Eastkan, 2118
Nos becos da empoeirada cidade de Eastkan, naquela noite fria de domingo, ouvia-se os gritos desesperados de um homem provavelmente em ar puros. Ele implora por sua vida ao mesmo tempo em que é abruptamente interrompido por vários flashes de luzes silenciosos que podiam ser facilmente vistos da enorme janela do armazém.
Os lampejos de luz vieram da arma silenciosa de Beta, um dos mercenários, que disparou várias vezes contra o homem, deixando-o caído e completamente rendido à morte no chão daquele pequeno quarto, sua respiração fraca aos poucos ia parando lentamente.
— Agora, por que você tinha que fazer isso? — questiona Alpha, que parecia ser o líder do grupo, surpreso com a atitude de seu companheiro.
— Você ouviu o que aconteceu com o último esquadrão, certo?
— Você é idiota? — não parecia uma pergunta.
— Como se você se importasse com algumas aberrações mortas.
— Escuta. Você quer ser pago, não quer? Da próxima vez, tenta seguir minhas ordens. Agora, ver se o grandão ali tem alguma coisa importante com ele. Eu vou procurar por provas, já que pessoas mortas não são interrogáveis. — diz Alpha, com um tom de voz frio e tênue.
Beta suspira ao ouvir o companheiro, o rapaz parece não possuir arrependimentos pelo o que acabou de fazer. Ele se aproxima devagar do homem estirado no chão ao lado da cama e vasculha os bolsos do rapaz na esperança de achar algo útil ou de valor. Em vão.
— O desgraçado não tem nada de útil. Nada além de roupa íntima. — ele afirma, com tom de sarcasmo.
Do outro lado da cama, havia uma moça que também aparentava estar morta, completamente nua, caída sobre o chão com as costas apoiadas em um gaveteiro ao lado daquela cama de casal desarrumada.
— Olha, esse aqui poderia se passar por uma humana. Agora eu me pergunto, qual foi o acordo dela. — diz Alpha, enquanto apontava para o corpo da mulher. O mercenário parece possuir um enorme conhecimento em distinguir robôs e seres humanos.
Beta não questiona, apenas levanta e vai em direção ao outro lado da cama de forma tranquila, onde a garota está. O zumbido de um telefone em cima do gaveteiro começa a se intensificar, parece ser uma mensagem, o que chama a atenção dos mercenários.
— Parece que estamos com sorte, olha quem está chamando. Olha o nome.
— Você só pode tá zoando com a minha cara. — murmura Beta ao tomar posse do telefone, prestes a visualizar a tal mensagem recebida. O nome e o número pareciam ser realmente de quem eles imaginavam, "Willow D.", o alvo da missão dos mercenários.
— Pessoal, onde estão vocês? Claire está prestes a subir no palco. Cheguem rápido. Vocês têm ideia de como é difícil segurar uma mesa no 86? — diz o áudio, que transmitia uma voz suave, porém nervosa.
— 86? — pergunta Beta.
— O Club 86. Um clube no centro da cidade. Vamos. Hora de receber o cheque. — diz Alpha, que está em posse de sua arma, parecendo estar empolgado com toda situação que se formava.
CLUB 86, Centro de Eastkan
15°C │ Tempo Chuvoso

O 86 está movimentado, parece ser uma noite importante para o bar, assim como todas as outras. Os garçons tinham certa dificuldade em atender todas as mesas. Rotineiramente, as pessoas lotavam lugares assim para tentar esquecer de suas próprias vidas por alguns instantes.
— Tomem seus lugares e não se esqueçam de suas bebidas. O espetáculo começará momentaneamente. — ecoou uma voz feminina misteriosa por todo o sistema de som do local.
Entre a multidão entusiasmada estava uma jovem garota, sozinha e com um ar angustiado. Ela suspira enquanto observa todos os lugares do bar, não parecendo encontrar o que está procurando. Então, ela apenas esconde o rosto com sua franja, enquanto olha para baixo.
Senhoras e senhores! Vocês já a conhecem! Vocês a amam! CLAIRE HENDRICKSON!
A atração da noite é a bela cantora Claire Hendrickson, que sobe ao palco sem medo e parece estar extremamente confiante com a recepção do público que aplaudia e fazia barulho mesmo antes daquela voz feminina misteriosa começar a anunciar a cantora. Seu gesto de assinatura já eram conhecidos pelo público; o braço esquerdo para o alto e os dedos indicador e médio levantados. O público enlouqueceu no instante em que ela apareceu entre as cortinas.
— Como vocês estão hoje a noite?! Preparados para a diversão? — incita a jovem encantadora em frente ao microfone, com seus olhos puxados, penetrantes e altamente atraentes sobre a plateia. Ela observava cada um dos rapazes e moças que se aproximavam para reverenciá-la.
— Essa é uma das minhas favoritas, do meu primeiro álbum. Vamos lá, garotos! — exclama Claire no microfone, a cantora que parece cada vez mais confortável à medida que a canção começa a tocar. Os ecos daquele som contagiante eram ouvidos em todo o bar. As pessoas cada vez mais se levantam de seus assentos e começam a se aproximar do palco.
De cima do palco, ela logo percebe uma movimentação estranha: Três homens mascarados e armados entram pela porta da frente do bar, sem qualquer problema, o que a fez dar alguns passos para trás, se distanciando do microfone instantaneamente.
— A garota está aqui em algum lugar. Espalhem-se! — diz Alpha, que empunhava sua arma logo na entrada da casa noturna, ao lado de seus dois companheiros de equipe.
— Willow Dane! Apareça! — exclama Beta, tão alto que fez a música no ambiente ser interrompida, seguido de um silêncio instantâneo em todo Club 86.
O público imediatamente olha para trás, notando a movimentação, os três homens de preto, com capacetes brilhantes, e as armas. Logo a gritaria toma conta da multidão quando veem um deles apontando a arma para todos os presentes. A arma é uma metralhadora dourada e tem uma espécie de laser vermelho como mira, uma marca registrada dos Espectros. Um grupo de mercenários conhecidos em toda a região.
— Ali está ela! — grita Alpha enquanto aponta para a mesa localizada no canto da casa noturna.
— Desculpa, criança. Nada pessoal. — resmunga Beta para si mesmo, enquanto aponta sua arma para a jovem, caminhando cautelosamente em direção a ela.
A jovem menina parecia assustada ao perceber os passos do mercenário e não era para menos. Apesar da expressão apavorada, ela abaixa a cabeça sem movimentos bruscos, parecendo estar certa do que estaria prestes a fazer.
As luzes do local se apagam de repente, seguidas pelo desespero e gritos de todos os presentes que começam a querer deixar imediatamente o local na correria.
— Ei... Que porra é... — grita um dos mercenários, assustados.
— NÃO! ESPERA! Que diabos é você?! — exclama Beta, seguido de incontáveis tiros no escuro que assustam mais ainda os civis presentes no meio daquele caos. Mesmo no escuro, é possível ver a correria e o desespero em meio aos flashes de luz daqueles disparos.
Os gritos eclodem à medida em que as pessoas fogem pelas saídas de emergência da casa noturna. A garota desce a escada em meio à tropeços. Ela mal percebe o pânico à sua volta. Em estado de choque, ela corre o mais rápido que pode para longe do Club 86. Os gritos atrás dela logo são acompanhados por sirenes da polícia.
— Não... Tenho que continuar... Correndo... — a jovem moça está ofegante, parece não ter mais forças para correr. Sem quase nenhum equilíbrio, ela tropeça e cai. A garota desmaia nas vielas frias de Eastkan.
A notícia logo se espalharia por toda a cidade. Os tabloides postariam sobre o assunto sem parar. Boatos e mais boatos, sugariam a tragédia até o último grão.
A polícia encobriria tudo e poucos realmente saberiam o que havia acontecido naquele clube noturno. De qualquer forma, havia sido mais uma noite de tragédias para muitas famílias em Eastkan, o paraíso que nunca adormece.