Capítulo 75: Vozes no Véu

Os passos de Ethan e Elyss ecoavam suavemente no túnel de cristal que os conduzia de volta à superfície. Mas algo havia mudado desde que Ethan tocara o Fragmento da Clareza. Não era apenas o peso novo em seu peito, ou a sensação constante de que sua mente estava mais aguda — era a presença de algo... ou alguém... observando por trás do véu da realidade.

— Você está mais silencioso do que o normal — comentou Elyss, lançando um olhar de soslaio para Ethan.

Ele demorou a responder.

— É como se eu estivesse escutando coisas... mas dentro da minha cabeça.

Ela parou.

— Vozes?

Ethan assentiu. Seu olhar estava fixo à frente, como se visse algo que Elyss não podia.

— Sussurros. Fragmentados, mas familiares. Como se alguém estivesse tentando me guiar... ou me distrair.

Elyss franziu o cenho e segurou firme a alça de sua adaga.

— Estamos sendo seguidos?

— Não. Não é físico. É algo... vinculado ao Fragmento.

A conversa foi interrompida quando a luz à frente mudou. A escadaria que levava à superfície agora os conduzia por um véu de água estática, como se estivessem subindo direto pelo centro do lago, mas protegidos por uma bolha mágica. Ao emergirem, perceberam que algo no mundo também havia mudado.

A floresta ao redor do Lago Kael estava mais escura. Não era mais noite, mas sim um crepúsculo contínuo. E havia sinais de batalha: árvores queimadas, marcas de garras no chão, e um estranho símbolo gravado em pedra — um círculo cortado por uma lâmina negra.

— Isso não estava aqui quando chegamos — sussurrou Elyss.

— Não... e essa marca...

Ethan a reconheceu imediatamente. Em sua visão ao tocar o Fragmento, o traidor usava esse símbolo. Era o estandarte da Ordem do Véu, uma seita que ele pensava estar extinta há séculos.

— Eles nos encontraram — disse Ethan, apertando os punhos. — Ou talvez estivessem nos esperando.

Elyss se aproximou do símbolo. As bordas ainda estavam quentes, como se tivesse sido gravado recentemente com magia negra. Ela tocou o chão e fechou os olhos, sintonizando seus sentidos. Quando os abriu, estavam brilhando com a energia das Linhas Etéreas.

— Há rastros. Pelo menos três conjuradores passaram por aqui nas últimas horas. Fortes. Um deles... deixou um rastro de sangue.

Ethan se ajoelhou, tocando o solo.

— E há outra presença. Uma que me reconheceu quando toquei o Fragmento.

— Está dizendo que fomos... marcados?

— Sim. De agora em diante, não há mais como esconder. Todos os que procuram os Fragmentos sabem que temos dois. E virão por nós.

Apesar da tensão, decidiram seguir viagem imediatamente. O plano era retornar à vila de Nar'Vhaal, onde poderiam procurar o próximo destino com segurança. Mas o mundo parecia determinado a lhes negar descanso.

Ao anoitecer, acamparam em uma clareira protegida por runas. Ethan montou uma barreira de silêncio, e Elyss ficou de guarda.

Mas quando Ethan dormiu, não encontrou descanso.

Ele estava de volta ao templo submerso — ou ao que parecia ser uma lembrança distorcida dele. As águas estavam vermelhas, e as torres se contorciam como colunas vivas. Ao centro, o Fragmento da Clareza flutuava... partido.

E diante dele, uma figura encapuzada, sem rosto.

— Você não devia tê-lo tocado — disse a figura. A voz era mil vozes em uma só.

— Quem é você?

— Sou aquele que se escondeu quando a Luz nasceu. Aquele que viu o Coração de Ankar se partir... e sorriu.

Ethan deu um passo à frente, tentando alcançar o Fragmento, mas a figura ergueu a mão. O cenário se partiu, como um espelho.

Agora estavam em um salão escuro, ladeado por espadas cravadas no chão. Em cada uma, havia um nome: pessoas que Ethan não conhecia, mas que, de algum modo, sentia que haviam morrido por sua causa.

— O que é isso?

— Seu futuro, se continuar nesse caminho. A Clareza revela... mas não perdoa.

— Você tem medo do que encontraremos?

— Tenho medo do que vocês vão se tornar.

A figura estendeu a mão, e um terceiro Fragmento surgiu: o da Fúria. Mas estava... corrompido. Vermelho-escuro, coberto por rachaduras negras. E uma lágrima de sombra escorreu do capuz da figura.

— Quando os sete forem reunidos... não será a salvação que encontrarão. Mas o fim do mundo como conhecem.

Ethan acordou com um sobressalto, suando frio. Elyss estava ao seu lado, já com a adaga em punho.

— Você gritou.

Ele assentiu, ofegante.

— Tive um... aviso. Um sonho. Não, uma visão. Um Fragmento... corrompido.

Elyss franziu o cenho.

— Existe essa possibilidade?

— Agora sei que sim. E se a Ordem do Véu conseguir um deles, o mundo inteiro estará condenado.

O silêncio se seguiu por longos minutos. Então Elyss falou, com voz firme:

— Então precisamos encontrar os outros antes deles. Custe o que custar.

No dia seguinte, após consultarem o mapa novamente, o próximo ponto marcado era nas Montanhas de Varnheim, onde uma biblioteca ancestral guardava o Fragmento da Memória — uma peça essencial, segundo a visão de Ethan, para compreender o verdadeiro propósito dos Fragmentos.

A viagem até lá levaria semanas, e passaria por territórios disputados, onde a presença da Ordem já havia sido sentida. Mas a Clareza lhes dava uma vantagem: sabiam onde procurar, e o tempo estava contra todos.

Mas não estariam sozinhos.

Na travessia por uma vila arruinada, encontraram uma figura caída entre os escombros. Era uma mulher ferida, com marcas da Ordem em seu corpo — mas com os olhos claros e conscientes. Sobrevivente. E quando viu Ethan, disse algo que os fez parar.

— O Fragmento... está cantando de novo.

E então desmaiou.

Elyss e Ethan se entreolharam.

— Quem é ela?

— Alguém que ouviu a canção.

E enquanto o céu tornava-se mais escuro e as estrelas tremeluziam com incerteza, a trilha para Varnheim se abria à frente. Com novos perigos. E talvez, novas respostas.