Capítulo 100: Murici
O dia começava a esquentar quando Noah seguiu pelo caminho que levava ao coração do pomar. O cheiro de terra úmida ainda pairava no ar, resquício da chuva da madrugada. As árvores carregadas de frutas formavam um cenário vivo e vibrante, onde os pássaros cantavam entre os galhos. Ele caminhava devagar, atento às nuances daquele lugar que, a cada dia, lhe ensinava algo novo.
Seu destino era um grupo de árvores de médio porte, cujos galhos estavam cheios de pequenos frutos amarelos, exalando um aroma forte e inconfundível. Noah sorriu ao reconhecê-los: muricis. O murici não era uma fruta tão popular quanto as laranjas ou mangas que cresciam ali perto, mas para ele, tinha um significado especial. Seu avô costumava dizer que "quem aprende a gostar de murici, nunca esquece o sabor da terra".
Ele pegou um dos frutos e o levou ao nariz. O cheiro era intenso, quase terroso, uma mistura de doçura e acidez. Noah mordeu a casca fina e sentiu a polpa macia se desfazer na boca. O gosto era forte, ácido e ao mesmo tempo adocicado, com um fundo resinoso que o tornava inconfundível. Era uma daquelas frutas que dividiam opiniões: ou se amava, ou se estranhava.
Murici: História e Tradição
O murici (Byrsonima crassifolia), uma pequena fruta amarela ou avermelhada, é nativo das Américas e amplamente encontrado no Brasil, principalmente no Cerrado e na Amazônia. Seu nome vem do tupi e significa "árvore pequena", uma referência ao porte das espécies que produzem esse fruto.
Os povos indígenas já conheciam e utilizavam o murici há séculos, tanto na alimentação quanto na medicina tradicional. Para eles, a fruta não era apenas fonte de sustento, mas também um símbolo de conexão com a terra e seus ciclos naturais.
Com o tempo, o murici passou a ser consumido em várias formas, desde sucos e doces até licores e remédios caseiros. Embora não fosse tão comercializado quanto outras frutas tropicais, permanecia essencial na cultura alimentar de diversas regiões, sendo um dos sabores mais marcantes da culinária sertaneja e amazônica.
Usos Culinários do Murici
Apesar de pequeno, o murici tinha um impacto grande na cozinha. Seu sabor intenso exigia criatividade na hora de utilizá-lo, e Noah conhecia bem algumas formas tradicionais de consumo:
✅ Suco de murici – Uma das maneiras mais comuns de aproveitar a fruta. O suco, quando bem preparado, resultava em uma bebida encorpada, levemente ácida e extremamente refrescante.
✅ Sorvete e cremes – Por conta de sua textura e sabor exótico, o murici era usado na produção de sorvetes e cremes, misturado com leite ou leite de coco para suavizar sua acidez.
✅ Doces e compotas – Como tantas frutas do cerrado, o murici era transformado em compotas, geleias e doces cristalizados, preservando seu sabor peculiar por mais tempo.
✅ Licor e fermentados – Em algumas comunidades, o murici era fermentado para produzir licores artesanais, que carregavam a essência marcante da fruta e eram servidos em ocasiões especiais.
✅ Acompanhamentos e pratos salgados – No Norte do Brasil, era comum usar o murici para temperar peixes e pratos regionais, adicionando um toque ácido e perfumado à comida.
Noah lembrou-se de quando sua avó fazia pirão de peixe com murici, um prato típico da região onde cresceu. O sabor do peixe combinava perfeitamente com a acidez do fruto, criando um equilíbrio que só a culinária tradicional sabia alcançar.
Benefícios do Murici para a Saúde
Além de seu valor cultural e gastronômico, o murici era um verdadeiro tesouro nutricional. Seu consumo regular trazia inúmeros benefícios para a saúde:
✅ Rico em antioxidantes – A fruta possuía compostos bioativos que ajudavam a combater os radicais livres, protegendo as células contra o envelhecimento precoce.
✅ Fortalece a imunidade – Com altos teores de vitamina C, o murici era um aliado no fortalecimento do sistema imunológico, ajudando a prevenir gripes e infecções.
✅ Saúde do coração – Os flavonoides presentes na fruta auxiliavam na regulação do colesterol e na melhora da circulação sanguínea.
✅ Auxilia na digestão – Rico em fibras, o murici ajudava no funcionamento do intestino, prevenindo problemas como constipação.
✅ Energético natural – Suas propriedades nutricionais faziam dele uma excelente fonte de energia, ideal para quem precisava de disposição ao longo do dia.
Noah sabia que, além de seu sabor peculiar, o murici oferecia uma série de benefícios que tornavam seu consumo ainda mais valioso.
O Murici e a Reflexão de Noah
Enquanto colhia mais alguns frutos, Noah se pegou pensando sobre o que o murici representava. Assim como a fruta, muitas coisas na vida precisavam de um olhar mais atento para serem valorizadas. O murici não tinha a doçura óbvia de uma manga madura nem a suculência de uma melancia, mas possuía um sabor próprio, forte e marcante.
Era assim com as pessoas também. Muitas vezes, os tesouros mais valiosos não estavam à vista de todos – era preciso paciência para descobrir o que cada um tinha de especial.
Ele pegou um murici, abriu-o com os dedos e observou a polpa brilhante. Cada fruto ali carregava a história da terra onde crescia, o conhecimento dos povos que o cultivavam e a essência de um Brasil profundo, que resistia e florescia.
Noah sorriu, sentindo o gosto ácido e familiar na boca. O murici era a prova de que os sabores mais autênticos estavam na simplicidade, naquilo que a natureza oferecia sem pressa. E, naquele momento, ele percebeu que, assim como a fruta, sua própria jornada era feita de descobertas inesperadas – algumas intensas, outras sutis, mas todas essenciais para sua evolução.
Noah passou a mão na capa de um caderno de couro que havia encontrado entre seus pertences. Sentou-se sob a sombra de uma mangueira próxima, onde o vento soprava suave, e respirou fundo. A ideia de registrar tudo o que aprendera sobre as culturas agrícolas começou como um pensamento passageiro, mas agora parecia mais concreta. Ele queria que aquele conhecimento ficasse preservado, não apenas em sua memória, mas em algo físico, algo que pudesse folhear, revisar e até compartilhar no futuro.
Pegou uma caneta e, na primeira página, escreveu com letras firmes:
"Livro Cultura Agrícola "
O título soava grandioso, mas era exatamente o que ele queria: um compêndio pessoal de tudo que descobrira até aquele momento. Aquele primeiro volume abordaria as plantas que ele já havia estudado, experimentado e cultivado. Cada capítulo seria dedicado a um fruto, uma raiz ou uma cultura que tivesse marcado sua jornada.
Ele começou a escrever, organizando suas anotações:
✅ Mandioca – A base da alimentação indígena, sua versatilidade na culinária e a diferença entre mandioca-doce e mandioca-brava.
✅ Inhame – Sua importância nutricional, seu cultivo e os benefícios medicinais.
✅ Carambola, Graviola, Abacate, Açaí, Jaca, Cupuaçu, Maracujá... – Cada uma dessas culturas tinha um significado especial, não apenas como alimento, mas como parte da história agrícola e cultural do país.
Enquanto escrevia, sentia que cada palavra reforçava sua conexão com a terra. O conhecimento que ele adquirira não vinha apenas de livros ou pesquisas, mas da experiência direta, da observação, do toque na terra, do cultivo paciente.
A ideia de montar uma biblioteca particular começou a tomar forma. Noah imaginava estantes rústicas de madeira, repletas de livros escritos por ele mesmo, cada um contando sobre uma parte de sua jornada. Talvez, no futuro, pudesse organizar esses escritos em volumes, um para cada fase de sua pesquisa.
Mas, por enquanto, ele focaria naquele primeiro livro.
O sol começava a se pôr quando ele fechou o caderno, satisfeito com as primeiras páginas. Olhou ao redor, sentindo-se mais determinado do que nunca. Aquele era apenas o início de algo maior. Seu conhecimento não ficaria perdido – ele se tornaria parte de algo concreto, um legado que começava a ganhar forma.