dor.

Quem disse que haveria tempo pra pensar em algo?

Quem disse que o seu oponente deixaria?

Era como qualquer batalha. Se o oponente ver que está encurralado, ele irá se aproveitar disso.

É simples assim.

O garoto mordeu seus dentes, agarrou o braços de Nakamura e tentou uma cabeçada.

— .......

O rosto dobrou pro lado. É provável que esse ataque tenha sido melhor que seus golpes anteriores.

Mesmo assim não era sequer garantia do começo de alguma virada.

A outra mão avançou em Sado visando seu rosto.

O garoto se jogou para trás soltando o braço e se equilibrou de forma desengonçada.

O ataque passou reto, e Sado na pura adrenalina avançou um chute no peito do homem-zumbi.

Foi como ter chutado um tronco de árvore. Isso não fazia sentido. Nunca que isso era carne humana, certo?

Chocado, conseguiu recuar alguns passos.

— Yuki! Me escuta! Eu não sei se consigo lidar com isso sozinho!! Então, por favor, faça alguma coisa! É sério! Se queremos sair vivos daqui, depende de você! Eu adoraria ser o cara que resolve tudo! Sério, eu realmente queria ser esse cara... Mas não dá! Eu confio em você! Então vamos, Yuki! Não deixa o mal vencer!

Percebeu ele que sua investida final seria essa menina.

Queria até chorar por causa disso, na verdade. Sim, queria.

Ele precisava que ela tivesse alguma carta na manga. Depender unilateralmente desse garoto para resolver isso seria morte na certa. Para ele e para ela.

Para ele e para ela.

Ele morreria. Ele morreria...

...Ela morreria.

“Vá, Sado! Encontre o meu corpo e acabe com essa fantasia!”, disse ela.

Ela disse que ele seria uma peça-chave pra resolver isso.

Ela confiou nele pra resolver isso, não foi? Uma confiança cega?

— Que drogaaa!!!! Me deixa passar!!!

Ele berrou com os olhos se marejando e avançou fervoroso.

Nakamura o impediu ao agarra-lo sem esforço.

— Yuki!! Vamos, Yuki!!

Recebeu outro golpe no abdômen que fez seus olhos se arregalarem.

Mordeu os dentes frustrado. Conseguia destruir imitações da sua cidade com um único toque, mas não era páreo em um confronto direto contra um zumbi.

— Yuki! Eu não consigo sozinho!

Estapeou a mão de Nakamura e tentou avançar. Mas foi pego pela gola do casaco e jogado para trás.

Sado caiu como um trapo.

— Merda! Sai da frente!

Ergueu-se novamente, e tentou avançar.

“Se eu não fizer isso. Se eu não fizer isso ela vai... Ela vai...!!”

Baque doloroso prensou seu nariz e ele cambaleou para trás.

Havia sido acertado.

Se recompondo, ele limpou com a manga o nariz sangrando e tentou mais uma vez avançar.

Avançar e sempre avançar.

Medo...

Qual medo era anulado?

Medo...

Que medo era tirado?

Era medo que sentia? Desespero? Por isso agia com tamanha imprudência?

Recebendo dois socos consecutivos em ambas as faces, o jovem caiu para o lado. Antes que seu rosto batesse contra o piso, ele defendeu com os braços.

— Ahgg! Cof, cof!

Sangue escorria da boca e do nariz, e seu rosto estava completamente vermelho.

Mas não doía mais do que a frustração que vinha como um veneno obscuro em seu coração.

“Por que...? Por que eu sou tão inútil!?”

Ele socou o piso gelado.

“Faker é um poder tão inútil. Perfeito para alguém tão inútil quanto eu, não é mesmo?”

Talvez a bruxa má estivesse certa quanto a ele.

Não ficava mais forte. Não sentia que ficava.

Não disparava nada pelas mãos. Nunca dispararia.

Não formava nada poderoso no mundo para usar em combate.

E não servia nem para se proteger e nem para proteger aquela menina.

Faker era uma habilidade completamente inútil.

Ele olhou para a mulher má que tentava penetrar aquelas correntes no cristal.

O que era aquele discurso todo sobre ser um poder além de tudo? Sério, o que realmente era aquele papo todo?

Esteve só caçoando dele por que sabia que ele iria recusar tal oferta?

Faker era uma habilidade inútil para um rapaz inútil.

Realmente, ela esteve certa sobre ele. Sado sempre foi medíocre. Não era agora que alguns dias mudariam todo o seu ser construído durante 18 anos.

Dezoito anos de mediocridade.

Entretanto...

— Eles desistiram? Aqueles protagonistas de mangas... Eles desistiriam se fosse com eles?

Era tão bobo. Mas era a única coisa do qual Sado Yasutora tinha como parâmetro para se espelhar.

Sem pais.

Sem o exemplo materno que era considerado força em praticamente toda sociedade do mundo e sem o exemplo paterno para ser corajoso e espirituoso.

Sozinho, ele se viu acolhido por Novels e mangás.

Queria ser que nem eles.

Era pedir demais ser que nem eles?

Aqueles que passavam por todos os desafios de forma triunfante.

Fortes e guerreiros. Batalhadores e conquistadores.

— Parece que o mundo real não funciona assim...

Era quase como uma obsessão ser como eles. Se não podia se agarrar nisso para a sua salvação, então em quem?

Seus olhos fitaram por alguns segundos aquele cristal.

Se tinha alguém que agia com força, garra, bondade e determinação, era Yuki Sato.

Por que ela agia assim? Ele não sabia suas motivações.

Mas ela agia, e era forte para fazer o que ele não era capaz.

Ela...

— ...Eu entendi agora, Yuki. Eu sou o suporte. Você é aquela que pode fazer isso melhor do que eu.

Sado pensou que o papel de “protagonista” em um épico mágico fosse dele. Ele se auto-intitulou assim. Arrogante e ignorante.

Mas parece que nem isso servia pra ele.

Nada servia pra ele.

Ele vai morrer, não vai?

Se ficar ali, ele vai morrer, era assim que funcionava.

— Então, foda-se. Já tá na hora desse lixo partir logo de uma vez.

Ele se levantou bem devagar apoiando-se nos joelhos.

— Se é pra morrer. Vou fazer isso do jeito certo...

— .....

Nakamura fitou o semblante de Sado Yasutora. Quando o jovem ergueu o rosto, seus olhos derramando lágrimas em um olhar de pura indignação.

— Eu não quero mais ser um covarde!! Eu vivi como um! Então que eu morra como um imbecil que tentou fazer o certo, foda-se!!

Cerre os punhos e ataque! — foi a única coisa que tomou se ser.

— Guh...!!

“Eu me odeio.”

Impacto no queixo. Cambaleou para trás atordoado.

Cerre os dentes e ataque!

— Guhhh!!!

“Eu me odeio tanto.”

Impacto nas costelas. Cambaleou para o lado. Tremia. Queria cair.

“Corpo fodido. Esse é o castigo que você merece por ser um pedaço de merda por todos esse anos!”

Cerre os olhos e avance!

— Gah...!

Avance!

— Guahg!

Avance! Avance! Avance!

— Agh! Ugh?! Ogh!

A visão perdeu o foco novamente, tendo o teto do salão no campo de visão. Sentia o corpo se inclinando de tal forma que seus pés seriam tirados do chão. Doía. Doía muito.

Ele lembrou de uma frase: “Para o metal ser lapidado e mostrar o seu brilho, antes deve passar pelo fogo e então ser esmagado repetidas vezes”.

Ele sinceramente não acreditava nessa frase.

Mas não havia mais nada que ele pudesse fazer senão continuar, mesmo que apanhar seja toda a resposta que teria dos seus atos e tentativas.

— Não...!

Firmou os pés no chão. Segurou Nakamura pela gravata, mordeu tão forte seus dentes que sentia a gengiva doer.

— NÃO!!!!

Ele sentiu que toda a energia e furor do corpo foi movido para seu braço dominante.

Uma outra frase veio em mente, dessa vez alguém que conhecia...

“Na hora de dar um soco, não é força bruta que define o resultado.”

Quem disse isso? Ele lembrava dessa voz.

“Técnica de como dar um bom soco, somado a prática de como socar alguém com os punhos ajudam muito.”

Ah, ele lembrava agora. Foi aquele policial.

“Reconhecer áreas de pressão e pontos fracos são de extrema importância. Quando vou dar um soco, imagino os ossos e os músculos do meu braço vibrando em conjunto...”

Aquele policial apareceu na mente de Sado. Aquele loiro, Kitogawa, de quando enfrentou Maxuel no hotel — sua primeira batalha real.

“Pode não parecer, mas a imaginação é um enorme poder. Faça tudo isso que eu te expliquei e você terá um ótimo poder de ataque sendo só um cara normal.”

Lembrando-se disso, Sado fechou cada dedo em singular como se tivesse segurando algo que não deveria soltar, e avançou com o braço enquanto puxava Nakamura.

O peso do corpo, das decisões, da sua dor, do seu fôlego, dos seus batimentos, do seu sangue, da sua esperança, da desesperança, dos dias de um incompetente — tudo foi movido para o punho direito.

— ....!!!

E então houve um som pesado.

Talvez esse som só tenha existido na cabeça do Sado.

Mesmo assim...

— .......

Ele caiu para trás dando de costas no chão.

Sentiu seu soco acertar. Sentiu o peso chocando no punho e reverberando pelo braço todo. Mas não entendeu o impacto.

Segurava algo.

Deitado, em sua mão ele viu um pedaço da gravata que segurava.

Atordoado, ele olhou para Nakamura.

O corpo do homem-zumbi era estanho. Inclinado estava.

Esse comportamento não era normal.

Foi o resultado do seu soco mais fervoroso de toda a sua vida?

— .......

Fumaça começou a sair do homem como se tivesse evaporando. O cheiro era horrível. Pútrido como quem joga ácido em um cadáver em decomposição.

A mulher má virou a cabeça para ver o que acontecia.

— Oh, acabou o tempo, não foi?

— ...Tempo?

Sua voz rouca saindo da garganta.

Sado confuso se ergueu bem lentamente. Foi abatido como um cão.

— Não fique cheio de si. Ele só está morrendo agora por que o tempo acabou. Você não tem parte alguma nesse desfecho. Foi como um teste de resistência para você. Mas meus parabéns, você está até agora vivo. Eu realmente pensei que você morreria com alguns ataques. Mas receber mais de dez assim de repente e ainda se levantar? Sua habilidade é o quê? Ser um saco de pancadas?

Ele cambaleou para frente, cada passo pingando sangue e mais sangue no salão.

— Dane-se isso... Agora você está sozinha. Mesmo no meu estado... Eu acho que ainda sou melhor do que você... Vovó.

— Tsk, que persistente.

Enquanto tentava penetrar o cristal com correntes que saíam de uma das mãos, a mulher estendeu seu braço secundário para o garoto.

Poderia ser uma investida inútil? Mas uma mulher dessas faria tal coisa?

Com um Sado que se aproximava para interromper seus planos de tomar o corpo perfeito de Yuki, a mulher má transformou seu braço em uma massa uniforme cor de piche.

— ...Que diabos?

Era algum tipo de transformação bizarra. Um braço já não era mais um braço. Derretia e se tornava uma massa uniforme e borbulhante.

Daquele braço, algo se manifestou.

— Huh!?

Era rápido como um chicote.

Sado sentiu todo o seu torço ser atingido pelo flanco, fazendo-o voar longe e deslizar pelo chão do salão.

— Ahg... De novo...

Era odioso a sensação de cair toda hora.

Erguendo o torço, ele precisava ter a visão do que o acertou de fato.

— ...Tá de sacanagem? Os truques não param, não é?

Aquele braço... Não. Tentáculo era a palavra mais correta.

Aquilo se mexia com extrema elasticidade. Um tentáculo escuro gigante de polvo — isso estava no lugar de um braço. Era gigante.

— Eu também odeio isso, mas acho que essa forma desumana reflete quem sou, de fato. Você morrerá, garoto com o dom mais milagroso.

— ...Sua estupida. O que você acha que pode acontecer com meu dom se eu, que sou o portador, simplesmente morrer?

— Isso é algum tipo de tentativa de me provocar? Hah, eu gostaria de descobrir. Eu sou tão fascinada por ele que gostaria de te matar só pra ver as consequências deste ato.

Sado se ergueu do chão e limpou a face ensanguentada. Seus cabelos rebeldes estavam mais desarrumados do que o costume.

“Meu Faker é incompreensível, ou eu só sou burro o suficiente para ele... Seja o que for, ele já se desativou uma vez. Que isso não se repita aqui, carinha. Estou contando com você, sua habilidade inútil que nem me permite atacar a distância. Então, por favor, conte comigo para ir além desse corpo inútil também. Se há algo oculto do qual eu não saiba, essa é a hora! Faker, você me escolheu, não foi? Eu te dei até um nome!”

— Hô? Não gosto dessa sua expressão. Mas já era esperado que fosse continuar a lutar. Como se sente quando o seu ser é violado pela própria arrogância em uma habilidade estranha? Não acha isso inconveniente? Sem o medo de sempre, sua arrogância toma conta de cada ação que se prese. Você não serve pra ser herói, garoto tolo. Você pega para si um papel que não lhe convém.

— E o que você sabe sobre heroísmo?

— Sei que os que mais se passam por heróis do mundo, são também os mais hipócritas. Foi assim com eles.

— Eles?

Havia algo novo aí. Por algum motivo a bruxa má começou a dialogar um pouco mais com esse garoto.

Havia uma história por trás de suas ações? Quais eram suas motivações e origens?

Saber disso influência a decisão final de Sado?

— Eu nunca irei perdoar isso. Se fazem de piedosos mas por dentro são corruptos. Já eu, conheço que sou má e busquei seguir nesse caminho. É o caminho mais verdadeiro! É a única verdade! Pois não há como mentir para si mesma e fingir ser quem você não é!

— Eu não sei do que está falando!

Sado avançou. Avance enquanto ela se perde em palavras.

Avance enquanto ela demonstrar o mínimo de alteração em sua concentração.

— Da igreja, é claro! Maldita seita da Cruz! São todos maus e falsificadores da piedade! — ela moveu seu braço de polvo para os céus — E você é igualzinho a eles...

Um brilho diferente apareceu no olhar daquela mulher má que não se movia sem uma cadeira de rodas. Era raiva.

Não.

Rancor e ódio fervente através daquelas pupilas.

— .....

O braço avançou para baixo. Se isso acertar o garoto, iria esmaga-lo como uma barata.

E então seria o fim.

“Eu tenho que dar o máximo de mim pela Yuki...”

— Então saia do caminho!

Ele elevou seu braço magrelo e estapeou com a palma aquele tentáculo horripilante.

Com o contato algo aconteceu.

— Oh?

O tentáculo foi rebatido para o lado oposto como se batesse em algo extremamente rígido.

Mas era somente um braço comum. Um corpo comum e bastante abatido.

Era Sado Yasutora, o oponente mais fraco.

Mas mesmo assim...

— Faker!

Era o seu poder inútil.

A habilidade mais poderosa que aquela mulher foi capaz de presenciar em toda a sua vida.

— Não, não! O ataque fez efeito a poucos instantes atrás!

— Me devolve ela!

A poucos metros de distância, o garoto avançava com toda a força do seu corpo. Se ele torcer algum músculo ou partir algum osso, ele rezou para que Yuki fosse resolver isso no final do seu esforço, assim como foi anteriormente. Se ele se esforçar ao máximo do máximo para tirá-los vivos dali, mesmo que com a cabeça vibrando em dor, o ouvido esquerdo zunindo e os ossos fazendo barulhos estranhos, estaria tudo bem.

Sim, estaria tudo bem. Mesmo que tenha o Faker que impeça isso, Sado pensou que caso dê tudo de si e apague como foi antes, o Faker pode enfraquecer também, a ponto de Yuki curar ele de novo.

No mais, ele tinha fé nela. Então, mesmo que ele lute e estraçalhe o seu corpo, mais do que isso, era pra queimar na sua consciência que de uma vez por todas, ele REALMENTE iria se esforçar.

Se eu posso correr, então correrei. Se eu posso atacar, então atacarei.

Movido por esse pensamento, Sado transformou em uma ideologia própria.

E, perto o suficiente para socar o rosto daquela que estava incrédula na cadeira de rodas...

De repente, um estrondo rompeu o salão.

— ........

O impacto feroz ressoou como o trovão rasgando os céus.

A parede atrás da bruxa explodiu em escombros quando um bico colossal atravessou a estrutura como se fosse papel.

Uma pomba branca gigantesca surgiu, suas asas abertas formando um vendaval dentro da sala.

Os escombros voaram em direção a Sado e da mulher má com naturalidade. Aquilo era maior que seu torço, mas ela não esboçou receio algum. O pedregulho bateu a centímetros de distância do rosto da Bruxa como se tivesse acertado uma tela invisível e ela ficou ilesa.

Por outro lado, Sado teve que se jogar no chão quase que sendo esmagado pelo projetil catapultado até ele.

— Um pássaro?

A Bruxa má olhou com dúvidas em seus olhos. As demais pombas que voavam ao redor da sala se uniram a pomba gigante como que se fundindo na mesma.

E então, aquilo moveu a cabeça para o cristal em cima do trono.

— Não vou deixar que faça isso!

O tentáculo de polvo vibrou e avançou como um chicote contra o enorme pássaro.

— Kyaaaaaaaaaaa!!!

Entretanto, sob o som ensurdecedor da pomba, e os ventos violentos das asas que bateram, o tentáculo foi rebatido.

Aquilo levou seu bico até o cristal e abocanhou como um grão, partindo as correntes mágicas.

E então engoliu.

— Ah! Yuki!!!

A enorme pomba elevou as asas e iria sair voando. Isso não era bom. Não era nada bom.

A situação piorou e tudo isso já estava além de Sado Yasutora e tudo o que ele poderia prever.

Mas não era uma desculpa esfarrapada para ficar parado.

Mesmo que a situação esteja ruim, ainda há o que ele possa fazer.

Se erguendo do chão ele praticamente correu se jogando na pata do grande pombo.

— Ah! Aaah!

Balançava mais que um balanço solto e os ventos começaram a atingi-lo. O pássaro levantou vôo?

— Isso é insano!

O garoto olhou para trás, agarrado com braços e pernas e viu a Bruxa má balançar correntes para impedir o pássaro de fugir com seu alvo — a menina dos cabelos brancos.

Mas nada do que fizesse agora serviria. A força do bater de asas dessa pomba era implacável.

Batendo asas, a pressão do ar afastou as correntes mágicas e a ave colossal atravessou a parede esburacando mais e mais.

Sado se encolheu todo, cuidando para não ser atingido, e quando percebeu estavam no céu. Saíram do solo.

— Mas que merda!

Era alto. Mas a vista era estranha. Não parecia ser a cidade de Kandori no Uta como ele se lembrava.

Claro, nunca viu ela de cima como estava vendo agora, mas ainda estava dentro da dimensão de bolso, o nível mais alto. A última camada para escapar.

— Yuki...!

Sem entender nada da situação atual, com tudo caótico e acontecendo eventos imprevisíveis um atrás do outro era melhor não pensar sobre e apenas focar em um só objetivo.

Ele escalou o pássaro pela pata e pelas pernas, sendo chacoalhado de um lado para o outro e recebendo ventos fortes no rosto.

Após engolir algumas penas, ou parte delas, ele chegou nas costas da pomba.

Yuki foi engolido por isso.

Sado só pensou em uma coisa.

— Vomita ela de volta! Ela não é alpiste!

Pulou no pescoço do pombo e começou a balançar a ave sem pretensão alguma de pensar em qualquer outra coisa ou em como isso certamente poderia dar errado em diversas formas.

— Merda, não está funcionando... Então é plano B.

Ele se moveu do pescoço até o bico.

— Ah, que merda! Isso é uma enorme desventura!

Se ele colocasse suas mãos ali poderia abrir a força e entrar?

No pior dos cenários ele teria seus dedos decepados como salsichas em uma navalha.

— Isso não seria bom... Bem eu... Ah!?

O pássaro se mexeu de forma diferente agora. Começou a se balançar de maneira absurda e a visão de Sado ficou tão bagunçada que ele enxergava linhas.

— Ahh! Aaaaahh!!

A força centrífuga era tão potente. Suas mãos suadas se soltaram arrancando penas e ele caiu.

— Não...

A sensação de sentir seu corpo ser atirado em uma altura superior a qualquer edifício de sua cidade o fez se sentir como se a gravidade havia mudado por alguns segundos.

“Se eu cair, morrerei”, ele pensou.

Mas.

— !???

O pássaro deu a volta e o abocanhou também, engolindo o jovem Sado Yasutora.