Capítulo 10 – O Velho do Oco

"Nem toda resposta é um alívio. Algumas são correntes."— Manuscritos de Lume, o Primeiro Guardião

O caminho até Relynth era silencioso, mas não calmo. O tipo de silêncio que soa como um aviso. Os penhascos sussurravam com o vento, como se sopesassem cada passo que o trio dava pelas trilhas estreitas. A vegetação era rala, e as pedras pareciam olhos cravados no chão.

— Eu não gosto disso — murmurou Liora, segurando o punho da adaga com mais força do que o necessário. — O ar aqui é… denso.

Saen, como sempre, estava à frente, seu grimório flutuando ao lado.

— O Velho do Oco vive longe do mundo por um motivo. A verdade tende a afastar tudo — inclusive a razão.

Rayn não dizia nada.

Desde o confronto com o Eco, sentia uma inquietação crescente. O fragmento da máscara vibrava contra seu corpo como se tivesse febre. E em seus sonhos — mesmo acordado —, flashes de lugares que ele nunca havia visitado dançavam à sua frente: cidades cobertas de musgo, campos onde o céu queimava, e uma torre que girava em torno de si mesma no coração do nada.

Ele sabia que não eram apenas visões.

Eram lembranças de alguém. Ou de algo.

O caminho terminou numa ravina. Um buraco escancarado na terra, como a ferida de um mundo que já não sabia se curar.

— É aqui — disse Saen, apontando para uma escada entalhada nas paredes da pedra. — O Oco.

Rayn hesitou. Liora o encarou de lado.

— Você não precisa entrar sozinho.

— Eu sei — disse ele. — Mas talvez devesse.

— E talvez devesse parar de bancar o mártir — ela rebateu, séria. — Você é forte. Mas não é imune.

Rayn sorriu. Um daqueles sorrisos curtos, de gratidão contida.

— Vem comigo?

— Sempre.

Eles desceram juntos.

O Oco era uma caverna viva. As paredes pulsavam com uma luz âmbar, como se tivessem veias. A pedra não era só pedra — era osso, era tempo petrificado. E no centro dela, sentado sobre um trono feito de raízes secas e ossos de criaturas que não deveriam existir, estava ele.

O Velho do Oco.

Tinha olhos completamente brancos. Não cegos — vazios. Seu rosto era enrugado como pergaminho esquecido ao sol. Os cabelos longos, desgrenhados, pareciam se mover levemente, mesmo sem vento.

Ele não os olhou. Mas falou.

— Rayn. Filho da Semente Que Falhou. Filho do Vazio Que Insiste. Filho de Si Mesmo.

Rayn sentiu as palavras como farpas na alma.

— Você me conhece?

O Velho sorriu.

— Eu te vi nascer antes do tempo. E vi nascer a sombra que te acompanha. Vocês não são diferentes.

Liora recuou um passo. Saen estava imóvel, olhos fixos no ancião.

— O que você quer dizer com "filho da semente que falhou"? — perguntou Rayn.

— Você é um fragmento de algo maior, Rayn. Um eco de um ciclo quebrado. Um Guardião... que não deveria ter sobrevivido ao seu despertar.

Rayn fechou os punhos.

— Mas eu estou aqui.

— Está. E esse é o problema.

O Velho se levantou. Era mais alto do que parecia. Mais forte do que sua aparência indicava.

— O anel em seu dedo não é apenas uma herança. É um selo. Um encarceramento. Aqueles que criaram os Guardiões... criaram prisões. Mas você... você nasceu com a chave.

Silêncio.

A revelação caiu como pedra em água parada.

— Está dizendo que eu fui criado... para libertar algo? — Rayn sussurrou.

O Velho assentiu.

— Não algo. Alguém. A primeira memória. A origem do vazio. O Início que foi selado sob o pretexto do fim. Você, Rayn, é a cicatriz da primeira mentira.

Liora avançou, irritada.

— E por que está nos dizendo isso agora? Qual o propósito de carregar um segredo tão… monstruoso?

O Velho a encarou, e pela primeira vez, houve algo que parecia pena em seu olhar.

— Porque agora é tarde demais. A sombra já entrou em movimento. O que estava contido em Rayn já acordou. Vocês precisam decidir: conter... ou aceitar.

Saen respirou fundo.

— O fragmento. É parte da máscara que sela a Verdade, não é?

— Sim. A máscara de Kael. Mas não era dele. Foi feita para conter o que Kael viu — e não conseguiu suportar. Ele quebrou a máscara para que ninguém mais fosse ferido como ele.

Rayn tirou o fragmento da bolsa. Ele ardia. Como se soubesse que estava sendo exposto.

— E se eu... juntar os pedaços?

O Velho se aproximou. Tocou levemente o fragmento, e um calor quase insuportável percorreu a espinha de Rayn.

— Se juntar todos... verá o que Kael viu. O Início. E talvez... se torne o novo Fim.

O chão tremeu.

O Velho se virou bruscamente. As raízes nas paredes começaram a se retorcer. O ar ficou denso.

— Vocês trouxeram a sombra até aqui — disse ele, entre os dentes. — Vocês não têm mais tempo.

Um rugido abafado veio da entrada da caverna. Mas não era um rugido animal. Era um grito de dor — ou de fome.

Liora sacou a adaga. Saen ergueu o grimório. Rayn girou a espada nas mãos.

O Velho ergueu uma mão.

— Vão. Vocês precisam sair agora.

— E você?

— Eu já fui.

O trio correu pela escadaria, e atrás deles, a caverna começou a fechar como um pulmão morrendo.

Rayn foi o último a sair. E quando olhou para trás, viu os olhos brancos do Velho desaparecendo na escuridão.

E ouviu uma última frase:

"O mundo não teme o que você é. Ele teme o que você pode lembrar."

Do lado de fora, o céu já não era céu.

Era uma rachadura viva, como se o próprio tecido da realidade estivesse sendo rasgado. No horizonte, uma torre de sombra se formava lentamente, crescendo como uma espiral que tentava furar o próprio tempo.

Liora caiu de joelhos.

— Isso está saindo do controle.

Rayn olhou para o anel em seu dedo. Para o fragmento da máscara em sua mão.

— Não. Isso já não tem controle. Só escolhas.

Saen se aproximou.

— O próximo pedaço da máscara está em Val'Dereth. Uma cidade que vive presa entre dois tempos. Se ainda houver alguém lá… talvez saibam como unir os fragmentos sem perder a si mesmo.

— E se não souberem?

Rayn olhou para o céu rachado.

— Então aprenderemos. Ou cairemos tentando.

Liora se levantou.

— De novo, essa sua mania de carregar o peso do mundo. Se for cair, avisa, pra cairmos junto.

Ele sorriu. E pela primeira vez, mesmo com tudo desmoronando ao redor, havia propósito no sorriso.

E partiram.

Sem saber se estavam indo para salvar o mundo… ou para lembrar por que ele havia sido esquecido.