Estava próximo do aniversário delas. As gêmeas completariam sete anos, e Chupaku estava muito empolgada. Ela adorava festas, estar entre as pessoas e, claro, comer. Sempre abraçava sua mãe e não perdia a oportunidade de subir nas costas do pai. Apesar de serem gêmeas, as diferenças entre elas eram bem perceptíveis. Chupaku estava sempre sorrindo, enquanto Nôkú tinha uma postura mais reservada e gostava de fazer as coisas sozinha. Frequentemente, Chupaku insistia para que Nôkú brincasse com ela, mas acabavam brigando porque Nôkú preferia ficar quieta.
Nôkú tinha uma curiosidade imensa e, desde cedo, dominou a magia. Ela acompanhava o pai no trabalho de forja, observando-o atentamente. Já Chupaku preferia ficar ao lado da mãe. Próximo ao aniversário, Nôkú começou a ter dores de cabeça e pesadelos constantes, algo que assustava Chupaku, que sempre dormia abraçada com a irmã. Chegou a um ponto em que Chupaku passou a ter medo de deitar ao lado dela.
A mudança em Nôkú era visível. O ancião acreditava que os sintomas fossem sequelas da retirada dos R.Us no passado, mas Chupaku estava bem e não apresentava sinais de problemas. Apesar disso, ela começou a se sentir sozinha.
Chupaku logo aprendeu sua primeira magia, relacionada a flocos de neve. Com o tempo, ela conseguiu criar bonecos de neve, o que atraiu as crianças do vilarejo para brincar com ela. Nôkú, porém, não achava graça e nem fazia questão de se aproximar. Diferente de Chupaku, que tinha magia de gelo, Nôkú dominava magia de vento.
Após o aniversário, os pesadelos de Nôkú pararam, mas, em vez disso, ela começou a rir sozinha. Chupaku notava que a irmã agia como uma criança muito mais velha. Certo dia, Chupaku entrou correndo em casa, animada:
— Mamãe, mamãe! Venha ver!
Ela puxou a mãe pela saia, tirando-a de seus afazeres na cozinha. Era primavera, a neve começava a derreter, e o clima estava agradável. Ao sair, a mãe notou algo estranho: uma área específica ainda estava coberta por neve. Ali, debaixo de uma árvore, um R.U branco e gordinho rolava na neve.
— De quem é esse R.U? — perguntou a mãe, assustada, pois ninguém do clã tinha um R.U daquele.
— Eu estava brincando sozinha e me senti só, então ele apareceu pra brincar comigo! — respondeu Chupaku, sem imaginar que aquele R.U era dela.
— Não pode ser...
Assustada, a mãe de Chupaku chamou o pai e o ancião. Após analisarem a situação, confirmaram que o R.U realmente pertencia a Chupaku. Verificaram Nôkú também, mas não encontraram sinais de que ela poderia invocar um R.U.
— É impossível! Tínhamos certeza de que limpamos toda a mana delas durante o ritual. Não deveria sobrar nenhum R.U! — declarou o ancião.
Apesar do susto, o R.U de Chupaku parecia inofensivo. Alguns testes foram feitos, e, ao perceberem que não havia perigo imediato, permitiram que ela mantivesse o companheiro. Chupaku finalmente tinha alguém para brincar, mas Nôkú, indiferente, apenas a parabenizou pelo desenvolvimento.
Era quase pôr do sol, e Nôkú estava na encosta das montanhas com o pai. Ela gostava de ficar observando o horizonte, onde a neve não alcançava, e as árvores balançavam ao vento. O pai, preocupado, notava o comportamento introspectivo da filha mais velha.
— O que há com você, Nôkú? Está tão distante ultimamente. — perguntou ele, colocando a mão no ombro dela.
— Pai, você já sentiu... como se não pertencesse a este lugar? — disse Nôkú, sem desviar os olhos do horizonte.
Ele suspirou profundamente.
— Muitas vezes, minha filha. Ser exilado é carregar esse sentimento todos os dias. Mas este é nosso lar agora, e você tem uma família que te ama.
Ela ficou em silêncio, apenas apertando os punhos.
Enquanto isso, Chupaku estava no vilarejo brincando com as crianças e o pequeno R.U branco que havia invocado. Ele rolava pela neve, divertindo as outras crianças, mas era evidente que Chupaku não gostava quando outras pessoas tentavam se aproximar muito dele.
— Ele é meu amigo! Só meu! — ela dizia, afastando qualquer um que tentasse abraçar o R.U.
— Chupaku, você é muito ciumenta! — reclamava uma das crianças.
Ela inflava as bochechas em sinal de teimosia, mas no fundo, só queria que sua irmã também estivesse ali brincando.
Mesmo com a frieza da irmã, Chupaku gostava de estar perto dela, e as duas ainda dormiam juntas. Então, certa tarde, Nôkú chamou Chupaku para ajudá-la a coletar gravetos na floresta. Enquanto conversavam e se divertiam, Nôkú foi se afastando aos poucos. Chupaku só percebeu quando viu fumaça vindo da aldeia. Desesperada, ela correu de volta, mas encontrou o cesto de gravetos de Nôkú jogado no chão, com marcas de passos indo em direção à aldeia.
Chupaku correu com todas as forças, gritando. Ao se aproximar, viu caos: pessoas gritavam, lutavam e casas pegavam fogo. Chorando, ela se escondeu entre as árvores, observando o horror que tomava conta de seu clã. Magos religiosos, com capuzes que ocultavam suas faces, se moviam com velocidade e matavam sem piedade. Um símbolo desconhecido estampava suas vestes.
Chegando perto de sua casa, Chupaku viu algo que jamais esqueceria: o corpo da mãe estendido no chão, sua cabeça rolando para fora da porta. Um dos magos saía de dentro da casa carregando Nôkú desmaiada no braço direito, como se fosse um fardo. Em sua outra mão, segurava uma faca ritualística curvada.
— Tem certeza que é esta? — perguntou um segundo mago que o seguia.
— Sim, não há dúvidas.
— Mas senti outra com vibração semelhante... Se pegarmos a errada, o ritual falhará.
— Não se preocupe. Já marquei a verdadeira. A outra não chega nem perto.
Chupaku, em desespero, viu três chifres de mana surgirem em sua cabeça: um fino e reto no centro da testa, como o de um unicórnio, e dois curvados nas laterais, como os de um carneiro. Sua emoção explodiu, e sua mana densa se espalhou pelo local, transformando o verão em inverno. Montes foram cobertos de neve por quilômetros.
Os magos tentaram enfrentá-la, mas seu R.U alcançou o terceiro estágio e os esmagou. Chupaku perdeu a consciência. Quando acordou, tudo estava congelado. A neve atingia as janelas das casas, e todos estavam mortos — moradores e invasores.
Sozinha, Chupaku precisou sobreviver por anos, carregando traumas e procurando respostas. Ela se tornou a única sobrevivente do clã, mas sempre se perguntava: será que, naquele surto, também matou os últimos que ainda estavam vivos?