CXV. RUGIDO

Mantive-me acordado sobretudo graças a minha força de vontade.

Tivera um dia longo e exaustivo, cavalgando cem quilômetros e andando outros dez. Mas Alys estava ferida e precisava mais do sono. Além disso, eu queria ficar de olho em qualquer outro sinal de luz escura no norte.

Não houve nenhum.

Alimentei o fogo e me perguntei vagamente se, na Academia, Alastor e Leif estariam preocupados com meu sumiço repentino. E quanto a Armin, Lal Mirch e Kelvin? Estariam intrigados com o que me acontecera? Eu deveria ter deixado um bilhete...

Não tinha como saber que horas eram, porque as nuvens ainda escondiam as estrelas; mas já havia reatiçado o fogo pelo menos seis ou sete vezes quando vi Alys ficar tensa e acordar de repente. Não deu um pulo, mas prendeu a respiração e vi seus olhos escuros correrem de um lado para outro, transtornados, como se ela não soubesse onde estava.

— Desculpe-me — disse eu, principalmente para lhe dar alguma coisa conhecida em que se concentrar. — Acordei você?

Ela relaxou e se sentou.

— Não, eu... não. Não mesmo. Eu já dei minha dormida da vez. Quer dar a sua agora? — perguntou. Esfregou os olhos e me espiou por cima do fogo. — Pergunta boba. Você está com uma cara horrível — disse. Começou a tirar o cobertor. — Tome...

Fiz que não.

— Fique com ele. A capa é suficiente para mim — respondi. Suspendi o capuz e me deitei na grama.

— Quanto cavalheirismo! — brincou ela, enrolando o cobertor nos ombros.

Apoiei a cabeça num braço e, enquanto tentava pensar numa resposta inteligente, peguei no sono.

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Despertei de um sonho obscuro, no qual andava numa rua movimentada, e deparei com o rosto de Alys acima do meu, rosado e delineado em sombras pela luz da fogueira. Pensando bem, era um modo muito agradável de acordar.

Já ia dizendo alguma coisa nesse sentido quando ela pôs um dedo em meus lábios, perturbando-me de umas quarenta maneiras diferentes.

— Quieto — disse, baixinho. — Escute.

Sentei-me.

— Ouviu? — perguntou, passado um momento.

Inclinei a cabeça:

— Só o vento...

Ela abanou a cabeça e me interrompeu com um gesto:

— Escute!

Dessa vez eu ouvi.

A princípio, achei que fossem pedras remexidas deslizando pela encosta; mas não, o som não se desfez ao longe, como aconteceria nesse caso. Era mais como se alguma coisa estivesse sendo arrastada morro acima.

Levantei-me e olhei em volta. Enquanto eu dormia, as nuvens tinham sido levadas pelo vento e agora o luar iluminava a zona rural circundante com um pálido brilho prateado. Nossa larga fogueira cercada de pedras estava cheia até a borda de brasas reluzentes.

Nesse momento, não muito abaixo na encosta, ouvi...

Dizer que ouvi um galho quebrar seria enganoso. Quando uma pessoa quebra um galho ao andar pela floresta, isso produz um estalido curto e seco, porque qualquer galho acidentalmente partido por um homem é pequeno e se quebra com rapidez.

O que ouvi não foi o estalar de um graveto. Foi um estalejar comprido, o som produzido por um galho da grossura de uma perna ao ser arrancado de uma árvore: kriikkerrrkakrraakkk.

E então, ao me virar para Alys, ouvi o outro barulho.

Como posso descrevê-lo?

Quando eu era pequeno, mamãe me levara para ver uma coleção de animais em Senar. Tinha sido a única vez que eu vira um leão e ouvira o seu rugido. As outras crianças do grupo tinham se assustado, mas eu rira, encantado. O som fora tão grave e profundo que eu o havia sentido ribombar no peito. Tinha adorado aquela sensação e ainda me lembrava dela.

O som que ouvi no morro perto de Nebron não foi o rugido de um leão, mas me trouxe a mesma sensação no peito. Foi um grunhido mais grave que o rugir do leão. Mais próximo do som de trovoadas ao longe.

Outro galho quebrou quase no cume do morro. Olhei nessa direção e vi uma silhueta enorme tenuemente delineada pela luz da fogueira. Senti o chão estremecer de leve sob os pés. Alys virou-se para mim com os olhos arregalados de pânico.

Segurei-a pelo braço e corri para o lado oposto do morro. A princípio, ela me acompanhou, depois fincou os pés no chão ao ver para onde eu ia.

— Não seja idiota — sibilou. — Vamos quebrar o pescoço se descermos correndo por aí, no escuro — advertiu. Olhou em volta, aflita, depois ergueu os olhos para os monólitos cinzentos próximos de nós: — Ponha-me lá em cima que depois eu puxo você.

Trancei os dedos para formar um degrau. Alys apoiou o pé, e dei um impulso tão forte que por pouco não a lancei para o alto, mas ela agarrou a borda da pedra. Esperei um breve instante enquanto ela suspendia a perna e, em seguida, joguei o saco de viagem no ombro e escalei com mãos e pés a lateral da pedra imensa.

Melhor dizendo, tentei escalar a lateral. A pedra fora alisada por séculos de exposição às variações do clima e não tinha nenhum ressalto para contar a história. Escorreguei para o chão, com as mãos buscando apoio inutilmente.

Corri para o outro lado, trepei numa das pedras mais baixas e dei outro pulo.

Bati com força com toda a frente do corpo, o que me tirou o fôlego e arrebentou meu joelho. Minhas mãos se agarraram ao topo do arco, mas eu não conseguia encontrar um ponto de apoio...

Alys me segurou.

Se isso fosse uma balada heroica, eu lhe diria que ela pegou minha mão com firmeza e me puxou para a segurança. Mas a verdade é que ela agarrou minha camisa com uma das mãos enquanto a outra apertava meu cabelo no punho cerrado. Laçou-me com força e me impediu de cair por tempo suficiente para eu encontrar um apoio e, aos trancos, subir para o alto da pedra, a seu lado.

Deitados lá, arfantes, espiamos por cima da borda. No alto do morro, a forma obscura começou a se deslocar para o círculo de luz da fogueira. Meio escondida nas sombras, parecia maior do que qualquer animal que eu já tivesse visto, grande como uma carroça de carga.

Era preta e tinha o corpo maciço de um touro. Chegou mais perto, movendo-se com um arrastar estranho, não como um boi ou um cavalo. O vento atiçou o fogo e o fez soltar labaredas, e vi que a coisa deslocava o corpo enorme rente ao chão, com as pernas para os lados, feito um lagarto.

Quando se aproximou mais da luz, a constatação foi inevitável: era um lagarto imenso. Não era comprido como uma cobra, mas atarracado feito um tijolo de lava, e o pescoço grosso se fundia com uma cabeça do formato de uma enorme cunha achatada.

Ele cobriu metade da distância do topo do morro até nossa fogueira num único impulso espasmódico e veloz. Tornou a grunhir como o ribombar grave de um trovão, cujo tremor senti no peito.

Ao chegar mais perto, passou pelo outro monólito cinzento deitado no chão e percebi que meus olhos não estavam me pregando peças. A coisa era maior do que o monólito. Uns dois metros de altura nos ombros, quase cinco de comprimento. Grande como uma carroça. Maciço como 12 bois amarrados juntos.

Deslocou a cabeçona para a frente e para trás, abrindo e fechando a boca enorme, como se provasse o ar...

Depois veio a explosão de chama negra.

A luz repentina foi ofuscante e ouvi Alys gritar a meu lado. Abaixei a cabeça e senti a onda de calor passar por cima de nós.

Esfregando os olhos, tornei a olhar para baixo e vi a coisa chegar mais perto da fogueira. Era negra, cheia de escamas, imensa. Tornou a grunhir feito o trovão, depois balançou a cabeça e soltou outra enorme golfada de fogo escuro e ondulante.

Era um dragão.