Capítulo 37: O Abismo da Verdade

O amanhecer chegou com a luz suave filtrada pelas copas das árvores, mas no coração de Ethan, a escuridão não se dissipava. Ele acordou antes do sol, com os pensamentos turvos e pesados, como se estivesse afundando em um mar sem fim. A marca do Elo Duplo pulsava como uma presença viva, tentando se comunicar com ele, tentando lhe mostrar o que ainda não podia compreender. Cada fragmento de memória, de emoção, de energia que se misturava a ele, o deixava mais distante de si mesmo.

Kairo estava ao seu lado, silencioso, como sempre. Eles haviam viajado por horas sem dizer uma palavra, mas agora, diante do horizonte que começava a se iluminar, algo parecia iminente.

Você sente isso? — Ethan perguntou, a voz baixa, quase como um sussurro.

Kairo levantou os olhos para o céu, onde as nuvens começavam a se mover com uma velocidade anormal.

Sinto. — Kairo disse, com um tom grave. — O Elo Primordial está despertando. Não só no plano físico. Está mexendo com os próprios fios do tempo.

Ethan franziu a testa.

Fios do tempo?

Sim. O Elo Primordial tem o poder de distorcer a própria realidade. Não é só o que vemos, mas o que já aconteceu. Ele pode rescrever o passado, fazer com que as coisas nunca tenham ocorrido. Pode até fazer com que você se esqueça de quem é.

Ethan deu um passo para trás, o coração batendo mais rápido.

Como você sabe tudo isso?

Kairo sorriu, mas o sorriso não era de felicidade. Era como o sorriso de alguém que carregava uma dor imensa, mas preferia ignorá-la.

Porque eu fui ensinado para isso. Fui moldado para entender o verdadeiro poder do Elo Gêmeo. Fui condicionado a ser o oposto do que você representa.

E o que você representa? — Ethan perguntou, com um olhar que não escondia mais desconfiança.

Kairo deu um passo à frente.

Equilíbrio. O Elo Gêmeo não é apenas um poder. Ele é um julgamento. Ele precisa ser o ponto de virada quando o Elo Duplo e o Primordial se encontram. Quando os dois poderes se colidem, o universo se despedaça. Ou é você, ou é eu. E um de nós precisa desaparecer para que o outro sobreviva.

As palavras de Kairo caíram pesadas sobre Ethan, como uma verdade amarga, algo inevitável. Uma escolha que não poderia ser mais clara. Mas algo dentro de Ethan se rebelava contra isso. Ele não aceitava a ideia de ser simplesmente descartado ou forçado a fazer uma escolha entre destruição e destruição.

Não vou ser a sua escolha, Kairo. — Ethan disse, com um fio de raiva na voz. — Eu não sou parte de seu maldito equilíbrio.

Kairo olhou para ele com um olhar sério.

Você vai ser. Não porque eu queira, mas porque o Elo Primordial já fez essa escolha por nós. Não importa o quanto você resista. Esse é o nosso destino.

Um som repentino interrompeu a tensão crescente. Um estalo no ar, como um buraco no tecido da realidade. Ambos olharam para o céu, onde as nuvens agora se aglomeravam de maneira antinatural, formando uma espiral de escuridão. O vento começou a uivar, e uma sensação de distorção no espaço parecia se espalhar pelo campo.

O que é isso? — Ethan perguntou, sentindo um calafrio na espinha.

O Elo Primordial… — Kairo começou a dizer, mas sua voz foi interrompida por um rugido vindo das profundezas da terra. A terra tremia sob seus pés, e uma rachadura se abriu no solo, como se o próprio mundo estivesse se rasgando.

A energia que os cercava era palpável, uma pressão crescente, quase opressiva. Um portal se abriu no centro da rachadura, uma fenda negra de onde emanava uma luz vermelha, pulsante como um coração batendo no abismo. Ethan sentiu algo se mexer dentro de si, como se sua própria essência estivesse sendo chamada para aquele lugar.

O que está acontecendo? — Ethan perguntou, agora com mais urgência. O Elo Duplo dentro dele parecia estar agitado, como se estivesse tentando se libertar de algo que o mantinha preso.

Kairo o olhou com um misto de compaixão e tristeza.

O Elo Primordial está rompendo os limites do tempo e do espaço. Ele não vai mais esperar.

Antes que Ethan pudesse reagir, uma figura emergiu do portal.

Uma silhueta imponente, vestida com uma capa negra que parecia absorver a própria luz. Os olhos da figura brilhavam como estrelas moribundas, e sua presença em si mesma emanava um poder que fazia o ar ao redor se condensar em densidade.

Kael... — Kairo sussurrou, e sua voz tremeu. — Ele finalmente se manifestou.

Kael avançou, os pés flutuando acima do solo, e seus olhos se fixaram em Ethan. Havia algo sombrio e profundo neles, como se ele já soubesse tudo sobre o jovem. Como se já soubesse o que ele estava prestes a se tornar.

Você não entende, não é, Ethan? — Kael falou, sua voz profunda e cheia de ecos. — O Elo Duplo não é apenas o começo do fim. Ele é a chave para a reconstrução. Eu sou o fim do ciclo, o fim de uma era. E você, meu querido garoto, é a peça final. Você não é o escolhido para destruir o Elo Primordial. Você é o escolhido para libertá-lo.

Ethan deu um passo para trás, seu corpo se tencionando. Ele não queria acreditar no que ouvia, mas uma parte de si sabia que a verdade estava prestes a ser revelada de uma maneira que nenhum deles poderia evitar.

Liberá-lo? — Ethan perguntou, a incredulidade em sua voz.

Kael sorriu, um sorriso sombrio que parecia abarcar todo o sofrimento do mundo.

Sim. E você não pode impedir. Nem você, nem Kairo. Porque a única maneira de salvar este mundo é destruir o que ele é agora e reconstruí-lo do nada. O Elo Primordial vai consumir tudo, e você será seu arauto.

Ethan sentiu o peso de suas palavras. Mas dentro dele, uma força começou a se formar. Uma resistência que não podia mais ser ignorada.

Você está errado. Eu não sou o seu arauto. Eu sou o único que pode impedir isso.

Kael parou. Sua expressão se endureceu, e por um momento, ele olhou para Ethan com algo que poderia ser descrito como respeito.

Muito bem. Vamos ver quem realmente é o escolhido, então.

E a batalha que se seguiria não seria apenas sobre poder físico, mas sobre a própria essência do que Ethan estava prestes a se tornar. O Elo Duplo e o Elo Gêmeo estavam prestes a colidir — e com isso, a linha entre herói e vilão se desfaria por completo.