A floresta parecia não ter fim.
Ethan e Maerlyn corriam por entre árvores retorcidas e sombras vivas, enquanto a névoa escura dos Espreitadores continuava a persegui-los. O céu, antes azul e sereno, agora estava encoberto por nuvens negras que se formavam onde os passos das criaturas tocavam o mundo.
Mas havia algo estranho acontecendo. Onde quer que Ethan pisasse, o chão reagia — as raízes se afastavam, a névoa se dissipava por instantes, como se uma força ancestral estivesse protegendo sua passagem. A marca em seu peito queimava, sim, mas também pulsava com um ritmo firme. Quase como um compasso.
— Continue correndo! — gritou Maerlyn. — Já estamos perto!
Ethan podia sentir. A energia ao redor estava mudando, ficando mais… pura. Como se uma barreira invisível estivesse adiante.
De repente, Maerlyn cravou a adaga no solo.
— Chegamos.
Runas esculpidas na lâmina começaram a brilhar. A terra ao redor dos dois se abriu em espiral, revelando uma escada de pedra que descia em um túnel envolto em prata antiga, reluzente sob a luz pálida do símbolo no peito de Ethan.
Sem hesitar, os dois mergulharam na escuridão.
Assim que os últimos degraus se fecharam acima deles, o som da floresta cessou. Silêncio total.
Ethan ofegava, os músculos ardendo, mas os olhos atentos.
— O que é este lugar?
— O Refúgio de Prata. Um dos últimos santuários construídos após a Primeira Ruptura. — respondeu Maerlyn, tocando a parede prateada do túnel. — Aqui, o Elo não pode ser corrompido. As criaturas que te seguiram… não conseguirão passar. Por um tempo.
Eles caminharam em silêncio por minutos até surgirem em uma câmara imensa, sustentada por colunas onde inscrições antigas serpenteavam como serpentes em mármore. Uma fonte central jorrava uma água que parecia líquida e ao mesmo tempo sólida, prateada como mercúrio sob o luar.
Mas o que mais chamou atenção de Ethan foi o mural na parede principal.
Era a representação de sete figuras humanoides, envoltas em halos de energia e cada uma com uma marca distinta em seu peito. Acima deles, um círculo dividido em sete partes, sendo uma delas… vazia e brilhante.
— O Elo que você ativou... — Maerlyn disse, ao notar para onde ele olhava. — É o primeiro. O Elo da Ligação. Há seis outros. Cada um protege um aspecto fundamental do mundo: Vontade, Ciclo, Sangue, Voz, Raiz… e Esquecimento.
Ethan se aproximou do mural. A marca em seu peito brilhava com intensidade.
— O que acontece se todos forem despertos?
Maerlyn hesitou por um instante. — A criação recomeça. Ou tudo se desfaz.
Ele olhou para ela. — E quem quer que isso aconteça?
Ela respondeu com firmeza:
— Aqueles que vivem nas Fraturas. Aqueles que foram deixados do lado de fora da Criação Original. Aqueles que desejam retornar. Os Espreitadores são só precursores. Os verdadeiros não têm forma, nem tempo. Apenas fome.
Ethan sentiu um calafrio subir pela espinha. As visões que tivera nos últimos dias — a sombra, o Coração, o altar partido — todas apontavam para algo muito maior do que ele.
— E por que eu? Por que agora?
— Porque o mundo está frágil. Porque as forças que o sustentam estão em desequilíbrio. E porque você não é como os outros.
Ela parou ao lado da fonte e apontou para o líquido prateado.
— Você é um Elo que não nasceu neste mundo. Veio de fora. Mas carrega dentro de si os laços de dois mundos. Você não apenas existe. Você conecta.
— É por isso que o Coração reagiu. Você não o dominou. Ele te escolheu.
Ethan permaneceu em silêncio. Dentro de si, memórias de sua vida anterior se misturavam com o presente. A irmã perdida. O treinamento brutal. A sensação constante de não pertencer. E agora… fazia sentido.
Ele era uma ponte. Um canal.
— Você precisa descansar. — disse Maerlyn. — A próxima parte será pior. Outros sentirão o Elo. E nem todos serão inimigos. Mas muitos... tentarão tomá-lo de você.
Ela fez um gesto e uma porta lateral se abriu. Um quarto simples, com cama, mesa e uma estante cheia de livros antigos.
Ethan entrou sem dizer palavra. Mas antes de fechar a porta, perguntou:
— Você também tem um Elo?
Maerlyn o encarou, e pela primeira vez, seus olhos pareceram pesarosos.
— Tive. Mas o perdi… ao tentar salvar alguém.
Ela se virou e desapareceu no corredor.
Ethan ficou ali, parado por um instante, sentindo a vibração do mundo através da marca no peito. Quando finalmente se deitou, não foi o cansaço que o venceu.
Foi o peso da escolha.
Porque agora ele entendia: o verdadeiro inimigo ainda estava adormecido. E ele era apenas o início do despertar.