O céu sobre Valtor finalmente clareava. Depois de dias de escuridão, opressão e distorção, a luz rompia o manto cinzento como um suspiro do mundo, como se até o próprio tecido da realidade tivesse aliviado a tensão. Ethan e Elyss atravessaram o último vestígio do labirinto e emergiram no coração da cidade, agora silenciosa, como se estivesse à espera do próximo capítulo de sua história.
O chão ainda tremia em intervalos irregulares. Era como se a cidade estivesse se ajustando, se reorganizando após a ruptura dimensional provocada pela antiga entidade selada ali. Mas Ethan sentia que não era apenas o mundo externo que havia mudado — algo dentro dele também estava diferente. As vozes haviam silenciado. O reflexo distorcido que antes o tentava havia sido enterrado sob camadas de convicção, coragem... e uma dúvida mais profunda.
Eles caminharam juntos até o centro da grande praça de pedra — um lugar onde, em tempos antigos, reis eram coroados e sentenças eram proferidas. Agora, era o ponto de maior estabilidade energética de toda Valtor. Elyss parou ao lado dele, respirando fundo, e ergueu os olhos para o horizonte.
— Você sente isso? — ela perguntou.
Ethan assentiu. A energia mágica da cidade, antes caótica e violenta, estava mais calma. Ainda pulsava intensamente sob seus pés, mas havia uma harmonia emergente.
— Está se reconstruindo — ele murmurou. — Valtor está viva.
Elyss olhou para ele, surpresa.
— Acha que a cidade tem consciência?
Ethan refletiu por um instante. Havia visto muitas coisas que desafiavam a lógica desde que chegara a este mundo, mas agora tudo parecia... interligado. Como se as decisões dele estivessem moldando não apenas o presente, mas a própria essência da cidade.
— Talvez não consciência como a nossa. Mas... vontade. E por algum motivo, ela reagiu a mim.
As palavras pairaram entre eles por um instante. O silêncio da cidade era quase reverente. Então, um som baixo e metálico ecoou da direção do antigo templo central. Um portão que não havia se aberto em centenas de anos começava a se mover, arrastando consigo séculos de poeira e ruínas.
Elyss ficou alerta, levando a mão ao cabo de sua espada. Ethan, por sua vez, avançou com passos cautelosos, guiado por um chamado que não conseguia ignorar.
O interior do templo era vasto e imponente, sustentado por colunas negras cobertas de inscrições antigas. No centro, um pedestal se erguia, envolto por uma luz tênue. Acima dele, flutuando como se o tempo não tivesse tocado seu corpo, havia uma lança. Ela era simples, mas cada detalhe emanava poder. O ar ao redor dela era denso e vibrante.
— Isso... — Elyss sussurrou, maravilhada. — Essa é a Lança da Ascensão. A arma do Primeiro Guardião.
Ethan se aproximou devagar. Quanto mais próximo chegava, mais sentia a pressão ao seu redor. Era como se a arma estivesse testando sua alma. Memórias que não eram suas começaram a aflorar em flashes: batalhas, perdas, decisões que moldaram eras. Ele viu os rostos de guardiões antigos, guerreiros que haviam lutado para proteger o mundo antes mesmo de sua chegada.
— Ethan... — chamou Elyss, com a voz tensa. — Está tudo bem?
Ele estendeu a mão, hesitante. Quando seus dedos tocaram o cabo da lança, uma explosão de luz o envolveu. O chão desapareceu sob seus pés, e o mundo ao redor se transformou.
Estava em outro plano. Um espaço vasto, envolto em névoa dourada. Diante dele, figuras encapuzadas surgiram — sete no total — cada uma carregando um símbolo no peito. Eles o observavam em silêncio, suas presenças opressoras, mas não hostis.
— Ethan — disse um deles, com voz profunda e ancestral. — Aqueles que chegam até aqui devem estar prontos para carregar o peso de um mundo.
— Que lugar é esse? — ele perguntou, confuso.
— O Véu da Memória. Aqui, os guardiões são escolhidos. Aqui, a verdade não pode ser escondida.
A névoa se dissipou brevemente, revelando cenas do passado de Ethan — da Terra. Ele se viu pequeno, treinando em silêncio, os olhos determinados. Viu a frieza dos tutores, a exigência da perfeição, a ausência de afeto. Viu a si mesmo crescendo em um ambiente onde errar não era uma opção. E então, viu a si mesmo sendo transportado para esse novo mundo, onde a força era moldada por mais do que músculos e técnica.
— Você veio de longe, não por acidente, mas por necessidade — disse outro dos encapuzados. — Este mundo o chamou. Assim como chamou os que vieram antes.
Ethan ficou em silêncio. As peças começavam a se encaixar. Ele não era o primeiro. E talvez... não fosse o último.
— O que vocês querem de mim?
— Que escolha. A lança não é apenas uma arma. É um legado. E aquele que a empunha precisa decidir: ser o pilar que sustenta o mundo... ou a lâmina que o quebra.
Ethan olhou para as figuras. A dúvida se manifestava novamente, mas dessa vez ele não estava sozinho. Carregava as experiências, os erros e as lições. Lembrou-se de Elyss. De todos que havia ajudado. Da promessa de fazer diferente.
— Eu escolho... proteger.
A luz envolveu novamente o local. Os encapuzados desapareceram, e Ethan abriu os olhos no templo. Estava de pé, com a Lança da Ascensão em mãos. Elyss olhava para ele, surpresa e alívio nos olhos.
— Você sumiu por segundos... mas sua aura... Ethan, você mudou.
Ele olhou para a arma. Sentia seu peso, mas não como um fardo. Era... responsabilidade.
— Eu aceitei o legado — ele disse. — Mas isso é só o começo.
A cidade tremeu novamente, mas agora não era destruição. Era reconstrução. O templo ao redor deles começava a se restaurar sozinho, pedra por pedra, coluna por coluna.
Elyss sorriu, apesar do cansaço.
— Então, Guardião... qual é o próximo passo?
Ethan sorriu de volta, os olhos brilhando com a chama de alguém que, pela primeira vez, sabia exatamente o que deveria fazer.
— Unir os Reinos. E impedir que o verdadeiro inimigo desperte.