No topo da montanha, com um pequeno galo nas mãos, Joaquim chega ofegante. O vento frio corta sua pele, a noite desce como um cobertor pesado. Ele havia caminhado quase dez quilômetros, e seu corpo clamava por descanso.
À frente, uma caverna escura o chama com sua boca aberta e úmida.
O pequeno galo vira-se em seus braços e sussurra com uma voz estranhamente humana:
— Por aqui, amigo… por aqui.
Joaquim hesita, mas entra.
Lá dentro, o breu é total. Seus olhos se acostumam aos poucos e então… dois olhos gigantes surgem na escuridão, faiscando como brasas. Um galo colossal se revela na penumbra, a crista se movendo como se fosse feita de carne viva.
— Bem-vindo, meu pequeno Joaquim…
Joaquim congela. O pavor paralisa seu corpo. Tudo o que ele quer é fugir.
— Q-quem é você?
— Sou um velho amigo do seu pai… E agora, sou seu amigo também.
O galo abaixa a cabeça, a crista roçando o chão de pedra.
— Chegue mais perto. Quero te enxergar melhor.
Joaquim caminha, as pernas tremendo como vara verde.
— Você foi escolhido para nos proteger.
— Proteger quem? Eu não sou herói. Nem quero ser.
O galo fala com voz grave e firme:
— Proteger do mal… do puro suco da maldade.
Uma pena branca cai do alto da caverna, flutuando lentamente até tocar o chão diante de Joaquim.
— Pegue-a. Coloque em sua testa.
Joaquim obedece, com a mão trêmula. Ao encostar a pena na testa, um clarão invade sua mente.
Ele cai no chão, gritando.
— AAARGH!!
Imagens passam diante de seus olhos: fogo, gritos, crianças queimando, casas em chamas, sufocando em fumaça e terror.
— O que foi isso?! O que eu acabei de ver?!
— Eu vi o inferno?
Ele se arrasta no chão, soluçando.
— Você é o quê? Um demônio?!
— Não. Nem divino, nem infernal. Sou como você… mas também sou o que está em todos os lugares daqui — e em lugar nenhum.
Joaquim se senta, os olhos vermelhos de chorar.
— Isso não faz o menor sentido. Eu tenho onze anos! Dá isso pra alguém mais velho, por favor. Eu tô ficando doido… só pode.
Ele encara o galo gigante, exausto e confuso.
— O que você quer de mim, afinal?
O galo então abre suas asas imensas e fala:
— Quero que evite o que viu. Esse futuro. Você, a partir de agora, é meu protegido.
Ele caminha lentamente pela caverna, seus passos fazendo eco como trovões abafados.
— Uma das minhas crias está perdida. Perto de você. Quando encontrá-la, apenas erga essa pena para a lua… e eu saberei.
Joaquim o encara, incrédulo.
— E se eu não quiser?
O galo vira lentamente os olhos faiscantes para ele.
— Então o que você viu... acontecerá. E não haverá mais ninguém para impedir.