Favor surpresa

Minha mente se imundou de memórias minhas com Anne. Como quando ela me levou pra minha sorveteria favorita quando nosso cachorro morreu, ou na vez que ela convidou todo mundo da minha sala nova pro meu aniversário e, graças a isso, fiz amigos. Outras centenas de momentos assim apareceram desapereceram durante todo o caminho.

Cada lembrança era um arrependimento diferente, mesmo assim eu quem dependia dela e não ela de mim. Não podia me deixar levar por estes sentimentos, todas aquelas mortes, aquelas dores agonizantes, aquele pavor e minha impotência perante tais monstros nunca vão deixar de existir se eu eu continuar vivo.

Uma buzina tocando me levou de volta ao mundo real, olhando para o lado vi um carro parando bruscamente a centímetros de mim.

Ele quase me atropelou, eu quase morri, mas por incrível que pareça o pior não foi isso, foi o simplesmente fato de eu não temer minha morte.

Tinha algum tipo de certeza que sentiria um pouco de medo ou pelo menos um remorso, muito pelo contrário, me senti aliviado.

"Olha por onde anda rapaz!" O motorista gritou furioso.

Envergonhado, saí correndo para o outro lado da rua, a escola estava na minha frente. Essa era a escola onde eu cresci, onde tive meu primeiro amigo e primeira namorada, mas tudo foi em vão.

Agora eu me importava com o portão preto, com o letreiro cinza na entrada dizendo a frase cafona: vivendo e aprendendo. Ou então com a meu nome escrito em um canto da parede da sala, na vez em que eu estava sentado na última carteira.

Passando meus dedos pelas rachaduras que formam letras ouvi uma voz familiar. "William, enlouqueceu de vez? Por que tá encarando a parede?"

Era Josh meu primeiro, mais próximo e melhor amigo. Ele literalmente era o oposto de mim: cabelos castanhos, olhos pretos, atlético e inteligente, o filho dos sonhos.

Enquanto isso eu sou loiro, como olhos verdes e vou bem em história. Um cara bem mediano, se eu não fosse relativamente bonito nem saberiam da minha existência.

Sorrindo respondi educadamente me amigo,"Não enche meu saco às sete da manhã, Josh!"

Josh e eu explodimos em gargalhadas ao mesmo tempo que nos sentávamos para esperar a aula de biologia começar.

***

Foi o dia mais normal da minha vida, eu esperava algo diferente, qualquer coisa, porém nada aconteceu. Dormi na aula de matemática como sempre, fiquei conversando com Josh na aula de química e nem prestei atenção nas outras.

Quando finalmente o sinal tocou todos na sala saíram desesperados para ir em bora, não pude deixar de assimilar isso com uma manada fugindo, o corredor estava vazio em questão de segundos e saída se esvaziando aos poucos.

O caminho da escola até em casa parecia mais lento dessa vez, até mais bonito mesmo em meio de prédios e asfaltos. Isso me deu tempo para refletir que nunca realmente planejei a forma a qual iria morrer, não faço ideia do que seria fácil, rápido e indolor. Remédios? Uma facada no coração? Pular na frente de um ônibus?

Não é como se eu tivesse um manual, não quero morrer gastando dinheiro com remédios e não sei se tenho coragem de pular na frente de um ônibus. Sendo bem sincero comigo mesmo não sei se realmente quero morrer.

Abrindo a porta de madeira branca da minha casa apreciei cada detalhe como se estivesse me despedindo, subi as escadas escadas cinzas e entrei no meu quarto. A única coisa que realmente queria naquele momento era um banho quente.

Entrando no banheiro, tirei meu uniforme preto sólido com listras brancas na calça e fechei a porta do box para ligar o chuveiro.

A água morna escorria pelo meu corpo, relaxando meus músculos e me deixando mais sonolento do que de costume, cada gota caia lentamente, não sabia se era uma alucinação ou o mundo desacelerou.

Seguindo uma gota com olhos direcionei minha mão embaixo dela e, quando ela finalmente encostou o mundo voltou.

Foi rápido, alguns segundos de devaneio, mas que por razões desconhecidas dei muita importância e atenção para uma simples gosta caindo devagar.

Esses pesadelos realmente mexeram comigo, zombei de mim mesmo.

Saí do banho e me troquei, meu pijama já estava na minha cama, uma bermuda e camiseta preta. De repente, sensações estranhas percorreram minha coluna, eram desejos, vontades que me pediam para escrever cartas.

Seguindo esses anseios peguei duas folhas de papel e uma caneta esferográfica preta. Depois de minutos pensando decidi escreveria para as únicas pessoas que realmente se importavam comigo. Minha mãe e meu melhor amigo.

Linhas e linha foram escritas, agradecimentos, lembranças felizes, últimos pedidos e despedidas dormiram completamente as cartas. Palavras cuidadosamente coocadas e virgulas atenciosamente posicionadas preenchiam as frases.

Num passe de mágica, como se soubesse que acabara de terminar a carta a campainha soou.

Saí do meu quarto, desci as escadas e abri a porta, contudo nada na vida havia me preparado para o que eu iria sentir ao ver um estranho.

Um homem envolto de um sobretudo preto, com calça e camiseta pretas, me aguardava na porta. Ele tinha dois metros, quando meu olhar encontrou o dele me deparei com olhos negros, mais escuros que suas roupas, e pupilas brancas que constratavam com seus longos cabelos escuros.

Em algum momento percebi ter ficado quieto por muito tempo porque ele falou com uma hesitação meio forçada. "Você seria o Senhor William?"

Saindo do meu choque pela aparência desse homem respondi apressadamente. "S-sim! Sou eu, e você seria ...?"

"Meu nome é Diogo, porém a maioria das pessoas me chamam de morte."

Morte...? Esse cara veio me chantagear? Talvez me matar... Eu já pretendia morrer, então não faz diferença.

"Eu não vim te chantagear, estou aqui para oferecer um acordo." Diogo pausou, observando se tinha absorvido a informação e logo continuou. "Soube que você, Senhor William, tem desejos suicidas e vim te ajudar a morrer de forma pacífica."

"Como... Esquece, e qual seria esse jeito pacífico de morte pra me oferecer? Esteja ciente que não tenho dinheiro para comprar qualquer coisa."

Tinha muitas perguntas, mas ele provavelmente não me responderia, pensei em afugentá-lo dizendo que não tenho dinheiro, isso deveria ser o jeito mais prático de me livrar dele. Estava errado.

Um sorriso maníaco apareceu em seu rosto e em vez de ficar triste por perder uma venda ele riu.

"Senhor Willian, eu não desejo dinheiro... A única coisa que desejo é um favor seu, nada mais nem nada a menos."

Não conseguia decifrar a expressão de Diogo, mas se ele realmente não quer dinheiro vale a pena tentar, o máximo que pode acontecer é... Minha morte.

"Eu aceito sua proposta, então me diga qual é o favor e farei o mais rápido possível."

"Você saberá quando a hora chegar, por enquanto você só tem que apertar minha mão." Não fazia ideia de quando seria essa horra. Se eu iria morrer como pagaria o favor que devo a ele?

O homem estendeu a mão, sua cara monstrava que ele tinha plena confiança sobre a barganha, parecia que ele sabia qual seria minha resposta. Relutante, apertei sua mão, não senti nada.

Eu pisquei e simplesmente não via, ouvia ou sentia nada, estava coberto por um breu. O homem já não estava mais na minha frente, o sol não estava mais entrando pela janela.

Eu fiquei lá flutuando no escuro, sem nenhum som, gosto ou qualquer coisa a vista.

Se passaram horas, talvez dias não estava dormindo, muito menos acordado. Não até que uma tela preta com letras brancas apareceu na minha frente.

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Mensagem:

O profeta morreu. Iniciando processo de reencarnação.

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Profeta...?