Capítulo 206: Galeirão-comum (Fulica atra)

Capítulo 206: Galeirão-comum (Fulica atra)

O galeirão-comum (Fulica atra), conhecido em inglês como "Eurasian coot" ou simplesmente "coot", é uma ave aquática da família Rallidae, nativa da Europa, Ásia, África e Australásia. Esta espécie é facilmente reconhecida por sua plumagem preta brilhante, bico branco contrastante com um escudo frontal da mesma cor, e patas lobadas que a distinguem de patos e gansos. Habitante comum de lagos, rios e pântanos, o galeirão-comum é conhecido por seu comportamento territorial e movimentos desajeitados em terra, mas elegante na água. No Brasil, não ocorre naturalmente, mas é um ícone em estudos ornitológicos e em regiões onde foi introduzido ou avistado como vagante. Neste capítulo, exploraremos em profundidade todos os aspectos do galeirão-comum, desde suas características físicas até seu habitat, comportamento, ecologia, reprodução e curiosidades, oferecendo uma análise detalhada e abrangente dessa ave aquática versátil e carismática.

Características Físicas

O galeirão-comum é uma ave de tamanho médio, com traços que refletem sua adaptação à vida aquática, exibindo pouca variação entre sexos e mudanças sutis com a idade:

Tamanho:

Comprimento: 36 a 42 cm, da ponta do bico à cauda.

Envergadura: 70 a 80 cm, adequada para voos curtos ou sustentados durante a migração.

Peso: 600 a 1.000 gramas, com machos ligeiramente mais pesados que fêmeas.

Plumagem:

Adultos: Corpo inteiramente preto brilhante com reflexos azulados ou esverdeados sob luz forte. Cabeça e pescoço lisos, contrastando com o bico e escudo frontal brancos. Asas com uma faixa branca sutil nas secundárias, visível em voo.

Juvenis: Cinza-escuro opaco com garganta e peito esbranquiçados, adquirindo o preto adulto após a primeira muda (3-4 meses).

A pelagem é densa e impermeável, protegendo contra água fria.

Bico: Curto, robusto e branco, com ponta afiada, projetado para arrancar vegetação aquática e capturar pequenas presas.

Escudo frontal: Placa branca na testa, maior em machos e durante a reprodução, usada em exibições territoriais.

Olhos: Vermelho-escuros, brilhantes e redondos, destacando-se contra a plumagem preta.

Patas: Verde-acinzentadas, longas e fortes, com dedos lobados (não palmados), adaptados para nadar e caminhar em superfícies moles como lama ou vegetação flutuante.

Dimorfismo sexual: Machos e fêmeas são quase idênticos, com o escudo frontal do macho sendo ligeiramente maior e mais proeminente na época reprodutiva.

Habitat e Distribuição

O galeirão-comum tem uma distribuição vasta, prosperando em corpos d’água de diferentes tipos e climas:

Distribuição geográfica:

Nativo da Europa (do Reino Unido à Rússia), Ásia (Índia, China, Japão), norte da África (Egito, Marrocos) e Australásia (Austrália, Nova Zelândia).

No inverno, populações do norte migram para o sul da Europa, África subsariana e sul da Ásia. Introduzido ou avistado como vagante em partes das Américas (ex.: EUA), mas não ocorre naturalmente no Brasil.

Habitat preferido:

Natural: Lagos, lagoas, rios lentos, pântanos, reservatórios e estuários com vegetação aquática abundante (ex.: juncos, nenúfares).

Urbano: Parques com lagos artificiais, canais e represas, onde tolera presença humana desde que haja alimento e abrigo.

Prefere águas rasas (até 2 m) para forrageamento, mas pode nadar em áreas mais profundas.

Movimentos:

Residente em climas temperados (ex.: sul da Europa), mas populações boreais (ex.: Escandinávia) migram entre setembro e novembro para o sul, retornando entre março e maio.

Movimentos são noturnos, em bandos, cobrindo centenas de quilômetros.

Comportamento

O galeirão-comum exibe comportamentos que combinam territorialidade agressiva, sociabilidade sazonal e adaptação aquática:

Locomoção:

Natação: Ágil e eficiente, impulsiona-se com as patas lobadas, mantendo a cabeça erguida e balançando-a ritmicamente.

Voo: Pesado e desajeitado no início, exige uma "corrida" na água para decolar, mas torna-se sustentado em longas distâncias.

Em terra: Caminha com dificuldade, balançando o corpo, preferindo superfícies moles ou vegetação a solo firme.

Vocalizações:

Chamados: Altos e metálicos, como "kowk" ou "krrruk", emitidos em sequência rápida para defesa territorial ou alarme. Menos melodiosos que outras aves aquáticas.

Durante confrontos, produzem sons explosivos acompanhados de respingos na água.

Sociabilidade:

Territorial na reprodução, com casais ou indivíduos defendendo áreas de nidificação (50-100 m²) com ataques agressivos contra rivais ou outras espécies (ex.: marrecos).

Gregário no inverno, formando bandos de dezenas a milhares em áreas ricas em alimento, convivendo pacificamente com patos e gansos.

Forrageamento:

Mergulha superficialmente (até 1-2 m) ou vira a cabeça na água para arrancar plantas aquáticas. Bicam sementes, insetos ou moluscos no solo ou na superfície.

Usa o bico para "pastorear" vegetação flutuante, consumindo grandes quantidades de matéria vegetal.

Comportamento defensivo: Levanta as asas e corre na água para intimidar intrusos, criando ondas e barulho.

Dieta

O galeirão-comum é predominantemente herbívoro, mas adota uma dieta oportunista que inclui proteínas animais:

Alimentos principais:

Vegetação: Plantas aquáticas (ex.: Potamogeton, algas, lentilhas-d’água), gramíneas e sementes, representando 70-90% da dieta.

Animais: Insetos (larvas, besouros aquáticos), moluscos (caracóis), crustáceos pequenos, peixes minúsculos e, raramente, ovos de outras aves.

Método de alimentação:

Plantas: Arrancadas com o bico e engolidas inteiras ou em pedaços, digeridas no papo e moela com auxílio de pedrinhas (gastrolitos).

Animais: Capturados na água ou no fundo, consumidos rapidamente.

Sazonalidade:

Verão: Mais insetos e proteínas para alimentar filhotes.

Inverno: Dependência maior de plantas aquáticas e sementes, complementada por restos em áreas urbanas.

Impacto: Consome grandes quantidades de vegetação, ajudando a controlar o crescimento excessivo em lagos, mas pode competir com aves aquáticas por recursos.

Ciclo de Vida e Reprodução

O galeirão-comum tem um ciclo reprodutivo sazonal, centrado na primavera e verão, com ninhos flutuantes característicos:

Época de acasalamento: Março a julho, com exibições de cortejo que incluem perseguições na água, vocalizações e posturas com o escudo frontal erguido.

Ninhos:

Construídos em vegetação aquática (juncos, nenúfares) ou plataformas flutuantes, feitos de caules, folhas e lama, ancorados ou soltos. Podem ser elevados após chuvas para evitar inundações.

Localizados em águas rasas, protegidos por vegetação densa.

Ovos:

Põe 6 a 10 ovos (média de 8), bege-acinzentados com manchas marrons, medindo cerca de 5 cm. Incubados por 21-24 dias por ambos os pais, que se revezam.

Criação:

Filhotes nascem com penugem preta e bicos vermelhos com ponta amarela, nadando em poucas horas. Alimentados com plantas e insetos pelos pais, tornam-se independentes em 6-8 semanas.

Casais podem ter 1-2 ninhadas por temporada, dependendo das condições.

Longevidade: Vive 5-10 anos na natureza, com registros de até 15 anos em estudos de anilhamento.

Ecologia

O galeirão-comum desempenha um papel importante em ecossistemas aquáticos, influenciando vegetação e fauna:

Relação com presas:

Controla o crescimento de plantas aquáticas, mantendo o equilíbrio em lagos e pântanos.

Preda pequenos invertebrados, mas seu impacto é secundário em relação à dieta vegetal.

Predadores:

Ovos e filhotes são vulneráveis a gaviões, garças, corvos e ratos-d’água. Adultos enfrentam águias e falcões, mas escapam mergulhando ou correndo na água.

Impacto ecológico:

Indicador de corpos d’água saudáveis com vegetação abundante e pouca poluição.

Em grandes bandos, pode esgotar recursos locais, mas geralmente coexiste com outras aves aquáticas.

Competição: Disputa espaço com marrecos e gansos, usando agressividade para manter territórios.

Interações com Humanos

O galeirão-comum tem uma relação neutra a positiva com os humanos, marcada por sua presença em áreas recreativas:

História:

Conhecido na Europa desde a Antiguidade, caçado esporadicamente por carne. Tornou-se comum em parques urbanos com a criação de lagos artificiais.

Cultura:

Na Inglaterra, o termo "old coot" (velho galeirão) é gíria para uma pessoa excêntrica, refletindo seu comportamento peculiar. Aparece em observações casuais como ave familiar.

Observação:

Admirado por birdwatchers por sua plumagem preta e bico branco, fácil de avistar em lagos e canais. Seu nado rítmico e brigas territoriais atraem atenção.

Impacto:

Benéfico: Controla plantas aquáticas invasoras em reservatórios.

Negativo: Pode danificar vegetação ornamental em lagos artificiais ou sujar áreas com fezes em grandes bandos.

Interação direta: Não é agressivo com humanos, mas evita contato próximo, mergulhando ou nadando para longe se ameaçado.

Conservação

O galeirão-comum é uma espécie abundante, mas enfrenta desafios localizados:

Status: Classificado como "Least Concern" pela IUCN, com populações estimadas em milhões, estáveis ou crescentes em algumas regiões.

Ameaças:

Perda de pântanos e lagos por drenagem ou urbanização, poluição (ex.: eutrofização) e mudanças climáticas (secas ou inundações).

Gatos e caça esporádica afetam populações locais.

Esforços:

Preservação de zonas úmidas (ex.: Convenção de Ramsar) e criação de lagos artificiais sustentam suas populações.

No Brasil, sua ausência natural não exige medidas específicas.

Curiosidades

Nome científico: "Fulica" (latim, "galeirão") e "atra" ("preto") descrevem sua aparência.

Patas lobadas: Diferem das palmadas de patos, oferecendo mais tração em lama ou vegetação.

Mergulho: Pode submergir por até 15 segundos para escapar de predadores ou buscar comida.

Natalidade: Filhotes com bicos coloridos são chamados "bald coots" (galeirões carecas) em inglês, devido à penugem esparsa.

Expressão: "As mad as a coot" (louco como um galeirão) reflete sua agressividade territorial.

Conclusão

O galeirão-comum (Fulica atra) é uma ave de presença marcante e funcional – sua plumagem preta, bico branco e vida aquática o tornam um pilar dos ecossistemas úmidos. De lagos tranquilos a canais urbanos, ele reflete a resiliência da natureza em ambientes naturais e alterados, equilibrando papéis de consumidor e controlador. Como uma figura familiar nas paisagens aquáticas, o galeirão-comum conecta a ecologia à observação humana, trazendo movimento e som às águas que habita com sua nadadeira incansável.