A areia soprava como lâminas.
Não era vento comum. Era aviso.
O menino corria descalço pelas dunas, o sangue escorrendo da perna ferida, os olhos vidrados no horizonte onde o sol morria. Atrás dele, o som abafado de cascos e gritos. Ele não olhava para trás. Já sabia o que encontraria: homens com máscaras de chacal, armados com lâminas negras e ordens para matar.
— Corre, Nefer! — gritou a mulher, mesmo sabendo que o nome dele havia sido apagado dos registros do palácio.
Nefer não era mais príncipe.
Agora era só um fugitivo.
O Império do Egito, outrora cheio de glória, estava de joelhos diante de um novo deus — e esse deus exigia silêncio e submissão. O velho faraó estava morto. Assassinado no templo, em um sacrifício que ninguém ousava nomear. E o trono… o trono sangrava.
Aos sete anos, Nefer viu o próprio pai ser queimado vivo como oferenda à escuridão. Aos sete anos, teve que engolir o próprio grito para não ser encontrado. Aos sete anos, se escondeu entre corpos empilhados, rezando para um Deus que nunca conheceu.
Agora, com doze, corria para sobreviver.
— Oásis ao norte! — a mulher gritou, apontando para uma mancha escura no horizonte.
Mas o menino sentia. O corpo inteiro formigava. O deserto falava. E ele ouvia.
— Não é pra lá. — disse ele, ofegante. — É pra baixo.
Ela parou. O coração disparado, a boca seca.
— O quê?
— Tem algo… debaixo da areia.
Antes que ela pudesse responder, o chão tremeu. Leve, quase como um sussurro. E então rachou.
Nefer caiu.
A mulher gritou, se jogando atrás dele. E os dois sumiram na terra.
Caíram por segundos que pareceram anos. Até o impacto.
Silêncio.
Nefer abriu os olhos.
O lugar era escuro, mas não vazio.
Tochas antigas se acendiam sozinhas, uma a uma, revelando colunas cobertas por hieróglifos que não pertenciam ao Egito conhecido.
A mulher se levantou, olhando tudo com olhos arregalados.
— Onde estamos?
Nefer se aproximou do altar no centro da sala.
Sobre ele, um cetro.
E um bracelete dourado, com a inscrição:
"O que é digno não se impõe. Ele desperta."
Nefer esticou a mão.
Tocou o bracelete.
E a sala inteira tremeu.
Lá fora, os soldados pararam.
Os chacais silenciaram.
O céu escureceu.
E a voz antiga, esquecida pelos séculos, sussurrou no ouvido do menino:
"O Rei não foi morto.
Foi escondido."
Nefer respirou fundo.
O bracelete se apertou em seu pulso.
E o deserto… se curvou.
O Egito tinha um novo rei.
Mas ninguém estava pronto pra isso.