O mundo parecia ter parado. A imensidão da floresta de Varnell havia ficado para trás, mas o peso do que tinham acabado de enfrentar continuava a pesar nos ombros de Ethan e Ireth. A mensagem de Kaelya não saía da mente deles: Zareth havia acordado algo além do Véu, algo tão antigo que sua simples presença era suficiente para distorcer o próprio tempo.
— Ele acordou a Entidade da Reversão. — Ireth murmurou, quebrando o silêncio enquanto caminhavam pela trilha escura. — Mas o que isso significa? Como isso pode mudar tudo o que estamos fazendo?
Ethan permanecia pensativo, seus passos firmes, mas sua mente inquieta. Ele sabia que o que enfrentavam agora não era mais uma simples corrida para reunir os fragmentos. Era uma batalha contra algo que desafiava as leis do próprio universo. A Entidade da Reversão não apenas ameaçava destruir os fragmentos, mas refazer a própria linha do tempo.
— O que sabemos sobre ela? — Ethan perguntou. — Onde ela está?
Ireth olhou para o horizonte, onde as montanhas do Império da Névoa se erguiam no distante, como silhuetas ameaçadoras contra o céu crepuscular.
— É uma entidade antiga. Uma força primitiva do Véu. Em algum momento, os primeiros seres do Véu perceberam que a verdadeira destruição não vinha da morte ou do esquecimento, mas da reversão — a habilidade de refazer tudo o que já foi. O que a Entidade da Reversão busca é alterar o fluxo do tempo, apagando e recriando as escolhas do passado. Cada erro, cada decisão... ela quer refazê-los.
Ethan franziu o cenho. O poder de alterar o tempo... isso ia muito além de qualquer força que já haviam enfrentado. O pensamento de que Zareth agora controlava essa força primitiva causava-lhe uma sensação de impotência.
— Mas isso não faz sentido. Se ele tivesse esse poder, por que estaria atrás dos fragmentos? Por que criar algo tão destrutivo, algo que desafia até mesmo o Véu?
— Porque Zareth não quer apenas reverter o tempo. Ele quer dominar tudo o que já foi, tudo o que será. Ele acredita que a verdadeira liberdade vem da total destruição das possibilidades, tornando tudo previsível, controlável. Se ele restaurar a Entidade da Reversão completamente, será como um deus sobre a existência. Ele poderá apagar tudo o que desejar e refazê-lo do jeito que achar correto. — Ireth completou, com a voz grave.
Ethan parou por um momento, sentindo o peso das palavras de Ireth. O conceito de um poder tão absoluto era assustador. Ele havia enfrentado muitos inimigos antes, mas nenhum com uma capacidade de distorcer o próprio tecido da realidade.
— Então, o que podemos fazer? Como podemos derrotá-lo se ele tem o poder de reescrever o tempo?
Ireth olhou para ele, com um brilho determinado nos olhos.
— A única maneira de vencê-lo é impedir que ele complete o que começou. Precisamos dos últimos fragmentos. E, mais importante, precisamos evitar que ele se una completamente à Entidade da Reversão. Caso contrário, o Véu será obliterado.
Ethan respirou fundo. Ele sabia que a missão estava se tornando cada vez mais complexa, mais perigosa. Mas havia algo dentro de si que se recusava a aceitar a ideia de falhar, de permitir que Zareth levasse tudo para um futuro sombrio e sem esperança.
Eles seguiram viagem em silêncio, enquanto a noite avançava, cobrindo o mundo com seu manto escuro. A cada passo, a sensação de serem observados crescia. Algo os caçava. Ou talvez... alguém.
Quando chegaram aos pés das Montanhas Nebulosas, uma barreira de névoa espessa se ergueu diante deles. Era como se a própria montanha estivesse viva, respirando. Um calor estranho emanava da névoa, uma energia pulsante que parecia sugerir que não estavam sozinhos.
— Estamos chegando perto. — disse Ireth, seus olhos fixos na névoa. — Esse é o último fragmento. Dentro dessa montanha está o templo de Zareth, onde ele planeja fundir o poder da Entidade da Reversão. Precisamos apressar.
Ethan assentiu, a tensão crescendo em seu peito. Eles estavam prestes a entrar no domínio de Zareth, no centro de todo o caos que ele estava criando. E, com o último fragmento, a verdadeira batalha começaria.
O ar estava denso, como se a própria montanha estivesse tentando impedir sua entrada. Mas Ethan não hesitou. Ele avançou, tocando a névoa, que se afastou lentamente, como se reconhecesse sua presença.
À medida que avançavam pelas montanhas, o terreno se tornava mais traiçoeiro, com penhascos à beira de cada lado, e o som de correntes de ar cortando as rochas. Em determinado ponto, chegaram a uma grande abertura — a entrada para o templo de Zareth.
A arquitetura era imponente, formada por pilares de cristal negro e paredes forjadas em uma mistura de obsidiana e metais que pareciam distorcer a luz ao seu redor. As ruínas estavam cobertas por símbolos e inscrições, mas nenhuma delas parecia familiar.
— Isso... isso é recente. — Ireth observou, tocando uma das inscrições. — Zareth deve ter começado a reconstruir essa estrutura depois que adquiriu o poder da Entidade da Reversão.
Antes que pudessem avançar, uma figura encapuzada apareceu na entrada do templo. A silhueta era humana, mas havia algo estranho em sua postura. Ele estava completamente imóvel, como se fosse uma estátua viva.
— Você está atrasado, Ethan. — disse a voz baixa, mas clara, que parecia reverberar dentro de suas mentes.
A figura se virou, revelando um rosto parcialmente encoberto pelo capuz, mas os olhos eram inconfundíveis. Zareth.
— Eu sabia que chegariam até aqui. — continuou Zareth, um sorriso sombrio surgindo em seus lábios. — Mas a luta já acabou. O tempo não os favorece mais. A Entidade da Reversão está mais próxima de ser restaurada do que vocês imaginam. E quando ela for, o Véu será nada mais do que um eco do que poderia ter sido.
Ethan deu um passo à frente, seu olhar desafiador.
— Não vamos deixar você refazer o mundo ao seu gosto, Zareth. Nós vamos parar você.
Zareth riu, um som frio e sem alegria.
— Você ainda não entende, Ethan. O mundo não precisa ser salvo. Ele precisa ser reconstruído. Como uma tela em branco. Você... e Ireth, podem ser peças-chave nesse processo. Não têm escolha.
Com um gesto, Zareth fez com que as paredes do templo começassem a se mover. O chão tremeu, e uma série de cristais afiados começaram a emergir do solo, cercando-os.
— Vocês vão ver. O Véu não é o fim. É apenas o começo de algo maior. Algo que vocês não podem compreender. — Zareth concluiu, sua voz se misturando ao som crescente da destruição ao seu redor.
Ireth se preparou para atacar, mas Ethan a segurou.
— Espere. — ele disse. — A verdadeira luta não é aqui. Ainda. O fragmento está mais perto do que imaginamos.
E, com um olhar determinado, ele avançou em direção a Zareth, que sorriu.
— Vamos ver quem prevalece, então.
A batalha entre o destino e o tempo estava prestes a começar.