Capítulo 203: Rola-turca (Streptopelia decaocto)

Capítulo 203: Rola-turca (Streptopelia decaocto)

A rola-turca (Streptopelia decaocto), conhecida em inglês como "Eurasian collared dove" ou simplesmente "collared dove", é uma ave da família Columbidae, nativa do sul da Ásia e Europa Oriental, mas amplamente disseminada por introdução e expansão natural. Esta espécie é reconhecida por seu colar preto característico na nuca, plumagem discreta e canto monótono e repetitivo, que ecoa em paisagens rurais e urbanas. Adaptável e prolífica, a rola-turca conquistou territórios em todo o hemisfério norte e foi introduzida em outras regiões, incluindo partes das Américas. No Brasil, sua presença é limitada, mas registra-se em áreas urbanas e costeiras devido a introduções acidentais. Neste capítulo, exploraremos em profundidade todos os aspectos da rola-turca, desde suas características físicas até seu habitat, comportamento, ecologia, reprodução e curiosidades, oferecendo uma análise detalhada e abrangente dessa ave resiliente e cosmopolita.

Características Físicas

A rola-turca é uma pomba de tamanho médio, com uma aparência elegante e traços que refletem sua simplicidade funcional, exibindo pouca variação entre sexos ou idades:

Tamanho:

Comprimento: 30 a 33 cm, da ponta do bico à cauda.

Envergadura: 47 a 55 cm, adequada para voos curtos e sustentados.

Peso: 125 a 240 gramas, com machos ligeiramente mais pesados que fêmeas.

Plumagem:

Adultos: Corpo predominantemente bege-acinzentado ou cinza-pálido, com tons mais escuros nas asas e cauda. O colar preto em forma de meia-lua na nuca, bordado por branco, é a marca distintiva, visível em repouso ou voo. Asas com primárias escuras e cauda longa com bordas brancas na extremidade, visíveis ao abrir em leque.

Juvenis: Semelhantes, mas com colar menos definido ou ausente, adquirindo-o após a primeira muda (2-3 meses). Plumagem mais opaca, com tons acastanhados.

A pelagem é lisa e densa, oferecendo proteção contra intempéries.

Bico: Curto, fino e preto, projetado para bicar grãos e sementes, típico das Columbidae.

Olhos: Castanho-escuros, cercados por uma pele cinzenta sutil, conferindo uma expressão calma.

Patas: Rosa-avermelhadas, curtas e delicadas, adaptadas para pousar em galhos ou caminhar em superfícies planas.

Dimorfismo sexual: Machos e fêmeas são quase idênticos, com diferenças sutis no tamanho ou intensidade do colar detectáveis apenas em análises detalhadas.

Habitat e Distribuição

A rola-turca tem uma distribuição global impressionante, resultado de sua expansão natural e introduções humanas:

Distribuição geográfica:

Nativa do sul da Ásia (Índia, Sri Lanka) e sudeste da Europa (Balcãs, Turquia). A partir do século XX, expandiu-se rapidamente pela Europa Ocidental, alcançando o Reino Unido na década de 1950 e a Escandinávia posteriormente.

Introduzida nas Américas: Bahamas (década de 1970), de onde se espalhou para os EUA (Flórida, hoje em quase todo o país), México e partes da América Central. No Brasil, registros são raros, limitados a áreas urbanas (ex.: São Paulo, Rio Grande do Sul) e costeiras, provavelmente via escape de cativeiro ou transporte acidental.

Habitat preferido:

Natural: Savanas, campos abertos, bordas de florestas leves e áreas agrícolas com árvores esparsas ou arbustos.

Urbano: Prosperou em cidades, vilarejos, quintais, parques e zonas industriais, onde aproveita postes, telhados e comedouros.

Prefere locais com acesso a grãos, água e poleiros elevados, tolerando desde climas áridos até temperados.

Expansão:

Sua disseminação pela Europa foi notavelmente rápida (cerca de 100 km por ano), favorecida pela agricultura e urbanização. Nas Américas, a introdução nas Bahamas (provavelmente por criadores) desencadeou uma colonização similar.

Resistência: Suporta temperaturas de -20°C a 40°C, mas evita florestas densas ou altitudes muito elevadas.

Comportamento

A rola-turca exibe comportamentos que combinam sociabilidade, adaptabilidade e uma rotina previsível, tornando-a uma presença familiar em muitos ambientes:

Locomoção:

Voo: Rápido e direto, com batidas fortes e regulares, frequentemente em linha reta entre poleiros. Levanta voo com um ruído característico das asas.

Em terra: Caminha ou salta com passos curtos, bicando o solo em busca de comida, geralmente em áreas abertas.

Vocalizações:

Canto: Um "coo-COO-coo" monótono e repetitivo, com ênfase na segunda sílaba, emitido por machos para marcar território ou atrair fêmeas. Pode durar minutos, especialmente ao amanhecer ou entardecer.

Chamados: Incluem um "kwurr" nasal e áspero em voo ou ao pousar, usado para comunicação entre indivíduos.

Sociabilidade:

Gregária fora da reprodução, forma bandos pequenos a médios (5-50 indivíduos) em áreas ricas em alimento, como campos agrícolas ou comedouros.

Territorial durante a reprodução, com machos defendendo poleiros ou ninhos contra rivais, mas tolera sobreposição em ambientes urbanos densos.

Forrageamento:

Bicam grãos e sementes no solo ou em superfícies elevadas, como telhados. Ocasionalmente capturam insetos ou comem frutas pequenas.

Frequentam comedouros humanos, competindo com outras aves (ex.: pardais, pombos) por sementes de girassol ou milho.

Comportamento urbano: Adapta-se a barulho e movimento, pousando em fios elétricos ou antenas, e evita predadores naturais ao usar estruturas artificiais.

Dieta

A rola-turca é predominantemente granívora, com uma dieta simples que reflete sua dependência de ambientes agrícolas e humanos:

Alimentos principais:

Sementes (trigo, milho, girassol, sorgo), grãos cultivados ou silvestres, representando 90% da dieta.

Insetos (besouros, gafanhotos) e frutas pequenas (uvas, bagas) em menor quantidade, especialmente na reprodução.

Restos humanos: Pão, arroz ou farelos em áreas urbanas.

Método de alimentação:

Bicam diretamente do solo ou de plantas baixas, engolindo sementes inteiras que são trituradas no papo e moela.

Bebem água regularmente, sugando em vez de inclinar a cabeça como outras aves, um traço típico das Columbidae.

Sazonalidade:

Ano todo: Dependente de grãos, com maior consumo de insetos na primavera/verão para alimentar filhotes.

Inverno: Aproveita comedouros ou sobras agrícolas em climas frios.

Impacto: Pode ser vista como praga em plantações, mas também dispersa sementes, contribuindo para a vegetação.

Ciclo de Vida e Reprodução

A rola-turca tem um ciclo reprodutivo prolífico, com alta taxa de sucesso devido à sua adaptabilidade e longas temporadas de nidificação:

Época de acasalamento: Ano todo em climas quentes (ex.: trópicos), mas concentrada entre março e setembro no hemisfério norte, com picos na primavera.

Cortejo: Machos realizam voos de exibição (subida íngreme seguida de planar) e cantam incessantemente, enquanto casais trocam bicadas e carícias.

Ninhos:

Construídos em árvores, arbustos, postes, parapeitos ou telhados, feitos de gravetos soltos e mal organizados, forrados com ervas ou penas. Frágeis, mas funcionais.

Localizados a 1-10 m do solo, em locais abrigados ou expostos, dependendo da disponibilidade.

Ovos:

Põe 2 ovos brancos e lisos (raramente 1 ou 3), medindo cerca de 3 cm. Incubados por 14-18 dias por ambos os pais, que se revezam.

Criação:

Filhotes nascem nus e indefesos, alimentados com "leite de papo" (secreção rica em nutrientes) por 4-5 dias, depois com sementes regurgitadas. Voam após 15-20 dias, tornando-se independentes em 3-4 semanas.

Casais podem ter 3-6 ninhadas por ano em condições favoráveis, contribuindo para sua rápida expansão.

Longevidade: Vive 3-5 anos na natureza, com registros de até 13 anos em cativeiro ou sob proteção.

Ecologia

A rola-turca desempenha um papel misto nos ecossistemas, influenciando como competidora e dispersora:

Relação com presas:

Consome sementes em grande quantidade, podendo afetar plantações, mas também dispersa plantas ao excretar sementes viáveis.

Preda poucos insetos, com impacto mínimo sobre suas populações.

Predadores:

Ovos e filhotes são alvos de gaviões (Accipiter spp.), corvos e gatos. Adultos enfrentam falcões e corujas, mas escapam facilmente devido à vigilância.

Impacto ecológico:

Como espécie introduzida, compete com pombas nativas (ex.: Zenaida spp. nas Américas) por alimento e espaço, mas seu impacto é moderado.

Em áreas urbanas, aumenta a biodiversidade aviária ao ocupar nichos artificiais.

Adaptação: Tolera poluição e fragmentação de habitat, prosperando onde outras espécies declinam.

Interações com Humanos

A rola-turca tem uma relação próxima e ambígua com os humanos, marcada por sua presença cotidiana e expansão:

História:

Originária da Ásia, expandiu-se pela Europa no século XX, possivelmente devido à agricultura e mudanças climáticas. Introduzida nas Américas via escapes de cativeiro nas Bahamas.

No Brasil, registros esparsos sugerem introdução acidental por navios ou criadores.

Cultura:

Na Europa, seu canto repetitivo é um som familiar, associado a vilarejos e cidades. Na Bíblia e em mitos, pombas simbolizam paz, embora a rola-turca seja mais pragmática que simbólica.

Observação:

Fácil de avistar em fios elétricos, telhados ou comedouros, atraindo birdwatchers por sua simplicidade e colar distintivo.

No Brasil, avistamentos raros (ex.: Porto Alegre) geram interesse entre ornitólogos.

Impacto:

Benéfico: Consome sementes daninhas e encanta com seu canto.

Negativo: Pode danificar culturas agrícolas ou sujar superfícies urbanas com fezes, sendo vista como praga em alguns contextos.

Interação direta: Não é agressiva, mas evita contato próximo, fugindo ao menor sinal de ameaça.

Conservação

A rola-turca é uma espécie abundante e em expansão, não enfrentando ameaças significativas:

Status: Classificada como "Least Concern" pela IUCN, com populações em milhões, crescendo em muitos territórios.

Ameaças:

Caça local em algumas regiões (ex.: Europa rural), mas sem impacto populacional.

Competição com espécies nativas é monitorada em áreas introduzidas, como o Brasil.

Esforços:

Não requer conservação; foco é em manejo onde é invasiva (ex.: controle em ilhas frágeis).

No Brasil, sua raridade não exige medidas específicas.

Curiosidades

Nome científico: "Streptopelia" (grego, "colar torcido") refere-se ao colar; "decaocto" alude ao mito grego de uma serva transformada em pomba, cujo canto ecoa 18 vezes ("deca-octo").

Expansão: Sua disseminação europeia é um dos casos mais rápidos de colonização natural aviária.

Canto: O "coo-COO-coo" pode ser ouvido a 200-300 m, irritante para alguns, nostálgico para outros.

Introdução: Nos EUA, escapou de um criadouro nas Bahamas em 1974, alcançando a América do Norte em menos de uma década.

Resistência: Sobrevive em desertos e cidades com mínima água, bebendo em poças ou orvalho.

Conclusão

A rola-turca (Streptopelia decaocto) é uma ave de presença sutil, mas marcante – seu colar preto, canto repetitivo e adaptabilidade a tornam um exemplo de sucesso ecológico e cultural. De suas origens asiáticas às cidades globais, ela reflete a capacidade da natureza de se reinventar em paisagens humanas, equilibrando papéis de colonizadora e companheira. Sua história de expansão e convivência com humanos é um testemunho da resiliência aviária, conectando continentes e quotidianos com suas asas discretas e seu chamado persistente.