CV. LUDEN

A maioria dos problemas referentes aos cavalos não tem nada a ver com os animais em si, e sim provém da ignorância dos cuidadores. As pessoas ferram mal os animais, usam selas impróprias e os alimentam incorretamente, e depois reclamam que alguém lhes vendeu um pangaré manco, preguiçoso e indócil.

Eu conhecia cavalos. Meus pais haviam me ensinado a montá-los e a cuidar deles. Embora o grosso da minha experiência tivesse sido com raças mais robustas, criadas para a tração e não para a corrida, eu sabia ganhar terreno depressa quando necessário.

Na pressa, quase todas as pessoas forçam as montarias cedo demais. Arrancam num galope furioso e depois se descobrem com um cavalo manco ou semimorto em menos de uma hora.

Pura idiotice. Só um cretino sem compaixão trata um cavalo dessa maneira.

A bem da verdade, eu teria feito Szeth-Khelin cavalgar até cair morto, se isso me levasse a Nebron em tempo hábil. Há momentos em que me disponho a ser cretino. Eu seria capaz de matar uma dúzia de cavalos, se isso me ajudasse a obter mais informações sobre o Sombraim e sobre a razão de o grupo ter matado meus pais.

Em última instância, entretanto, não fazia sentido pensar assim. Um cavalo morto não me levaria a Nebron. Um vivo, sim.

Por isso parti com Szeth-Khelin numa boa marcha, para fazer seu aquecimento. Ele estava ansioso por andar mais depressa, provavelmente por intuir minha impaciência, e isso seria ótimo se eu só tivesse que percorrer 2 ou 3 quilômetros. Mas eu precisaria dele por pelo menos 80, talvez 110, e isso significava paciência. Tive que refreá-lo duas vezes para reduzir o passo, até ele se resignar a esse ritmo.

Após dois quilômetros, deixei-o trotar um pouco. Sua andadura era suave, mesmo para um Khorshaen, mas o trote nos faz sacolejar de qualquer maneira e repuxou os pontos novos na lateral do meu tronco.

Depois de mais uns 2 quilômetros, coloquei-o a meio-galope. Só quando já nos afastáramos uns 5 ou 6 quilômetros de Torrente e chegamos a um bom trecho reto de estrada plana foi que o cutuquei de leve e o fiz galopar.

Tendo finalmente a oportunidade de correr, ele avançou em disparada. O sol mal havia acabado de secar o orvalho matutino e os lavradores que colhiam aveia e cevada nos campos levantaram a cabeça ao passarmos feito um raio.

Szeth-Khelin era veloz, tão veloz que o vento levantava minha capa, desfraldando-a atrás de mim como uma bandeira. Mesmo sabendo que devia estar exibindo uma figura realmente dramática, logo me cansei do puxão no pescoço, tirei a capa e a enfiei na bolsa.

Ao passarmos por um arvoredo, tornei a fazer Szeth trotar. Com isso, ele pôde descansar um pouco e não corremos o risco de dobrar uma curva e tropeçarmos num tronco caído ou numa carroça lenta. Ao entrarmos novamente numa área de pasto e enxergarmos todo o caminho, dei-lhe rédea solta e praticamente voamos.

Após hora e meia disso, Szeth estava suado e arfante, mas ainda se saía melhor do que eu. Minhas pernas pareciam borracha. Eu estava em boa forma e era jovem, mas fazia anos que não me sentava numa sela. Montar requer o uso de músculos diferentes de andar, e galopar é tão difícil quanto correr, a menos que se queira dar um trabalho dobrado ao cavalo a cada quilômetro.

Basta dizer que acolhi de bom grado o arvoredo seguinte. Pulei da sela e fui andando ao lado de Szeth, para dar a nós dois um merecido descanso. Parti uma de minhas maçãs mais ou menos ao meio e lhe dei a parte maior. Calculei que devíamos ter percorrido uns 50 quilômetros, e o sol ainda nem estava totalmente a pino.

— Essa foi a parte fácil — eu disse, acariciando-lhe o pescoço com ternura. — Puxa, você é mesmo um encanto. Ainda não está nem perto de se cansar, não é?

Andamos uns 10 minutos e tivemos a sorte de deparar com um regato atravessado por uma pontezinha de madeira. Deixei-o beber água por um bom minuto, depois o afastei, para que não bebesse demais.

Tornei a montar e fui acelerando sua marcha aos poucos, até chegarmos ao galope. Minhas pernas ardiam e doíam quando me debrucei sobre seu pescoço. O martelar de seus cascos parecia um contraponto à lenta canção do vento que soprava sem cessar por minhas orelhas.

O primeiro desafio veio cerca de uma hora depois, quando tivemos de atravessar um rio largo. Não era uma correnteza traiçoeira, de modo algum, mas tive que desencilhá-lo e carregar tudo para o outro lado, para não correr o risco de molhar a sela e os arreios. Não poderia montá-lo por horas a fio com um arreamento molhado.

Na outra margem do rio, sequei-o com meu cobertor e tornei a selá-lo. Isso levou meia hora, o que significou fazê-lo passar de descansado a frio, e por isso tive de reaquecê-lo aos poucos, do passo lento para o trote e o meio-galope.

Ao todo, esse rio me custou uma hora. Torci para que não houvesse outro rio e que a friagem não penetrasse nos músculos de Szeth. Se isso acontecesse, nem Ardonai seria capaz de fazê-lo galopar de novo.

Uma hora depois atravessei uma aldeia, que se resumia a pouco mais de uma igreja e uma taberna, casualmente uma ao lado da outra. Parei apenas por tempo suficiente para Szeth beber água numa gamela. Estiquei as pernas dormentes e olhei ansioso para o sol.

Depois disso os campos e fazendas foram diminuindo de número e ficando mais afastados. As árvores se tornaram mais grossas e mais densas. A estrada se estreitou, já em mau estado, cheia de pedras em alguns pontos, desnivelada e acabada em outros. O avanço se tornou cada vez mais lento. Mas, verdade seja dita, já não restava muito espírito de galope em Szeth-Khelin nem em mim.

Topamos então com outro riacho cruzando a estrada. Não tinha muito mais de uns dois palmos de fundo, se tanto. A água tinha um cheiro forte e desagradável, o que me fez supor que havia um curtume ou uma refinaria rio acima.

Não havia ponte, e Szeth-Khelin atravessou o riacho devagar, pondo os cascos com muito cuidado no leito rochoso. Perguntei a mim mesmo se aquilo seria agradável, como quando a gente balança os pés dentro d'água depois de um longo dia de caminhada.

Esse riacho não nos retardou muito, mas na meia hora seguinte tivemos de cruzá-lo três vezes, à medida que ele corria sinuosamente cortando a estrada. Mais era um inconveniente do que qualquer outra coisa, e nunca passava muito de 40, 50 centímetros de profundidade.

A cada vez que o atravessávamos, o cheiro podre da água era pior. Solventes e ácidos. Se não era uma refinaria, seria ao menos uma mina. Mantive as mãos nas rédeas, pronto para levantar a cabeça de Szeth se ele tentasse beber aquela água, mas o cavalo era mais esperto que isso.

Depois de um longo meio-galope, chegamos ao alto de um morro de onde avistei uma encruzilhada na base de um valezinho coberto de capim. Bem embaixo de uma placa indicativa estava um criaferro com um par de burros, um deles tão carregado de sacas e trouxas que parecia prestes a tombar.

O outro, visivelmente sem carga, estava parado à beira da estradinha de terra, pastando, com uma pequena montanha de tralhas empilhada a seu lado.

O criaferro estava sentado num banquinho à margem da estrada, com ar de desânimo. Sua expressão se iluminou ao me ver descendo o morro.

Li a placa ao chegar mais perto. Ao norte ficava Nebron; ao sul, Timfalls. Puxei as rédeas ao me aproximar. Um descanso faria bem a Szeth-Khelin e a mim, e minha pressa não era tanta que me levasse a ser rude com um criaferro. De jeito nenhum.

Antes de tudo, o homem poderia dizer-me quanto me faltava para chegar a Nebron.

— Olá! — cumprimentou ele, levantando a cabeça e protegendo os olhos com uma das mãos. — Você está com jeito de um garoto que precisa de alguma coisa — disse.

Era mais velho, meio calvo e de rosto redondo e amável.

Respondi rindo:

— Preciso de uma porção de coisas, criaferro, mas acho que o senhor não tem nenhuma delas nos seus fardos.

Ele me deu um sorriso sedutor.

— Ora, ora, não vá presumindo coisas... — começou, mas parou e baixou os olhos por um instante, pensativo.

Quando tornou a levantá-los, ainda exibia uma expressão gentil, porém mais séria do que antes:

— Escute, serei franco com você, meu filho. Minha mulinha machucou a pata dianteira numa pedra e não aguenta carregar seu fardo. Estou preso aqui até encontrar alguma forma de ajuda.

— Normalmente, nada me deixaria mais feliz do que ajudá-lo, criaferro. Mas preciso chegar a Nebron o mais depressa possível.

— Isso não dará grande trabalho — disse ele, balançando a cabeça para o norte, na direção do morro. — Você está a menos de um quilômetro de lá. Se o vento estivesse soprando para o sul, poderia sentir o cheiro da fumaça.

Olhei na direção de seu gesto e vi fumaça de chaminés subindo por trás do morro. Senti-me tomar por uma grande onda de alívio. Eu havia conseguido, e mal passara uma hora desde o meio-dia.

O criaferro continuou:

— Preciso chegar ao porto de Evesdon. — Fez sinal para o leste. — Combinei uma viagem rio abaixo e adoraria pegar o meu barco — acrescentou, com um olhar significativo para meu cavalo. — Mas precisarei de outro animal de carga para levar minhas tralhas...

Minha sorte parecia ter finalmente mudado. Szeth era um belo cavalo, mas, agora que eu estava em Nebron, ele seria pouco mais do que um dreno constante em meus parcos recursos.

Mesmo assim, nunca é prudente parecer ansioso para vender.

— Este é um cavalo e tanto para ser usado como animal de carga — retruquei, afagando o pescoço de Szeth-Khelin. — É um Khorshaen puro-sangue, e eu lhe asseguro que nunca vi cavalo melhor em toda a minha vida.

O criaferro lhe deu uma espiada cética.

— Ele está é arrasado, isso sim. Não consegue correr nem mais 2 quilômetros.

Pulei da sela, mas cambaleei um pouco, quando as pernas bambas quase se dobraram sob o peso do meu corpo.

— O senhor devia dar-lhe um pouco mais de crédito, criaferro. Ele acabou de vir de Torrente hoje.

O criaferro deu um risinho.

— Você não é um mau mentiroso, menino, mas precisa saber a hora de parar. Quando a isca é grande demais, o peixe não a pega.

Não precisei fingir-me horrorizado.

— Desculpe-me, não me apresentei direito — disse, estendendo-lhe a mão. — Meu nome é Vanitas, sou membro de uma trupe e faço parte dos Therion. Nem mesmo em meu dia de maior desespero eu mentiria para um criaferro.

O homem apertou minha mão e disse, meio surpreso:

— Bem, minhas sinceras desculpas a você e a sua família. É raro ver um de vocês sozinho na estrada. — Tornou a olhar para o cavalo, com ar crítico. — Todo o trajeto desde Torrente, você disse?

Balancei a cabeça em sinal afirmativo.

— E isso dá o quê? Quase 100 quilômetros? É uma corrida dos diabos... — comentou, dando-me um sorriso entendido. — Como vão as suas pernas?

Retribuí o sorriso.

— Digamos apenas que ficarei contente por tornar a andar com meus próprios pés. Ele ainda aguenta uns 15 quilômetros, eu diria. Mas não posso dizer o mesmo sobre mim.

O criaferro tornou a olhar para o cavalo e deu um suspiro estrepitoso.

— Bem, como eu disse, você me apanhou num grande aperto. Quanto quer por ele?

— Bem, o Szeth-Khelin aqui é um Khorshaen puro-sangue e tem uma cor linda, o senhor há de admitir. Não há um pedacinho dele que não seja negro. Nem um fio de pelo branco...

O criaferro caiu na gargalhada.

— Retiro o que eu disse. Você é um péssimo mentiroso!

— Não vejo o que há de tão engraçado — retruquei, meio seco.

O criaferro me olhou de forma estranha.

— Nem um fio de pelo branco, não — disse, balançando a cabeça em direção às quatro patas de Szeth. — Mas, se ele é todo negro, eu sou o Grande Valoran.

Virei-me para trás e vi que a pata traseira esquerda de Szeth-Khelin tinha uma nítida meia branca que subia até a metade do jarrete. Atônito, aproximei-me e me abaixei para olhar. Não era um branco alvo, mas um cinza desbotado. Senti um vago cheiro do riacho que havíamos atravessado chapinhando na última parte da viagem: solventes.

— Aquele cretino ordinário! — comentei, incrédulo. — Ele me vendeu um cavalo tingido.

— O nome não lhe deu a dica? — o criaferro riu. — Szeth-Khelin? Por Deus, garoto, alguém andou caçoando de você!

— O nome dele quer dizer "crepúsculo" — retruquei.

O criaferro abanou a cabeça e disse:

— O seu kiaru anda enferrujado. Selhin-Keth seria "cair da noite". Szeth quer dizer "meia". O nome dele é "pé de meia".

Relembrei a reação do dono das cavalariças ante minha escolha do nome. Não era de admirar que tivesse parecido tão desconcertado. Não era de admirar que tivesse baixado o preço com tamanha rapidez e facilidade. Havia achado que eu descobrira seu segredinho.

O criaferro riu da minha expressão e me deu um tapinha nas costas.

— Não esquente a cabeça, garoto. Acontece com os melhores de nós de vez em quando — disse, virando-se e começando a remexer em suas trouxas. — Acho que tenho uma coisa de que você vai gostar. Deixe-me oferecer-lhe uma troca.

Tornou a virar para mim, estendendo uma coisa preta e retorcida feito um pedaço de madeira lançado à costa pelo mar.

Peguei-a e a examinei. Era pesada e fria.

— Um pedaço de ferro-gusa? — indaguei. — O que foi? Acabaram os seus feijões mágicos?

O criaferro estendeu a outra mão, na qual tinha um alfinete. Segurou-o a cerca de meio palmo de distância e o soltou. Em vez de cair, o alfinete voou de lado e se grudou no glóbulo liso de ferro negro. Respirei fundo, com ar apreciativo.

— Uma pedra-luden? Eu nunca tinha visto uma delas.

— Tecnicamente, é uma pedra-nebron — disse ele, com ar displicente —, já que ela nunca esteve perto de Luden, ao passo você está bem perto de Nebron. Há todo tipo de gente que se interessaria por essa beleza lá pelas bandas de Torrente...

Balancei a cabeça, distraído, enquanto a girava nas mãos. Desde pequeno, eu sempre quisera ver uma pedra-de-atrair. Puxei o alfinete, sentindo a estranha atração que ele exibia pelo metal liso e negro. Fiquei deslumbrado.

Tinha um pedaço de ferro estelar na minha mão.

— Quanto acha que ela vale? — perguntei.

O criaferro chupou os dentes um pouco.

— Bem, calculo que aqui e agora ela valha mais ou menos o mesmo que uma mula de carga Khorshaen puro-sangue...

Girei a pedra na mão e tornei a tirar o alfinete e a deixar que se prendesse de novo.

— O problema, criaferro, é que eu me endividei com uma mulher poderosa para comprar este cavalo. Se não o vender bem, ficarei numa situação desesperadora.

Ele balançou a cabeça.

— Por um pedaço de ferro celeste desse tamanho, se você aceitar menos de 18 crimos, estará fazendo um rombo em sua bolsa. Os joalheiros vão querer comprá-lo, ou então gente rica, que o quererá pela novidade — disse, dando um tapinha do lado do nariz. — Mas, se você o levar para a Academia, fará um negócio melhor. Os artífices gostam muito de pedras-luden. Os alquimistas também. Se você encontrar um deles no estado de ânimo certo, poderá conseguir ainda mais.

Era um bom negócio. Monet tinha me ensinado que a pedra-luden era muito valiosa e difícil de achar. Não só por suas propriedades galvânicas, mas também porque era comum pedaços de ferro celeste como aquele terem metais raros misturados com o ferro.

Estendi a mão:

— Estou disposto a fechar o negócio.

Trocamos um aperto de mão solene e, quando o criaferro começou a pegar as rédeas, indaguei:

— E quanto o senhor me dá pelos arreios e pela sela?

Fiquei com um certo receio de que o criaferro se ofendesse com a minha conversa mole, mas, em vez disso, ele me deu um sorriso maroto, com um risinho baixo:

— Está aí um garoto esperto. Gosto do sujeito que não tem medo de insistir para arranjar uma coisinha a mais. E então, do que gostaria? Tenho aqui um lindo cobertor de lã. Ou uma boa corda? — indagou, tirando um rolo dos fardos do burro. — É sempre bom ter um pedaço de corda. Ou então, que tal isto? — Girou o corpo, com uma garrafa nas mãos e uma piscadela para mim. — Tenho um ótimo vinho de frutas de Avana. Posso lhe dar os três pelo arreamento do seu cavalo.

— Um cobertor a mais me seria útil — admiti, mas então me ocorreu outra ideia. — O senhor tem alguma roupa mais ou menos do meu tamanho? Pareço andar estragando um bocado de camisas ultimamente.

O velho pensou um pouco, segurando a corda e a garrafa de vinho, depois deu de ombros e começou a remexer em seus fardos.

— O senhor ouviu alguma coisa sobre um casamento aqui por estas paragens? — perguntei. Os criaferros têm sempre o ouvido atento.

— O casamento dos Mathen? — fez ele, amarrando um dos fardos e começando a remexer em outro. — Lamento dizer-lhe, mas você o perdeu. Foi ontem.

Senti um nó no estômago diante de seu tom displicente. Se tivesse havido um massacre, o criaferro com certeza teria ouvido falar. De repente veio-me a ideia pavorosa de que eu havia me endividado e percorrido metade do caminho até as montanhas empenhado numa busca inútil.

— O senhor compareceu? Aconteceu alguma coisa estranha?

— Pronto, aqui está! — fez o criaferro, virando-se para mim com uma camisa rústica cinzenta, de tecido feito em casa. — Não é fina, receio, mas é nova. Bem, meio nova. — E segurou a camisa diante do meu peito, para avaliar se o tamanho servia.

— E o casamento? — insisti.

— O quê? Ah, não. Não compareci. Mas foi um grande evento, pelo que sei. Era a única filha do Mathen e eles queriam lhe dar um bota-fora em grande estilo. Passaram meses planejando.

— Quer dizer que o senhor não soube de nenhum acontecimento estranho? — perguntei, com um frio desolador na barriga.

Ele deu de ombros, com ar desamparado.

— Como eu disse, não compareci. Estive lá pelos lados da fundição nos últimos dias. — Apontou com a cabeça para o oeste. — Negociando com mineradores e com o pessoal lá de cima do rochedo — explicou, e bateu com o dedo na cabeça, como se tivesse acabado de se recordar de alguma coisa. — Isso me lembra que encontrei um alambiqueiro lá nas montanhas. — Remexeu um pouco mais nos fardos e pegou uma garrafa grossa e achatada: — Se você não liga para vinho, quem sabe uma coisinha mais forte...?

Comecei a abanar a cabeça, mas então me dei conta de que um pouco de conhaque caseiro seria útil para limpar meu ferimento à noite.

— Talvez me interessasse... dependendo da oferta na mesa.

— À um jovem cavalheiro honesto como você — disse ele, com ar magnânimo —, darei o cobertor, as duas garrafas e o rolo de corda.

— O senhor é generoso, criaferro. Mas eu preferiria ficar com a camisa, em vez da corda e do vinho de frutas. Eles não passariam de um peso morto na minha sacola, e terei muita caminhada pela frente.

Sua expressão se fechou um pouco, mas ele deu de ombros.

— À escolha é sua, é claro. Cobertor, camisa, conhaque e três iyanes.

Trocamos um aperto de mão e eu me demorei ajudando-o a carregar Szeth-Khelin, por ter a vaga sensação de havê-lo insultado ao rejeitar sua oferta anterior. Dez minutos depois ele seguia para o leste, enquanto rumei para o norte pelos morros verdejantes, a caminho de Nebron.