Memórias

Zack:

Eu estava segurando aquele livro negro em minhas mãos, e uma sensação estranhamente familiar tomou conta do meu corpo. Não entendi aquele sentimento e nem mesmo o porquê de estar sentido aquilo, pois aquele livro, parecia ter uma ligação forte comigo de certa forma. Não sei dizer ao certo, se aquilo se dava as características da capa que lembravam muito minhas asas, e características físicas que me acompanham desde que era um garotinho. Ao observa-lo mais atentamente, percebo a fechadura que o impedia de ser aberto, e assim, instintivamente puxei o pingente que estava em meu peito, e coloquei dentro da fechadura, o girando e destrancando aquele livro. Eu não conseguia ouvir nada ao meu redor, estava em estado de êxtase, como se alguém tivesse me enfeitiçado. O livro se abriu em minhas mãos, fazendo suas páginas dançarem enquanto o segurava. Minha cabeça começou a se encher de memórias e visões que não me pertenciam. Memórias que aqueciam meu coração, ao mesmo tempo que sentia uma grande onda de sentimentos distintos tomarem conta do meu ser. Eu via um grande anjo de asas brancas liderando um exército que estava em guerra com demônios, também podia ver uma demônia com marcas semelhantes as minhas fugindo com este anjo de asas brancas. As memórias eram incessantes e contavam uma história trágica do amor de um casal de reinos rivais. Conseguia ver reis morrendo injustamente, dor, sofrimento, e por fim, uma casa no meio da floresta. Dentro dessa casa, eu conseguia ver tanto a Demônia, como o Anjo pela janela, e ambos seguravam uma criança com marcas negras pelo corpo, e asas pequeninas, mas incrivelmente negras. Me senti totalmente perturbado, tudo parecia girar ao meu redor. O excesso de informação que havia adentrando minha mente, estava me sobrecarregando com tantas visões e imagens para de assimilar. Estava perdendo o juízo e até mesmo minha sanidade com tudo o que eu via e escutava. Colocando as mãos na cabeça, e largando o livro no chão, um enorme grito de dor se irrompe de meus pulmões, fazendo até mesmo os pássaros se assustarem e saírem voando.

— FAÇA ISSO PARAR!!! EU NÃO QUERO VER MAIS NADA!!! PARA!!!! — Cai ao chão de joelhos, sentindo uma extrema dor em minha alma que estava sendo machucada.

— Zack! Ei! Zack, se acalme! — Rafa me abraça fazendo carinho em minha cabeça, mas sua feição não escondia o quanto estava assustada como que estava presenciando – Eu tô aqui! Se acalme!

– Eu não quero mais!!! Isso é muita dor!!! É muito sofrimento para alguém poder suportar!!! – Pessoas inocentes morrendo, seguido de seres e criaturas cruéis se divertindo com o massacre que assolava essas terras, não paravam de aparecer em minha mente – Eu não quero que isso aconteça! Isso não pode acontecer!!

– Zack! – Rafa me aperta contra seu peito abraçando toda minha cabeça – Eu estou aqui com você... Pare... Você está me assustando...

Ao conseguir ouvir as palavras de Rafa, eu finalmente consigo respirar fundo, e então começo a me acalmar lentamente, mantendo minhas respiração ofegante. Aquele momento de loucura então se torna em tristeza profunda por tanta crueldade, me fazendo começar a chorar em seu peito, enquanto a mesma me abraça cada vez mais firmemente.

— Eu estou aqui com você, certo? — Ela diz docemente, enquanto eu concordo assentindo com a cabeça.

[...]

Algum tempo depois, eu finalmente estava em condições novamente, chegamos a conclusão de que o livro era muito perigoso para ser deixado em qualquer lugar. Rafa o pegou, e tocou sua mão pela capa do mesmo, o abrindo logo em seguida, e diferente de mim, nada havia acontecido quanto a ela, sendo assim, decidimos leva-lo juntamente ao anjo, pois não poderíamos deixar ele a mercê das criaturas por aí. Coloquei o anjo em minhas costas, enquanto Rafa levaria o livro consigo. Caminhamos rumo ao celeiro das terras de meu pai, e acabamos por demorar muito mais que o esperado, já que mesmo sendo jovem, o anjo ainda um tanto quanto pesado até mesmo para mim. O crepúsculo já se aproximava, e nós tínhamos que chegar o quanto antes, para que ninguém desconfiasse, e também para evitar que acabassemos nos encontrando com algum ser hostil e indesejado. Se eu estou com medo? Claro que sim, posso estar carregando meu assassino bem em minhas próprias costas. Mas prefiro ajudá-lo e me arrepender do que deixá-lo como estava, e acabar me arrependendo depois por não ter sido mais gentil e prestativo. Me sentiria mil vezes pior, caso soubesse que ele bateu as botas, e eu tive a oportunidade de evitar isso, e mesmo assim não escolhi fazer.

Quando chegamos, Rafa rapidamente me ajudou a abrir a porta que nos levaria para dentro do Celeiro. Cuidadosamente, deitei aquele anjo no feno fofo, que posteriormente seria usado para alimentar alguns animais. Rafa começou a examiná-lo, e logo percebeu que sua asa esquerda, estava bem debilitada e possivelmente quebrada.

– Acho que vou deixar ele por aqui esta noite... Acredito poder esconde-lo de meu pai por agora... – Cruzei meus braços, enquanto observava aquele garoto loiro com traços de alguém que não parecia que iria fazer mal a uma mosca – Está muito tarde, e não acho que deveria voltar para casa agora... Vou conversar com meu pai, ele poderá te ceder o quarto de hóspedes.

– Não quero causar problemas a sua família Zack... Eu acredito que consigo voltar a minha casa de forma rápida! – Gentilmente Rafa entregou o livro a mim, soltando um sorriso confiante por final – Confie um pouco em minhas habilidades... Eu ainda tenho bastante experiência... Só... Fique bem, certo?

– Tudo bem então... Tome cuidado, e vá com cautela – Assentindo com a cabeça, peguei o livro com um pouco de receio, mas dessa vez, nada havia acontecido.

– Eu voltarei amanhã para poder te ajudar com nosso visitante inusitado. – Ela riu um pouco ao finalizar a frase. E então, ela beijou meu rosto, logo depois, se virou andando em direção a porta do celeiro – Até amanhã.

Acenei a ela em resposta, e assim que ela fechou a porta, minha atenção se voltou desacordado anjo ao meu lado. Fiquei o observando por algum tempo tentando encontrar qualquer sinal que poderia me dizer que ele era um perigo eminente, mas aparentemente, ele só parecia ser algum tipo de pessoa estudiosa. Sendo assim, comecei a olhar um pouco de suas coisas, mas a única coisa que estava me deixando preocupado, era sua aljava com flechas afiadas, e seu arco que carregava com sigo. Havia também uma bússola dourada, mas nada além disso era interessante ou de risco a minha pessoa, pois tudo parecia ser apenas para sobrevivência pessoal. Sendo assim, me conformei a pensar que ele não era uma má pessoa, e sim alguem que parecia estar desesperado fugindo de alguma coisa. Minha atenção foi mais uma vez ao livro negro que estava carregando comigo ao meu lado, me dando a idéia de que talvez, aquele poderia ser o grande motivo para tudo isso. Tomo em minhas mãos mais uma vez, o abrindo com um pouco de medo. Começo a folheá-lo página por página, lendo calmamente tudo o que me apresentava e falava. De forma geral, se tratava de uma profecia antiga e até mesmo divina que recaia a milênios sobre o mundo mítico. Imagens e símbolos dançavam na minha frente, havia muitas informações que me deixavam intrigado. Mas não era só isso... O livro também falava de uma grande guerra, um casal proibido e uma lenda dentre dois Reinos primordiais, e por fim, um Anjo de Asas Negras. Fechei aquele livro com um milhão de perguntas em minha cabeça, eram tantas informações sem qualquer tipo de assimilaridade na minha mente, que confesso ter ficado um tanto tonto com aquilo tudo.

— Isso é loucura... — Pensei em voz alta – Essas coisas... São extremamente fora dos padrões...

Olho para o anjo dourado mais uma vez, e acabo me deparando com um par de olhos verdes arregalados. Ele já havia acordado, e parecia bem assustado, ao ponto de ter visto algum monstro super horrível a sua frente. Ele vagarosamente tentou se levantar, apoiando-se dos lado, enquanto seus olhos não paravam de estar cravados em mim.

— Ah olha só! Você acordou! — Tentei soar o mais amigável que podia para não assusta-lo, mas parecia não estar funcionando muito bem – Você está legal...?

— V-você... V-você... É o Anjo Negro! Você existe! Pelos Deuses!!! — Ele tenta puxar seu arco, mas eu o havia deixado junto a suas coisas na mesa próxima a mim. Ele estava sem reação, sua expressão na verdade era de choque e medo – Ah... Por favor... Não me mate! Fique longe de mim!

— Ei ei ei!! Calma lá amigão! Eu não vou te machucar! — Gesticulando mais uma vez em um tom gentil, movimentei minhas mãos de forma que desse a exata impressão que queria, não o machucaria — Está tudo bem... Eu não vou machucar você... Meu nome é Zack, qual o seu?

— O-o Meu nome...? Ah... É-é Chrystopher — Permanecendo cauteloso e desconfiado, ele realmente não estava muito a vontade comigo ainda.

— Muito prazer Chrys — Mais uma vez do meu melhor para que o climão que ali estava se instalando acabasse. Dessa forma me aproximei dele estendendo minha mão — Posso te chamar assim? Você se incomoda?

— Acho... Que pode sim... — Sem entender nada, ou simplesmente tendo um total contra choque de realidade, ele finalmente resolveu apertar minha mão, mesmo que ainda um pouco recluso do que estava fazendo — O prazer... É todo meu... Eu acho...

— Fico feliz que esteja bem... Eu te trouxe para cá, porque te achei caído no chão no meio da floresta onde estava com uma conhecida minha.. — Me agacho diante dele para que nossos olhares demonstrassem verdade entre nós dois — Você deve estar com sede, quer água? Ou alguma coisa para comer?

Ele ainda parecia muito confuso com o que estava acontecendo, pois a impressão que trazia a mim, é de que ele esperava uma certa reação sobre minha pessoa, e no final, acabou por ganhar uma coisa totalmente diferente do que estava pensando. Ele decidiu aceitar a água, então rapidamente pego um copo para ele, o entregando e continuando a tentar interagir com o mesmo. Ele ainda me olhava um tanto quanto desconfiado, mas talvez isso se desse por conta de meus olhos e marcas de demônio. Deixo a bolsa que carregava consigo perto dele, não havia retirado nada de dentro, e estava com todos os itens que haviam dentro dela. Logo ele começou a remexer em sua bolsa, parecia preocupado por perceber a possível possibilidade de ter perdido algo. Por isso continuou a remexer a bolsa até finalmente encontrar a bússola dourada que havia visto antes, soltando um suspiro de alívio em resposta.

— O que é isso? É algo significativo para você ? – O perguntei sentando ao seu lado.

— Uma pessoa... Muito importante, deu para mim — Ele olhava a bússola tristemente vazio — As coisas estão complicadas em meu reino, e preciso voltar o quanto antes...

— Entendo... Eu acho... — Tento parecer prestativo, mesmo que não tenha entendido bulhufas de nada. — Você sabe o que é isso aqui?

Mostro o livro a ele, segurando firmemente em minhas mãos. Ele se espanta ao ver o livro, e rapidamente o pega da minhas mãos, quase que de forma instantânea.

— Como conseguiu abri-lo?! — Ele estava maravilhado folheando as páginas. Havia tanta curiosidade e atenção, que fiquei até mesmo um pouco impressionado com sua dedicação – Só poderia ser aberto com um Elo de Babel!!

Mostro a ele meu pingente com o símbolo daquilo que ele mesmo diz ser um "Elo de Babel. Ele me olha um tanto temeroso, porém entende o que estou tentando dizer.

— Entendo... Você realmente tem um Elo de Babel... E se você existe... — Ele hesita um pouco antes de prosseguir com a sua linha de raciocínio — Então a profecia... Também só pode ser verdadeira...

Aquela afirmação ainda não fazia sentido em minha cabeça, eu tinha muitas perguntas, poucas respostas e um misterioso Anjo de Asas cor de ouro a minha frente. Que profecia é essa? O que exatamente ela diz? E como eu estou envolvido nisso?

– Ah... Perdão, mas poderia me explicar? – coloco a mão na nunca um tanto sem graça.

Ele não ouviu meu pedido, estava tão focado em suas atividades e objetivos, que simplesmente esqueceu da minha existência. Resmungando e conversando sozinho no celeiro, um monte de palavras encheu a atmosfera daquele lugar, ele não parava de falar com ele mesmo. Aquilo claramente me assustou, afinal se aquilo era tão importante e assustador, a ponto de Chrys ficar daquele jeito, só queria rezar pra que meu destino nessa profecia fosse coisa boa.

– Chrys...– Ele continuou a resmungar – Chrys... Ei! Chrystopher! Acorda!

– O que!? – Ele gritou abruptamente ao se virar pra mim – Ah... Perdão... Me perdi em meus pensamentos. Pelos deuses... Isso não acontece a anos...

– Acho melhor você ir descansar um pouco... – Coloco a mão em seu ombro demonstrando minha real preocupação a ele.

– É... Talvez você realmente esteja certo – Ele colocou a mão na testa com sua feição claramente assustada por tudo o que aconteceu.

Assenti a ele e então decidi que deveria deixar ele descansar. Vou continuar a tirar minhas dúvidas com o Chrystopher apartir de amanhã.