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Eu estava ali, parado, em meio ao silêncio opressor que envolvia a guilda. O impacto dos eventos ainda ressoava na mente de todos ao meu redor. Dragan jazia no chão, sua perna em um ângulo impossível, a mandíbula destroçada e uma poça de sangue se formando lentamente ao redor de seu corpo.
- Victor, o que você fez...? - sussurrou Elara, incrédula, sua voz tremendo de preocupação e choque.
Antes que eu pudesse responder, ouvi passos firmes se aproximando rapidamente. Um homem de aparência imponente, provavelmente o mestre da guilda, entrou no salão. Ele tinha um ar de autoridade, com cabelos grisalhos e uma expressão severa. Seus olhos se fixaram imediatamente em mim.
- O que está acontecendo aqui? - sua voz soou firme e autoritária pelo salão
Elara se aproximou dele, explicando rapidamente a situação. O mestre da guilda olhou para mim com uma mistura de curiosidade e desconfiança.
- Você é Victor, certo? - ele perguntou, seus olhos fixos nos meus.
Assenti, mantendo meu olhar firme.
- Venha comigo - ordenou ele, virando-se e caminhando em direção a uma sala ao fundo do salão.
Segui-o em silêncio, sentindo os olhares de todos os presentes pesarem sobre mim. Ao entrar na sala, o mestre fechou a porta atrás de nós, criando uma sensação de confinamento. Ele se sentou atrás de uma grande mesa de madeira e me indicou uma cadeira à sua frente.
- Sente-se, Victor - disse ele, sua voz mais calma agora, mas ainda com um tom autoritário.
Obedeci, sentando-me na cadeira enquanto ele me observava atentamente.
- Sou Orion, o mestre desta guilda. Fui informado sobre o incidente com Dragan. - Ele fez uma pausa, observando minha reação. - Ele é um aventureiro de classe B, um dos mais fortes daqui. Você, por outro lado, é novo aqui e conseguiu derrotá-lo de maneira impressionante.
Oh, entendi. O que importa é que eu sou mais forte do que ele. Esse cara não está nem um pouco preocupado com Dragan, apenas que ele agora se tornou mais fraco na visão dos outros. É como Lilia me disse, essas pessoas só se importam com poder.
- Ele ultrapassou todos os limites - respondi, tentando manter a calma. - Não foi algo que planejei. Meu corpo simplesmente reagiu.
Orion me estudou por um momento, seus olhos estreitando-se. Eu sabia que um classe B era algo significativo, uma força respeitável. O fato de eu tê-lo derrotado tão facilmente levantava suspeitas, e Orion não parecia disposto a deixar isso passar sem mais explicações.
Ele fez um gesto sutil com a mão sob a mesa, pressionando um botão que acionou um mecanismo oculto. Ouvi um clique quase imperceptível, mas não disse nada, apenas mantive minha expressão neutra. Entendi que ele havia chamado alguém.
Poucos minutos depois, a porta se abriu e um homem esbelto, de aparência calma, entrou na sala. Ele vestia uma armadura leve que permitia facilidade de movimento e carregava uma aura de confiança e destreza. Seus olhos azuis varreram a sala antes de se fixarem em Orion.
- Orion, ouvi uma comoção na guilda e achei melhor verificar - disse o homem, com um tom despreocupado, quase casual. - Parece que temos um problema aqui.
- Ah, Sentil, que bom que apareceu - respondeu Orion, parecendo aliviado com a interrupção. - Este é Victor. Tivemos um incidente com ele e Dragan.
Sentil me olhou por um momento antes de se virar para Orion.
- Dragan... Aquele classe B? - perguntou Sentil, levantando uma sobrancelha. - Isso não é pouca coisa.
- Exatamente, e precisamos esclarecer os fatos - disse Orion. - Sentil, leve Victor sob custódia para um interrogatório. Quero entender melhor o que aconteceu aqui.
Sentil assentiu, fazendo um gesto para que eu o seguisse. Saímos da sala e ele me conduziu para fora da guilda, onde a neve caía como o esperado.
Caminhamos em silêncio por um tempo, até que ele finalmente falou.
- Você derrotou um classe B sozinho. Isso é impressionante - disse Sentil, seu tom cuidadoso e avaliativo. - Mas também levanta muitas perguntas. Quem é você realmente, Victor?
- Só estava tentando fazer meu trabalho - respondi, tentando não revelar muito.
- Bem, vamos ver como isso se desenrola - Sentil parou e se virou para mim, seus olhos azuis fixos nos meus. - Sou um cavaleiro. Preciso garantir que você não representa uma ameaça.
Eu observava Sentil com atenção. Ele disfarçava bem, mas era evidente que ele havia sido chamado por Orion para lidar comigo. Seu comportamento, a maneira como entrou na sala fingindo ignorância…
Mas não sei como isso funciona, talvez a tecnologia desse mundo seja mais avançada do que eu imaginava.
- Não sou uma ameaça, a não ser que eu seja forçado - respondi finalmente. - Só quero encontrar um lugar aqui e ajudar como puder.
Sentil ponderou sobre minhas palavras.
- Muito bem. Vamos para um lugar onde possamos conversar mais a fundo. Preciso entender sua história antes de tomar qualquer decisão.
Com isso, seguimos em direção ao quartel, um dos quartéis para ser mais preciso. Cada bloco do reino possui um quartel para garantir a segurança. Pelo menos Sentil está me ensinando várias coisas.
Entramos em um prédio robusto e seguimos por um corredor estreito até uma sala isolada. O interior era austero, com paredes de pedra e iluminação mágica suave que criava uma atmosfera tensa. Sentil fechou a porta atrás de nós, ativando uma série de runas brilhantes ao longo das paredes que formavam uma barreira mágica ao redor da sala.
- [Victor, ele está colocando uma barreira de bloqueio mágico. Minha habilidade [Ordem Psíquica] vai ficar inutilizável agora. Vou lá para fora ou minha camuflagem vai ser desativada.] - Merlin disse em minha mente, eu apenas fiz um movimento com a cabeça.
- Sente-se, Victor - disse Sentil, indicando uma cadeira no centro da sala.
Obedeci, e ele começou a ajustar alguns dispositivos mágicos na mesa ao lado. As luzes das runas intensificaram-se, estar naquele lugar me deixava muito ansioso, por eu ser uma criatura mágica e ser forçado a ficar em um ambiente que anula magia faz como se minha própria existência estivesse sendo reprimida.
- Agora, vamos descobrir quem você realmente é - murmurou Sentil, seus olhos fixos nos meus.
Logo, os olhos azuis de Sentil ficaram amarelos brilhantes, o que acredito que seja ele usando Avaliação em mim.
Ele estreitou os olhos em surpresa, o brilho desapareceu e ele voltou ao normal.
- Interessante... - ele murmurou, sua voz agora carregada de uma tensão contida. - Um metamorfo. Não é todo dia que encontramos um monstro como você em meio aos humanos.
Minha respiração ficou presa por um momento. Ele havia descoberto. Não que eu não esperasse que isso fosse acontecer, no momento que aquele Dragan caiu no chão, eu sabia que meu disfarce já tinha ido para os ares.
- Agora, diga-me, Victor - disse Sentil, sua voz assumindo um tom intimidante e ameaçador. - Qual o verdadeiro motivo de você estar aqui? E por que um monstro inteligente como você está na cidade de Cirgo?
Eu sabia que este era um momento crítico. Qualquer palavra errada poderia selar meu destino. Encarei Sentil, buscando as palavras certas para convencê-lo de minhas intenções.
- Estou aqui para sobreviver - respondi, mantendo meu olhar firme. - Não tenho intenção de causar problemas. Só quero encontrar um lugar seguro, onde possa me estabelecer, para que no futuro eu consiga me sustentar, talvez em algum outro lugar.
Sentil me observou por um longo momento, avaliando cada nuance de minha expressão, cada inflexão de minha voz.
- Meus dispositivos dizem que você não está mentindo… Mas vamos ver se suas ações correspondem com suas palavras - disse Sentil finalmente, seu tom carregado de ameaça contida. - Por agora, você ficará sob observação. Qualquer deslize e não hesitarei em tomar medidas drásticas.
Ele desativou o dispositivo mágico, e a pressão da barreira diminuiu ligeiramente. Sentil ainda parecia desconfiado, mas eu não o culpava por isso.
- Então, basicamente...?- perguntei, tentando entender a situação.
- Tenho um trabalho pra você, metamorfo. Eu não posso só confiar em você cegamente, então se o fizer, aceitarei que o que diz é de fato verdade - respondeu Sentil, sua expressão dura suavizando-se um pouco. - Mas saiba que estará sob minha constante vigilância.
- E sobre a família que me acolheu? Você vai contar a eles sobre a minha natureza? - perguntei, preocupado.
Julgando que provavelmente Sentil deve saber, ou ter pelo menos uma ideia de que alguém me ajudou a entrar, eu fiz essa pergunta, era algo que passou incessantemente na minha mente por todo esse tempo.
- Não, desde que você prove seu valor e não cause problemas, eles não precisam saber de nada - disse ele, sua voz firme. - Mas se você mostrar qualquer sinal de traição, a situação mudará rapidamente.
Senti um alívio imediato, uma carga pesada sendo retirada de meus ombros. Saber que Eliza, Thom e Lilia não estariam envolvidos foi um consolo.
- Parece que você se importa muito com esses humanos - Sentil comentou, sua voz carregada de curiosidade. - Por quê?
- Eles me ajudaram - respondi sinceramente. - Só isso.
Sentil me estudou por um momento antes de continuar.
- Bem, há algo que preciso que você faça - disse ele, mudando de assunto. - Nos últimos dias, temos enfrentado ataques constantes de monstros. Homens de neve, golens de gelo, lobos e outros seres têm atacado a cidade, e nossas defesas estão enfraquecendo rapidamente.
Então ele começou a me dar os detalhes da situação, aparentemente as coisas estão se complicando muito, rotas comerciais estão ficando perigosas e, com isso, até mesmo os alimentos estão acabando, pois muitos são importados de outras regiões, Cirgo não é um bom lugar para cultivo de alimentos.
Eu já havia ouvido falar desses ataques, mas agora os detalhes eram mais perturbadores. Sentil explicou como as defesas da cidade estavam se deteriorando, com mais monstros aparecendo a cada dia. A situação era crítica, eu não esperava que fosse tão ruim assim.
- Então, você tem uma suspeita de que esses monstros não estão agindo de forma natural e quer que eu investigue? - perguntei, tentando juntar as peças.
- Exatamente. Você andará comigo agora, ajudando a descobrir a fonte desses monstros e a proteger a cidade - disse Sentil, sua voz carregada de determinação. - Considerando sua força, você pode ser um grande trunfo.
Sentil levantou-se, indicando que nossa conversa estava chegando ao fim.
- Vamos. - disse ele, abrindo a porta e gesticulando para que eu o seguisse.
Saímos da sala e voltamos para o frio cortante de Cirgo. Sentil caminhava com confiança, seus olhos atentos a cada detalhe ao nosso redor.
Enquanto andávamos pelas ruas, o silêncio entre nós era quase palpável. Eu sabia que ele ainda me observava, procurando qualquer sinal. Mas também havia uma curiosidade genuína em seus olhos, uma vontade de entender mais sobre quem eu realmente era, talvez...
Chegamos na área de comércio, onde estava verdadeiramente cheia. Sentil parou e virou para mim.
- Por enquanto, quero que você fique por perto. Eu estarei vigiando você de longe - disse ele, sua voz firme. - Não tente nada suspeito, ou haverá consequências.
Eu assenti, compreendendo a gravidade da situação. Sentil deu um leve aceno de cabeça e, num piscar de olhos, desapareceu na multidão. Era impressionante como ele conseguia se mover tão discretamente, quase como se fosse uma sombra.
Ele não era apenas um cavaleiro habilidoso; ele era astuto e calculista. Com um suspiro profundo, comecei a caminhar pela cidade.
— [Isso foi melhor do que eu imaginei, acha mesmo que estamos bem?] — Merlin perguntou em minha mente
— Acho que sim, bom, se conseguirmos ter uma boa imagem com o príncipe do reino, já é uma grande coisa.
— [Você espera que ele te pague, não é?]
— Claro. Merlin, eu estou com uma dúvida faz um tempinho, eu sei o que você tá querendo saber, e falo pra te responder… Você não consegue ler mentes, não? — Eu estava verdadeiramente curioso, para os outros parecia que eu estava falando sozinho e isso me incomodava.
— [Ah não, eu só consigo ordenar alguém a fazer alguma coisa, não se aplica a mim. Então eu apenas ordeno que sua alma saiba o que estou dizendo.]
É assim que funciona?!
Já era começo de tarde, então decidi caminhar mais um pouco. Foi então que encontrei algo… ou melhor, alguém.
Era uma área mais aberta, um tipo de "parquinho" improvisado onde as crianças brincavam com a neve. No meio delas, Lilia estava lá.
Mas algo estava errado.
Alguns garotos mais velhos seguravam a touca dela no alto, rindo enquanto ela pulava tentando pegá-la de volta. Pela expressão de Lilia ela não estava achando a menor graça naquilo.
Lá vamos nós…
Antes que a cena se prolongasse, simplesmente me aproximei e, num instante, peguei a touca de volta e a entreguei para Lilia.
— Aqui.
Ela arregalou os olhos e segurou a touca com cuidado.
— Obrigada…
— Hein?! — Um dos garotos exclamou, confuso.
— Ei! Quem você pensa que é?! — O maior deles me agarrou pelo ombro, me virando para encará-lo.
Ele é maior que eu… Tentar intimidar não vai funcionar desse jeito…Mas palavras podem funcionar!
— Não, não. Quem você pensa que é, pra ficar pegando as coisas dos outros? Ela é muito mais nova que vocês. Você não tem nenhum orgulho como homem?
Os outros garotos engasgaram com a minha fala.
— Iihhh! Ele tá te humilhando!
— Disse que você não é homem!
— Nossa, não deixava!
Esses caras…
O garoto cerrou os dentes e, sem aviso, lançou um soco direto no meu rosto.
O impacto veio seco… mas eu nem me mexi.
Já ele…
O menino caiu de joelhos, segurando a mão e se contorcendo de dor.
— Aaaahhh! Minha mão!
Seus olhos se encheram de lágrimas e, em um segundo, ele já estava correndo.
— Você vai ver só! Eu vou contar tudo pro meu pai!
— Você vai ver só! Ele vai contar tudo pro pai dele!
— É!!!
Os outros saíram disparados atrás dele, tropeçando na neve e gritando pelo caminho.
Eu fiquei ali, parado, apenas coçando a nuca e suspirando.
— Que grupinho estranho…
De repente, senti um puxão na minha roupa.
Lilia estava ao meu lado, segurando minha blusa com uma das mãos, enquanto na outra ainda segurava sua touca.
Eu me agachei e, com cuidado, ajeitei a touca em sua cabeça até que cobrisse as suas orelhas. Ela ficou quieta, observando meus movimentos.
— Pronto. Assim você não passa frio.
Ela piscou algumas vezes e, então, abriu um pequeno sorriso.
— Vamos pra casa?
Lilia assentiu, segurando minha manga enquanto começávamos a caminhar.
Ao chegar em casa, percebi que estava estranhamente silenciosa. Entrei devagar, chamando por Eliza e Thom, mas ninguém respondeu.
- Lilia, pra onde eles foram? - perguntei, entrando na sala.
- A mãe e o pai saíram para resolver algumas coisas, eu não gosto de ficar sozinha então sai um pouco… A-ah! Como foi o trabalho? — ela se sentou nos sofá
Sentei-me ao lado dela, notando que ela puxou um caderno que estava escondido no sofá o caderno estava cheio de desenhos e anotações. Alguns eram sobre aventuras, outros sobre lugares que ela queria visitar.
- Foi bem agitado - respondi, tentando aliviar o clima.
Lilia franziu a testa, apontando para o sangue respingado na minha roupa.
- O que é isso? Você se machucou?
- Oh! É... Eu me cortei - respondi rapidamente, tentando esconder a marca e mudar de assunto. - Mas então, o que são esses desenhos?
- Só algumas coisas que eu imagino - respondeu Lilia, mostrando-me um desenho de uma praia. - Sempre quis ver o mar, mas nunca tive a chance. Ah! Isso também! Um festival de verão!
Sorri, ao ver a simplicidade de seus sonhos. Era um contraste marcante com a brutalidade do mundo lá fora.
- O mar, hein? - murmurei, observando seus desenhos. - Nunca fui a um festival de verão, mas parece divertido.
Lilia olhou para mim com admiração. Parecia que cada palavra minha a deixava mais confortável. Ela começou a falar animadamente sobre todas as coisas que gostaria de fazer um dia, e eu a ouvia com atenção, apreciando o brilho em seus olhos.
Enquanto conversávamos, Merlin se comunicou comigo.
- [Victor, você precisa ficar atento. Sentil está te vigiando algumas ruas daqui. Fique alerta.]
Assenti levemente, tentando não demonstrar nada a Lilia. Saber que Sentil estava por perto, mantendo um olho em mim, não era surpresa. Mas esse cara tem um olho muito bom, ele não estava brincando quando disse que iria me vigiar.
- Então, vou sair hoje à noite, viu? Não adianta me procurar. Mas até lá, posso desenhar com você um pouquinho? - sugeri, tentando mudar de assunto para algo mais leve.
Lilia abriu um sorriso alegre e concordou. Passei o tempo desenhando com ela, apreciando a simplicidade do momento, meus desenhos nunca foram dos melhores, mas eu estava me divertindo.
- Você é realmente bom nisso - disse Lilia, olhando para o desenho que eu havia feito de um dragão vermelho ao lado do seu desenho de um castelo.
Que alma mais pura, mentindo pra me fazer sentir melhor!
- Obrigado. Desenhar é uma forma de acalmar a mente, acho - respondi, sorrindo.
- Nos livros, dizem que dragões são criaturas divinas, que eles reinam além do céu. Ah! Você já viu um?
Eu fiquei um pouco surpreso com tanto entusiasmo. Mas tentei dar uma resposta sutil.
- Um dragão... Não... Ah! Mas já vi um dragão vermelho uma vez. - eu disse orgulhoso
- Sério?!
Foi em uma capa de livro...
A porta se abriu e Eliza e Thom voltaram para casa. Eliza olhou para nós com um sorriso caloroso.
- Parece que vocês se divertiram - disse Eliza, tirando o casaco e se aproximando.
- Sim! Victor é ótimo em desenhar - exclamou Lilia, mostrando os desenhos para Eliza.
Que vergonha! Vão ver que meus desenhos são horríveis!!
Thom assentiu, parecendo satisfeito com a cena. Eu os cumprimentei e subi para meu quarto.
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Eu me deitei na cama e suspirei enquanto olhava para a minha roupa que agora estava meio suja.
Vou lavar isso...
Merlin desfez a camuflagem, flutuando ao meu lado com seus balões de fala surgindo.
- [Parece que Sentil foi embora. Que curioso.]
- Bom, acho que ele viu que eu não vou fazer nada aqui dentro... Parece que ele confia um pouquinho em mim - respondi um pouco mais contente.
- [Deve ser o caso! Mas ei, o que foi aquilo na guilda? Eu sei que você estava muito irritado, mas parecia estar sob controle.]
Eu não sabia como dizer isso, era algo difícil até mesmo para mim explicar. Minhas emoções estavam confusas, um turbilhão de sentimentos contraditórios.
- Eu fiquei irritado quando ele falou da minha mãe… - admiti, sentindo um nó se formar na garganta.
- [Certo... Ah! Sobre aquele cara, Dragan, ele está sendo curado agora, mas o mestre da guilda disse que o que você fez não é um problema.] - disse Merlin, mudando de assunto para não me pressionar demais.
- Ele disse isso? - perguntei, surpreso. O alívio começou a substituir a tensão em meus ombros.
- [Sim, eu fui visitá-lo em segredo. Aparentemente, o que ele diz é lei, então, se nada está errado, nada está errado. Então você não precisa se preocupar, só tome mais cuidado da próxima vez, tá bom?] - Ela exibiu um balão de fala com um emoji sorridente, o que me fez sorrir levemente.
- Certo. Tô mais feliz agora, por estar conversando com você assim de novo. Você estava muito calada o dia inteiro - admiti, sentindo uma conexão sincera se formando.
- [Você sentiu minha falta?]
- Senti sim. É meio vergonhoso, mas... Acho que você é a pessoa que eu mais me conectei até agora. Mesmo que você não fale muito de si mesma - confessei.
- [Eu não saberia dizer, na verdade, eu não lembro do meu passado, hehe... Mas! Estou muito feliz, de ter você como amigo agora, é melhor do que ficar sozinha naquela mansão.]
Parece que você também tem seus problemas... Mesmo agindo de uma forma tão descontraída...
Eu a observei flutuar, percebendo que, apesar de sua natureza alegre e brincalhona, havia uma profundidade nela que eu ainda não compreendia completamente.
- Ei, Merlin. Quando saímos daqui e conseguimos um lugar legal, o que acha da gente ir atrás do seu passado? - perguntei, sentindo uma expectativa. Queria retribuir de alguma forma o apoio que ela me dava.
- [Sério?! Você faria isso por mim?!] - ela rodopiou, um balão de fala cheio de alegria pura surgindo, com muitos emojis de surpresa.
- Claro! Mas antes, precisamos resolver as coisas aqui, então vamos resolver rápido, certo?
- [Certo!] - ela respondeu, com um entusiasmo renovado.
Eu queria conhecer esse espírito melhor, mas não quero forçar nada. Por hora, vou apenas deixar o tempo nos levar.
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Naquele momento, em uma sala escura, figuras encapuzadas se reuniam ao redor de uma mesa cumprida iluminada apenas por velas, com sete cadeiras. O ambiente era sombrio e o ar parecia pesado, carregado de uma tensão palpável.
O líder da reunião estava sentado na cabeceira da mesa, observando atentamente cada um dos presentes. Ao seu lado, uma figura encapuzada de branco, cuja presença emanava uma aura de autoridade e mistério, permanecia em silêncio.
- Temos que agir com precisão. - disse o líder, sua voz firme cortando o silêncio. - A princesa Serena é a chave para o nosso plano. Precisamos garantir que a distração com os monstros mantenha a cidade ocupada enquanto executamos nossa verdadeira missão.
A figura encapuzada de branco, chamada de "O 5º", cujas mãos enrugadas emergiram das mangas, assentiu lentamente.
- Os monstros continuarão seus ataques. Isso garantirá que a atenção da cidade e da guilda esteja desviada. - murmurou ele, sua voz sussurrante ecoando pelo salão. - E quando o momento for certo, tomaremos o poder.
O líder olhou para os membros presentes, alguns dos quais estavam cientes do verdadeiro plano.
- Lembrem-se, a princesa deve ser eliminada sem falhas. O poder dela é essencial para nossos objetivos. Se perdermos essa oportunidade, tudo será mais complicado.
Um dos membros, um homem robusto com uma cicatriz no rosto, deu um passo à frente.
- E o monstro disfarçado? - perguntou ele, referindo-se a Victor. - Ele pode se tornar um problema?
O 5º levantou a mão, silenciando a sala.
- Victor. - disse ele, sua voz carregada de uma calma perigosa. - Ele já está sendo observado desde o momento que entrou na cidade. Ele não parece ser um problema, levando em conta como está agindo.
O líder ponderou por um momento antes de responder.
- O cavaleiro Sentil acredita que pode controlá-lo. - disse ele finalmente, um sorriso frio surgindo em seus lábios. - Mas se ele se tornar uma ameaça, será eliminado.
O 5º olhou ao redor da sala e suspirou, parecia estar cansado.
- O tempo está se esgotando. Preparem-se. A hora de agir está próxima. Lembrem-se de não dar na vista.
O líder permaneceu por um momento, olhando para o 5º ao seu lado.
- Confio que sua sabedoria nos guiará, mestre. - disse o líder, sua voz baixa e respeitosa.
Antes da reunião se encerrar, uma figura feminina ergueu a mão, sua expressão séria e inquisitiva.
- Eu gostaria de perguntar sobre o artefato dos Gejer.
Os olhares se voltaram para ela, e o líder da reunião assentiu, logo respondendo.
- Ele ainda está bem escondido, nenhum reino conseguiu encontrá-lo ainda. Por isso, após a conquista de Cirgo, vamos buscar expandir nosso reino, "ajudando" em pequenas vilas isoladas- respondeu o líder, sua voz calma mas carregada de autoridade.
O 5º, encapuzado e observador, permaneceu em silêncio por um momento antes de intervir.
- A questão do artefato é de suma importância, mas não podemos esquecer da atual situação econômica de Cirgo. - disse ele, sua voz ressoando pela sala. - Cirgo é um reino pequeno e isolado, e sua economia depende quase exclusivamente da fabricação de poções e roupas. Com os ataques de monstros aumentando, as rotas comerciais estão se tornando cada vez mais perigosas. Comerciantes enfrentam grandes riscos, o que está afetando severamente o fluxo de mercadorias e a estabilidade financeira do reino.
Uma mulher idosa, com um ar de sabedoria, interveio.
- Os grandes reinos estão gastando uma fortuna em busca do artefato dos Gejer. Eles estão desesperados para obter qualquer vantagem que possam, e isso está drenando seus recursos. Entretanto, Cirgo está ficando sem compradores para suas mercadorias, agravando ainda mais sua crise econômica. Precisamos considerar o impacto disso em nossa estratégia.
O líder da reunião franziu a testa, ponderando as palavras dela.
- Precisamos manter Cirgo sob pressão para facilitar nossa eventual conquista. Mas ao mesmo tempo, devemos evitar que a economia colapse completamente antes que possamos intervir. - ele olhou ao redor da sala, buscando consenso. - A intensificação dos ataques de monstros já está criando o caos necessário. Precisamos garantir que esses ataques continuem, mas também que algumas rotas comerciais permaneçam funcionais, para manter a aparência de normalidade.
O 5º assentiu, um leve sorriso em seus lábios.
- Exato. Precisamos de um equilíbrio delicado. Manter a tensão alta, mas não ao ponto de quebrar completamente o reino antes do tempo. - ele pausou, seus olhos brilhando sob o capuz. - E quanto aos reinos maiores, podemos explorar sua obsessão pelo artefato. Enviar informações falsas, direcionar suas buscas para áreas inócuas, tudo para mantê-los ocupados e gastar ainda mais recursos.
A figura feminina que iniciou a discussão voltou a falar.
- Mas sobre o novo elemento na cidade? O homem chamado Victor. - disse ela, um tom de cautela em sua voz. - Não sabemos muito sobre ele, o tratar como um perigo controlado pode ser um erro, não concorda?
O 5º, até então observador, inclinou-se levemente para frente.
- Estamos monitorando Victor de perto. - disse ele, suas palavras calculadas. - Ele é um fator desconhecido, mas estamos preparados para lidar com qualquer eventualidade. Sua presença na cidade pode ser um obstáculo, mas está tudo bem.
O líder da reunião fechou os olhos por um momento, ponderando a situação.
- Continuaremos com nosso plano. - disse ele, finalmente. - Manteremos a pressão econômica e os ataques de monstros. E quando o momento certo chegar, eliminaremos a princesa Serena e tomaremos o controle de Cirgo. Até lá, vigiaremos de perto qualquer ameaça potencial, incluindo Victor, além disso, caso ele se torne uma ameaça, temos um Gorlak ao nosso comando.
A figura feminina interveio novamente, sua voz baixa mas determinada.
- E quanto ao restante da família real? O rei e Sentil também possuem influência significativa. Sua sobrevivência poderia complicar nossos planos.
O 5º respondeu com um tom frio.
- A família real inteira precisa ser eliminada. Apenas com a morte de todos eles, incluindo o rei e Sentil, poderemos garantir que não haja resistência ao nosso controle. - ele fez uma pausa, deixando suas palavras ecoarem pela sala. - Após isso, introduziremos um "terceiro" salvador, alguém que possa ganhar a confiança do povo e assumir o poder de maneira que pareça natural e legítima. Nossa ascensão deve parecer uma salvação, não uma conquista.
O 5° olhou para o líder do grupo quando disse isso, indicando quem seria o tal "salvador".
Com isso, a reunião foi encerrada, e os conspiradores se dispersaram. No silêncio que se seguiu, o 5º observou a sala vazia, um sorriso enigmático em seu rosto. Ele sabia que o verdadeiro jogo estava apenas começando.
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