Prelúdio do Desequilíbrio

Durante três dias, uma série de eventos ocorreu em um determinado território. Tempestades agitaram os oceanos, ventos uivantes tomavam contas das florestas, tremores em regiões remotas eram notados.

O monstro de classe primordial [Abyssal Dragon] Syphus havia desaparecido. Selado por aproximadamente quatro séculos.

Aos que tinham noção de sua reputação, seu desaparecimento podia significar seu retorno em algum lugar do mundo, até mesmo teria passado por algum renascimento.

Seria repentino presumir algo mas 10 dias após seu desaparecimento muitos declararam sua presença inexistente, para os humanos, a Igreja Cardial Central declarou oficialmente seu desaparecimento, o que para alguns seriam apenas o prelúdio de uma potencial catástrofe em um território reconhecido.

[...]

Nas fronteiras do reino de Zanath uma reunião acontecia em uma das instalações sedeadas pela guilda.

O Mestre interno da guilda de aventureiros, Framigan demonstrava estar aborrecido.

— Olhe, eu não tenho muito tempo á perder por aqui...já não basta os absurdos proferidos pelo Conde Burmint...

De fato ele tinha motivos para se estressar, apesar de seu cargo ser o de maior responsabilidade na guilda como um todo ele não podia deixar de lado o capricho daqueles que possuem castas mais altas na nobreza.

Do outro lado da sala sentado em uma cadeira mais baixa um anão continuava a leitura de seu livro tranquilamente.

— "A ameaça conhecida como [Abyssal Dragon] Syphus desapareceu, portanto as provisões para atividades religiosas e atividades comissionadas pela guilda devem ser interrompidas" Heh~~ Aposto que os nobres caíram matando em você, mas alguém como Burmint se pronunciar, acredito que ele não será o primeiro e nem o último, fora é claro, seus amados aventureiros .

— Calado Starko'gus, não tenho tempo para suas provocações...

Ao ser provocado pelo outro o homem o responde com certa indelicadeza, por mais sério que fosse á sua resposta o anão apenas sorria e virava seu olhar de volta ao seu livro, por serem companheiros ele compreende o motivo da revolta de seu companheiro de negócios.

De fato ele já sabia, afinal ambos já tinham suas interpretações distintas á respeito desse ocorrido, mas tudo levava apenas á mesma conclusão.

O desaparecimento repentino do [Abyssal Dragon] Syphus surtiu efeitos catastróficos em regiões remotas ao redor de todo o território do qual ele exercia domínio, lendas diziam que quando um celestial vem á perecer ou simplesmente desaparece ninguém saberia, mas haveriam indícios notáveis, muitos questionavam essa ideia por se tratar de uma contradição mas agora não podiam mais duvidar.

Para Framigan não podia ser pior, por ser um membro de alta classe da guilda ter a notícia que uma boa parte dos fundos seriam realocados só eram motivos para fazê-lo arrancar seus cabelos, o mesmo sabia que aquilo influenciaria de maneira negativa dentre os membros da própria guilda, sem falar da situação financeira que poderia mudar por completo.

Quando o mesmo foi notificado por Burmint, um nobre conhecido por possuir terras que fazem fronteira com a Grandiosa Floresta de Langri mas que também possuía um certo grau de amizade com ele rapidamente ele sabia que algumas responsabilidades iriam cair em seus ombros, já que essas mesmas terras são uma das principais linhas de defesa do reino Krygan, local do qual está sedeado á sua guilda.

Ou seja, o desaparecimento do [Abyssal Dragon] Syphus poderia ser interpretado de várias maneiras porém isso não o desbancava já que ele era uma ameaça poderosa, a ideia de que algo ainda maior poderia assumir o poder pairava sob a cabeça de alguns, até mesmo monstros não seriam exceções já que ele mesmo era uma ameaça ainda maior para aqueles que para os humanos pertenciam á sua mesma categoria.

A ameaça que o temido dragão apresentava ter desaparecido não era um motivo de comemoração para muitos, já que foi determinado que a movimentação de monstros foi um dos fatores determinantes para esse evento ter ocorrido.

Embora Krygan estejam melhorando suas defesas por conta da realocação de recursos, outros fatores internos não podiam ser deixados de lado já que para manter a estabilidade de um reino é necessário que uma fonte capital circule em várias áreas, mas com esse corte repentino muitas regras seriam impostas, cortando alguns financiamentos, esses mesmos que acabaram causando indignação á Framigan.

Como ele poderia fazer em relações ás comissões financiadas pela própria guilda? 

Mesmo as comissões particulares criadas por terceiros não seriam o suficiente para suprir a demanda de aventureiros naquela situação, contratar mercenários seriam mais viáveis.

Poderia recorrer ao próprio rei porém isso significaria um pagamento de tributos mais alto quando a situação se estabilizasse, o mesmo não podia se afundar em dívidas, embora fosse um movimento atrelado ao desespero ele tinha a situação sob controle, mas apenas por algum tempo.

Mesmo assim por mais agitado que estivesse ele ainda manteve seu lado racional ativo, Farmingan podia ser temperamental, mas se tratando de questões comerciais e financeiras ligadas á guilda ele não era de se decepcionar.

Pensando nisso, para compreender o cenário atual ele havia solicitado a presença de um velho conhecido.

Starko'gus tinha uma certa fama por uma grande parte dos territórios que pertenciam á Floresta Langri, afinal por ser um anão ele tinha acesso aos dois mundos sem nenhum problema.

Sua raça por mais que estivessem mais próximos aos monstros, diferente de demi-humanos que por sua vez eram a casta mais baixa na sociedade humana e outras raças de renome como elfos os anões tinham uma reputação ambígua em meio ás outras raças sendo então um emissário perfeito para ambos os grupos.

Como não era nenhuma surpresa para Farmigan ele já deveria saber que seu velho companheiro de negócios já saberia desse rumor de antemão.

— Deveria me desculpar por isso, mas se não me engano foi você quem solicitou a minha presença no final das contas, achei que teríamos apenas uma conversa agradável ligado aos negócios como de costume.

Starko'gus demonstrava certa tranquilidade ao responder seu companheiro, o mesmo soltou um longo suspiro afinal ele já sabia a personalidade do mesmo.

— Hmph, apenas adiantei o inevitável, no instante em que você apareceu por aqui eu já sabia que traria notícias, porém foi apenas algo do qual já tínhamos ciência. 

Ao escutar Framigan com certa atenção ele então fechou o seu livro o deixando de lado por completo.

— Então, o que a guilda planeja fazer? 

Ao escutar aquela pergunta Framigan aproveitou para se sentar um pouco, ao invés de se sentar em sua mesa ele optou por se sentar em um dos bancos á frente de Starko'gus.

— Nada em particular, fora elaborar planos emergenciais para a realocação de recursos nenhum problema em específico...pelo menos não que eu saiba.

— Estou surpreso, quer dizer se tratando do Mestre da Guilda achei que você teria uma contramedida.

— E qual contramedida seria necessária? Isso tudo apenas nos leva á uma resposta lógica, o desaparecimento do [Abyssal Dragon] é obviamente um feito dos monstros, apenas agiremos de acordo com a situação.

— Então devo presumir que vocês estão trabalhando com a nobreza para isso?

— Não...eles não querem se envolver financeiramente, já estamos em uma situação complicada por conta disso, eles não vão querer desembolsar de seus recursos para auxiliar algo como a Guilda dos Libertários, por mais que pareça não somos voluntários ou auxiliares da paz, devemos ser pagos de acordo com a comissão.

A afirmação de Framigan fazia sentido para Starko'gus que coçava a sua barba por um momento refletindo brevemente sobre aquela situação.

Por mais que fosse um anão ele sabia que o status quo no que diz respeito á humanidade é algo um tanto previsível.

Se tratando de aventureiros com ligação á guilda, seus trabalhos não eram financeiramente favoráveis ou garantido já que as comissões são relativas, fora os tributos do qual a guilda recebe uma certa parte para manter sua estrutura e a circulação de missões fornecidas para seus membros os pagamentos podem variar, diferente de um funcionário normal como um cozinheiro ou mercador que já tem certa noção de quanto irão lucrar em apenas um dia de serviço, para os aventureiros um único trabalho pode levar muito mais tempo e até mesmo pode gerar gastos próprios para que a sua missão ocorra com êxito.

Por mais que os membros da guilda fossem autônomos podendo realizar qualquer tipo de função da sua preferência eles não possuíam total liberdade sobre algumas de suas escolhas.

Quando se possuí vínculo com a guilda por mais que esteja livre de impostos, você acabaria se tornando um tipo de funcionário esporádico de seu país, sendo assim suas atividades e benefícios em territórios estrangeiros seriam limitadas, mesmo com um visto legalizado pela guilda essa foi uma regra imposta para que não houvessem questões de fraudes e outras ilegalidades ligadas aos seus membros em outros lugares.

Apesar de possuir proteção de seu país e certos direitos dentro dele do qual plebeus e alguns mercadores de classe baixa não possuiriam tão facilmente, muitos acabaram adquirindo certo preconceito com a guilda.

Esse sistema não era exclusivo de Krygan, pelo contrário muitos países vinculados com a humanidade possuíam esse mesmo, porém com certas variações em suas regras dependendo do território em que a guilda se encontra, porém a Guilda dos libertários superou facilmente e se adaptou aos regimes existentes por isso por mais que fossem repudiados eles possuíam certo poder.

Framigan estava familiarizado com aquele conceito, mas para Starko'gus aquilo era um dilema, por ser um anão o estilo de vida em seu país era bem diferente.

— No fim das contas associados em primeiro lugar, achei que se importasse com questões patrióticas, proteger o país e as propriedades de seus cidadãos é um dever básico, apenas supus que vocês fariam algo á respeito, as regras humanas não são tão diferentes das de meu velho país.

— Por falar nisso, já que estava de passagem por aqui, como está a situação do seu lado.

Enfim uma pergunta que de fato merecia certa atenção do sábio anão, embora demonstrasse certo interesse sua expressão branda acabou se tornando séria por um breve momento.

 — Para uma grande estrutura se manter de pé é necessário um alicerce firme, algo que a mantenha no lugar, claro um bom alicerce perdurará por meses, anos, ou quem sabe décadas, mas quando esse alicerce é derrubado, tudo vai á baixo.

Ao escutar mais uma metáfora daquele que estava em sua frente Framigan franze sua testa e esfrega seus olhos.

 — O que estou tentando dizer com essa analogia é, que as coisas aos poucos vão mudar, com o desaparecimento do [Abyssal Dragon] Syphus, um possível conflito territorial será instaurado, meus semelhantes...ou para os humanos nós "monstros" vamos optar pela nossa expansão, claro nem todos são familiarizados com essa ideia mas nós sabemos que há espécies interessantes que apenas estavam no aguardo de uma oportunidade, resolver velhos conflitos baseados em diferenças.

Diferente de Framigan, Starko'gus tinha uma visão um pouco mais abrangente da situação como um todo, o desaparecimento do [Abyssal Dragon] Syphus poderia mudar por completo o equilíbrio de toda aquela região, diferente dos monstros, os humanos tinham seus meios para lidar com essa situação, mas para os monstros segundo o próprio anão seria algo completamente diferente.

Ele sabia que a presença daquele primordial na região era um dos fatores cruciais para manter uma certa ordem na Floresta Langri, ninguém iria querer entrar em um conflito com a chance de provocar a ira daquele feroz dragão, não se sabe ao certo se seu objetivo era manter esse mesmo equilíbrio ou levar tudo ao caos, foi com esse pensamento que os monstros seguiram adiante.

Claro sempre haveriam diferenças entre algumas espécies desse mesmo grupo de indivíduos, por mais que todos se encaixem na categoria de "monstros" sempre haveria motivo para desentendimentos, seja por território, questões raciais ou apenas por instinto selvagem, pouco se sabe á respeito do objetivo dos monstros no geral, mas agora com a ausência de um ser poderoso para manter a ordem não se sabe ao certo como o rumo das coisas será de agora em diante.

 — A sua rainha está ciente disso? - perguntou Framigan -

 — Bem, vossa majestade sempre almejou a expansão para o nosso reino claro com boas intenções, ela não entraria em um conflito indireto sabendo das possíveis baixas, mesmo nós contando com os melhores ferreiros e artesões...pode soar como uma piada mas não é apenas em tamanho que somos menores...

Por mais que a raça dos anões sejam uma das mais menosprezadas por questões de poder ao mesmo tempo não eram de se subestimar, já que dentre suas raças em questões de armamento e outros recursos eram uma das mais evoluídas de maneira tecnológica rivalizando apenas com Yonders, uma espécie de monstro similar á eles, apesar de suas aparências mais primitivas e alturas ainda menores dentre eles possuem uma gama de artesões e construtores, claro por se tratar de uma raça inferior assim como os anões não possuem seu devido reconhecimento dentre ás espécies maiores.

 — Claro nós já somos acostumados á lidar com diversidades, não é atoa que nosso povo foi um dos únicos a se instaurar perfeitamente nas grutas deterioradas do norte, fizemos milagres com aquele lugar, mas deixando os lisonjeio de lado estamos perfeitamente aptos para lidar com o que vem pela frente, então respondendo sua pergunta...por enquanto estamos bem...

Mesmo com uma resposta tão vaga, Framigan a interpretou de sua maneira, por mais que o reino dos anões em comparação ao dos humanos no quesito territorial fosse menor eles não eram uma raça de se subestimar, tiveram que se destacar ao longo de eras para conseguirem seu lugar em meio aos monstros, sendo uma das raças mais civilizadas da mesma espécie, ficando logo atrás dos elfos e humanos.

Por mais que estivesse exausto e de mau humor ele ainda assim precisava daquela conversa com o seu companheiro me busca de um contexto geral para saber a situação dos monstros na Floresta Langri, mas nem mesmo Starko'gus possuí uma resposta á altura, tudo o que ele sabia foi apenas o que havia sido discutido, com o desaparecimento do [Abyssal Dragon] Syphus era incerto o rumo que todos tomariam, expansões territoriais, resoluções de velhos conflitos e possíveis mudanças ambientais eram uma das opções viáveis a serem pensadas naquela hora.

 — Retomando minha analogia, um alicerce fundamental para manter uma enorme estrutura desaparecer assim repentinamente é algo alarmante, em algum momento tudo pode desabar sem mais nem menos...porém nada impede que ele seja substituído.

O velho anão mais uma vez repensa em sua analogia, mesmo sem compreender muito, Framigan conseguiu interpretá-la de uma maneira vaga.

 — Você acha que algo maior pode tomar o poder? Apenas alguém tão poderoso quanto [Abyssal Dragon] Syphus poderia realizar um feito como esse.

 — Você mesmo disse antes que esse evento cataclísmico foi responsabilidade da movimentação dos monstros, o que poderia impedir uma espécie dominante e mais forte de fazer alguma coisa...no entanto para que algo assim fosse feito muitas baixas ocorreriam e obviamente notaríamos traços de uma possível batalha.

 — De fato, muitos monstros acabariam causando um alvoroço, sem falar que um único não seria capaz de dar conta de um primordial, até mesmo naquela era a grande heroína teve dificuldades em lidar com ele.

 — Vocês não estão cientes de alguém do mesmo calibre em sua espécie? 

 — Não, acredito que não há ninguém, desde o último desastre 300 anos atrás invocações são consideradas sacrilégio para a Igreja.

Framigan ficou em silêncio por um momento enquanto pensava em qual resposta dizer, Starko'gus sabia que seu companheiro era péssimo em esconder algum segredo sem demonstrar sinais porém sem demonstrar nenhuma dúvida ele apenas concordava com o que havia escutado.

Mas um fato era consenso entre os dois, dificilmente algum monstro conseguiria dar conta de um primordial sem dar algum sinal, uma presença celestial seria percebida até mesmo para o mais infiel de alguma igreja de um reino humano, uma presença demoníaca faria com que monstros em uma determinada região ficassem em alerta máximo, ambas se tratavam de duas classes superiores que não passariam despercebidas e eram as únicas que poderiam se equiparar com dragões primordiais.

Embora não pudessem chegar á alguma conclusão apenas se acrescentou mais uma possível hipótese para essa crise de eventos, nenhum monstro ou humano pode estar ligado no desaparecimento do [Abyssal Dragon] Syphus o que apenas era mais um motivo para se gerar dúvidas.

— Odeio ser pessimista mas posso lhe confirmar uma coisa velho amigo...tenho um pressentimento de que tudo o que conhecemos aos poucos vai mudar, o desaparecimento do [Abyssal Dragon] Syphus pode ter sido apenas o prelúdio de alguma coisa, mas a questão é...algo bom ou ruim está para acontecer?

Em meio a tensão daquela conversa, Framigan apenas se espreguiça em sua cadeira jogando sua cabeça para trás, após um bom tempo e muitas palavras sendo jogadas á mesa ele apenas podia concluir o que já estava previamente ciente.

— Como sempre você permanece um saco com esses seus dilemas enigmáticos.

— *Sorri* Você me conhece. 

Starko'gus sorria naquele momento mas em sua mente haviam muitos pensamentos á respeito dessa situação, mas tudo estava ligado ao desaparecimento do ser primordial que por eras manteve o equilíbrio naquele lugar, por mais desesperador que fosse a situação e agoniante por não se ter uma resposta para o que pode ou não acontecer a curiosidade tomava conta do velho anão, todos podiam estar desesperados ou em alerta mas tudo o que ele gostaria nesse momento é ver o que vai acontecer dali em diante.

— O que vai fazer Starko'gus?

— *Sorri* Fazer o reconhecimento, afinal essa era a minha antiga função, o pássaro que chega primeiro pega a minhoca estou correto?

— É o que o ditado diz... O verei novamente?

— Quem sabe, já perdi um olho, minha perna não é mais a mesma, quem sabe dessa vez eu volte sem uma das mãos. Mas caso saiba de alguma coisa mais interessante você ficará sabendo.

 — Obrigado. 

O anão se levantou de sua cadeira, com uma saudação característica ele se despede de Framigan que acenou com sua cabeça.

Por mais que fosse uma despedida formal, Framigan tinha noção que não veria seu amigo por um longo tempo, ele aguardaria seu retorno mas com certa relutância já que o mesmo o veria apenas em situações inusitadas assim como foi o caso do desaparecimento do ser primordial.

Continua...