Eu me sentei em cima do cristal. A mana quente logo começou a ser absorvida pelo meu corpo, como uma esponja absorve água.
O método que eu ia usar era um próprio. Após muito tempo de leitura e reflexão, junto a Yoskar, juntos nós criamos um método teórico, da mesma forma que eu criei um método para a circulação de mana. Esse, no entanto, foi exponencialmente difícil, já que os fragmentos eram descritos como algo etérico e intangível, então eu não tinha nenhuma base para me guiar.
O método que eu concebi era um tanto bruto e mortal. Segundo muitos filósofos, os fragmentos estavam conosco desde o nascimento e teoricamente se encontravam no subconsciente. Então, eu tinha que encontrar uma forma de entrar no meu subconsciente. Com isso em mente, eu criei um composto para me deixar meio inconsciente.
Meu corpo era normalmente imune à maioria dos venenos, mas, se eu concentrasse e misturasse alguns tipos de venenos de insetos, eu poderia criar um composto que pudesse me afetar. Então, após alguns dias coletando insetos e extraindo seus venenos, eu consegui um resultado muito satisfatório. Além de me deixar inconsciente, ele era capaz de matar a todos os animais que eu enfrentei.
"Olha, Victor, eu espero que sua teoria esteja certa, pois, se você errar a dose pra cima, você pode morrer", Yoskar disse com um tom de aviso.
"Eu sei, mas não consegui pensar em mais nada pra resolver esse problema", eu disse com um suspiro.
Pegando um chifre oco cheio de um líquido preto com um cheiro horrível, eu hesitei por um momento e, então, bebi o veneno. O gosto era simplesmente horrível, mas o efeito era muito bom. Em menos de um minuto, eu comecei a sentir uma forte tontura. Nesse tempo, eu me concentrei em absorver o máximo de mana do cristal e armazená-lo no meu corpo.
Minha visão escureceu e minha mente apagou.
Após um tempo, minha consciência voltou e eu estava novamente na escuridão perpétua. Uma onda de pânico tomou conta de mim. A única coisa que me acalmou é que eu ainda conseguia sentir fracamente a mana.
Isso queria dizer que eu não tinha morrido. Após confirmar que eu ainda estava vivo, eu tentei encontrar meu subconsciente. Eu me deixei afundar ainda mais fundo, me levar ainda mais na escuridão.
Eu sentia que minha consciência estava indo para algum lugar. Após muito tempo... eu não sei, mas eu comecei a ver uma forma no fundo da escuridão. Parecia ser uma espécie de muro imenso com desenhos incompreensíveis em uma cor cinza opaca por todos os lados.
Aquele muro me deu uma sensação muito íntima, como se fosse uma parte de mim. Em nenhum livro que eu li, ele descrevia esse muro. Eu tentei enxergar os desenhos contidos nele, mas era como segurar o ar; eu não conseguia lembrar de nada. Mas um detalhe eu percebi: os desenhos estavam em volta de seis círculos espalhados desordenadamente.
Eu tentei tocar em um deles, mas minha mão foi facilmente repelida. Então, eu tentei usar mana. Era meio difícil, mas eu consegui. Eu não tentei manipulá-la, mas sim a deixei correr livremente pelo muro.
A mana parecia percorrer um caminho premeditado. Ela ignorou os outros quatro desenhos e se focou em dois. Eles se iluminaram em cores distintas. Uma era uma linda cor roxa etérea; ela passava uma sensação de leveza e mistério. Dentro do círculo, tinha se formado uma palavra, mas, mesmo ela sendo visível, eu não conseguia lê-la, não importa o quanto eu tentasse.
Já a outra passava uma sensação de opressão e massacre numa terrível luz vermelha sangrenta. Mas foi justamente essa luz que me encheu de esperança.
Porque, se eu estivesse certo, aquele fragmento representava o sangue, e, com esse fragmento, eu poderia manipular o sangue alheio, inclusive o meu. Com essa habilidade, eu poderia talvez fundir as minhas linhagens defeituosas em uma nova.
Eu fiquei em dúvida por um momento, pois eu não tinha a certeza exata se isso realmente era sobre o sangue. Mas eu rapidamente limpei esse pensamento. Essa era talvez a maior chance que eu tinha de fundir minhas linhagens em uma nova e acabar com um dos meus problemas mais graves.
Eu rapidamente infundi mais mana naquele desenho, e a luz vermelha ficou exponencialmente mais forte, enquanto que a outra se apagou. Eu não sabia se tinha perdido a chance de ter aquele fragmento. Eu sinceramente esperava que não, ou eu poderia chorar.
A luz aumentou até que toda a escuridão fosse tingida pela luz sangrenta. Então, eu fui lançado na direção oposta e acordei.
A primeira coisa que eu notei foi o gosto horrível na minha boca junto com a pior dor de cabeça da minha vida. Nem mesmo uma noite inteira de bebedeira me deixou tão ruim. Mas eu acho que isso é o de menos, considerando a loucura que eu fiz.
"Victor, você está bem?" A forma embaçada de Yoskar pairou em cima de mim, sua voz carregada de preocupação.
"S-sim, eu-eu estou bem", eu disse entre respirações profundas. Meu peito parecia pesado, meu cérebro lento. Era um sentimento muito desconfortável.
"Você é muito louco, seu idiota", Yoskar me repreendeu em uma voz raivosa. Mas, para mim, parecia que eu estava debaixo d'água. Era abafado, minha visão oscilava constantemente.
Eu não aguentei mais e apaguei novamente. Quando eu acordei, eu me sentia melhor. Minha cabeça ainda zumbia como se eu tivesse levado um soco, e minha boca tinha um gosto horrível, como se eu tivesse comido vômito. Mas, fora isso, eu estava bem melhor.
A visão da bola azul flutuante chamada Yoskar me saudou. Ele não tinha expressão, mas eu podia jurar que ele estava zangado.
"E aí", eu acenei fracamente para ele, mas não obtive resposta além de um silêncio muito desconfortável.
"Olha, Yoskar, me desculpa mesmo. Eu sei que você me avisou que era perigoso, mas valeu a pena."
"Valeu a pena!? E se você tivesse morrido, seu idiota!!" A voz de Yoskar era como um trovão ecoando na sala. Eu fiquei surpreso com a explosão dele. Durante todo esse tempo, ele nunca tinha ficado assim. Mesmo quando eu tinha batalhas de vida ou morte e voltava todo machucado, ele só me perguntava se eu estava bem. Mas agora eu podia sentir a raiva emanando da sua forma etérea.
"Yoskar, você está bem? Você nunca foi assim", eu perguntei, confuso com essa situação.
"Eu que deveria estar perguntando isso! Você fica aí arriscando a sua vida sem pensar nas consequências. E se você morresse!? Você não percebe o quanto a vida é preciosa?" Ele retrucou, aparentemente furioso com a minha indiferença à morte.
Eu não conseguia realmente ver onde minha atitude estava errada. Nessa selva rodeada de perigos e animais mortais, eu deixei minha segurança pessoal há muito tempo. Era a única maneira que eu via de sobreviver nesse lugar.
Nós dois continuamos em silêncio, aparentemente perdidos em nossos pensamentos. Era estranho ter alguém me repreendendo. Eu me acostumei a fazer o que eu queria, mas eu não podia realmente ficar com raiva dele. Ele só estava preocupado comigo.
Eu respirei fundo e falei em um tom de desculpas: "Olha, Yoskar, me desculpa mesmo por não levar em conta a minha própria segurança, ok? Eu prometo que não vou tentar um método tão perigoso assim", eu disse a última parte para tranquilizá-lo, mas eu sabia que era mentira.
A forma dele pareceu se apagar por um momento e, então, ele falou: "Me desculpe também. Eu não sei o que deu em mim. Quando eu vi você lá meio morto no chão, uma sensação de pânico tomou conta de mim. Eu nunca tinha sentido algo assim antes", ele se desculpou. Mas eu notei uma coisa: no final da sua frase, a voz dele soou meio... feminina. Eu pensei ter escutado errado e mudei de assunto.
"Não se desculpe. Se preocupar com os outros quer dizer que você é humano e não uma coisa criada por Ravet. Isso é uma coisa boa", eu disse, tentando animá-lo.
"Sério?! Que bom!", ele gritou em alegria e eu pude sentir novamente, no final da frase, aquele tom agudo de garota. Isso me deu arrepios. Porque, se ele não era algo criado, mas sim uma alma que foi aprisionada aqui... então Ravet era um monstro muito maior do que os livros descreviam.
"Bem, você disse que valeu a pena. Quer dizer que você conseguiu despertar o fragmento?", Yoskar perguntou.
Eu rapidamente contei tudo o que eu vi naquele espaço escuro. Após alguns momentos de reflexão, Yoskar falou novamente: "Eu acho que o motivo pelo qual você só tinha acesso a dois fragmentos era porque seu corpo é muito fraco para aguentar o poder dos outros", ele concluiu.
Eu achei aquela hipótese bem plausível. Meu corpo era um monte de seres em um só. Já era um milagre eu estar vivo.
"E como nós esperávamos, seu corpo pode conter muitos fragmentos. Mas, sinceramente, eu não esperava 6 fragmentos. Isso é simplesmente ridículo", Yoskar expressou a mesma incredulidade que eu.
"Mas você tem certeza que é sangue?", ele perguntou, tentando conter sua expectativa em relação às possibilidades que isso implicava.
Eu absorvi mais mana do cristal e me concentrei naquela sensação novamente de quando eu alcancei o muro. Foi significativamente mais fácil. Após alguns momentos, eu pude vê-lo novamente, só que agora o fragmento do sangue brilhava de forma sinistra como o olho de uma fera.
Me concentrando no fragmento, eu podia sentir o efeito de imediato. Eu podia sentir o meu sangue, podia ouvi-lo correndo pelas minhas veias, podia controlá-lo. Eu me deliciei com esse sentimento inebriante, mas ele não durou muito; eu logo fui expulso daquele local misterioso.
"Que porra aconteceu?", eu murmurei confuso.
"Sua mana acabou, Victor", Yoskar respondeu.
"Unh?", eu questionei. Eu tinha absorvido toda a mana do cristal. Era preciso saber que o cristal era duas vezes maior e sete vezes mais largo. Mesmo após eu ter limpado meu corpo das impurezas, meu corpo cresceu para ter mais ou menos 1,70 de altura, mas, mesmo assim, eu não era mais alto do que essa pedra. Ela conseguia me saciar de mana por semanas, mas toda a minha mana foi gasta em instantes só de ativar o fragmento.
"Parece que há mais de uma razão pela qual os fragmentos só podem ser usados no despertar de vórtice", Yoskar murmurou.
"Pelo visto, parece que sim, mas só aquele momento me confirmou nossa suspeita. Eu realmente tenho o fragmento de sangue", eu disse animadamente.
"O mesmo fragmento dele, então?", Yoskar falou com entusiasmo.
"Sim, o mesmo fragmento do imperador de sangue", eu disse com um sorriso.
O imperador de sangue Zenin era um nome temido e respeitado por todo o Infinite World, uma verdadeira lenda pelos seus feitos. Ele era um demônio, um ashura, demônios conhecidos pelo talento e paixão pela luta. Com o fragmento de sangue, ele era capaz de criar armas infinitas de sangue. Milhões morreram em suas mãos; nunca antes derrotado, nunca recuou perante uma luta, nunca foi derrubado em combate. Por isso, quando boatos sobre a morte dele surgiram, ninguém acreditou.
Era de conhecimento público que um de seus maiores feitos foi lutar contra 10 guerreiros 2 ranks acima do seu e sair vitorioso. Sua morte nunca foi confirmada. Muitos especularam que ele simplesmente se cansou de lutar e decidiu viver tranquilamente. Outros especularam que ele encontrou alguém que não conseguiu derrotar e, com medo da vergonha da derrota, se escondeu.
Mas depois de ver o fragmento de sangue dentro de mim, pode ser que Zenin tenha realmente morrido e foi Ravet quem o matou. Isso só fez minha cautela em relação a ele aumentar, junto também à curiosidade de como Ravet morreu.
Era conhecido que os filhos tendem a herdar os fragmentos dos pais. Então, se Ravet usou o corpo de Zenin na minha criação, existia a possibilidade de eu herdar seu fragmento. Agora, se foi ele sozinho a matá-lo e como ele fez isso, é um mistério para outra hora.
No momento, eu não conseguia usar o fragmento por mais do que alguns segundos. Então, era bem inútil no momento, mas eu sabia uma maneira de conseguir usá-lo. Com a fonte de mana: a mana flui constantemente desses locais. Então, se eu conseguisse absorver a fonte de mana na mesma taxa em que ela é gasta com o fragmento, eu conseguiria usá-lo, mesmo que de forma rudimentar.
Organizando meus pensamentos em uma ordem coerente, eu olhei para Yoskar com determinação. "Vamos, Yoskar, temos trabalho a fazer", eu disse enquanto me levantava.
A primeira coisa que eu precisava para conseguir derrotar Rudy era veneno, o mesmo veneno que eu usei para despertar meu fragmento, só que numa quantidade maior. Eu precisava de uma lacraia negra, uma grama laranja de terra e raiz de mandrágora. A maior dificuldade que eu teria era pegar as lacraias. Essas não eram as pequenas que eu estava acostumado. Essas tinham entre 1 metro e 1 metro e meio de comprimento. Elas gostavam de ficar em locais escuros e úmidos e comiam insetos e pássaros menores.
Confesso que foi realmente difícil pegá-las na primeira vez. Eu fui mordido e injetado com um veneno muito letal, mas ele mal fez efeito em mim. Meu corpo limpava o veneno muito rapidamente, e era para isso que servem os outros dois ingredientes, para amplificar o efeito.
Depois de conseguir capturar cinco, eu comecei a extrair o veneno de suas glândulas. Eu extraí e os coloquei em cabaças feitas de frutas bebar, uma fruta que deveria ser consumida logo após nascer, pois suas frutas, com o passar do tempo, secavam, cresciam, ficavam ocas e rígidas, perfeitas para armazenar líquidos.
Após encher cinco cabaças cheias de veneno com um cheiro horrível e uma terrível cor negra, eu estava pronto para enfrentá-lo.
Eu só não sabia se teria êxito.