Capítulo 81: Fragmentos da Origem

O ar era denso e quase irrespirável. A energia à volta de Ethan vibrava em uma frequência desconhecida, como se cada partícula de matéria respondesse à presença do seu outro eu — aquele reflexo distorcido que acabara de surgir do Coração do Véu.

— Então... é você — murmurou Ethan, os punhos cerrados. — A parte que sempre me perseguiu em sonhos. A voz que sussurrava quando eu estava prestes a ceder. A fonte do caos.

— E você é só um invólucro — respondeu o reflexo sombrio, com um sorriso que misturava desprezo e prazer. — A casca. O receptáculo que a "realidade" moldou. Mas eu sou a verdade. Eu sou o que sobra quando o mundo se desfaz.

Ethan lançou um olhar para Elyss. Ela mantinha a postura defensiva, mas seus olhos denunciavam a tensão. Por mais poderosa que fosse, algo naquela entidade a fazia recuar. Ela conseguia sentir... a origem.

— Ethan... isso não é só um fragmento de poder. É a fonte de tudo. O núcleo do próprio Sistema — disse ela, em tom baixo, como se temesse chamar atenção.

O reflexo riu. — Ah, finalmente alguém com percepção real. Mas você ainda não entende, Elyss. O Sistema? Isso foi apenas um artifício. Uma ferramenta criada para moldar Ethan, empurrá-lo até os limites... até que ele estivesse pronto para mim.

Ethan deu um passo à frente, sentindo o chão sob seus pés estremecer. — Se você é parte de mim, então sabe exatamente o que vai acontecer agora. Não vou aceitar isso. Não vou deixar que me controle.

A sombra sorriu mais uma vez — e, ao estender as mãos, o espaço atrás dela começou a rachar, como vidro se quebrando. Um vórtice de energia escura surgiu, revelando fragmentos do passado de Ethan: sua infância no mundo moderno, os treinamentos brutais, os testes do Sistema, os encontros com Tang San e os segredos do mundo espiritual.

— Eu sou cada escolha que você não teve coragem de fazer — disse a entidade. — Cada impulso assassino que você suprimiu. Cada dúvida que você sufocou. Sou o resultado de tudo o que você negou ser. E agora, chegou a hora da verdade.

O chão tremeu. Faíscas de energia saltaram no ar. Elyss se colocou ao lado de Ethan.

— Não podemos lutar com ele aqui — disse ela. — Este plano... ele responde à vontade dele. Estamos em desvantagem.

— Então precisamos encontrar o ponto de equilíbrio — murmurou Ethan. — Um ponto de ancoragem.

Foi então que a energia do reflexo começou a se expandir. Seu corpo se alongou, os olhos se tornaram duas fendas luminosas, e dele brotaram quatro asas feitas de sombra pura. Sua presença aumentava a pressão no ambiente, distorcendo a própria realidade.

— Venham, então. Lutem contra vocês mesmos. Vejamos quanto tempo podem resistir à verdade.

Enquanto isso, no mundo real, Tang San e Xiao Wu observavam os céus do continente espiritual começarem a escurecer. Uma anomalia havia se formado — uma fenda espacial acima da Cordilheira do Norte.

— A energia... parece semelhante à que sentimos no dia em que Ethan apareceu — disse Tang San, os olhos estreitados.

— Mas está muito mais forte agora — respondeu Xiao Wu. — E... há algo estranho nela. Como se duas forças familiares estivessem em conflito.

Tang San assentiu. — Precisamos ir até lá. Agora.

Ele não disse em voz alta, mas algo em seu coração o alertava: aquele momento seria decisivo para o futuro de todos.

De volta ao plano do Véu, Ethan e Elyss avançavam juntos. A batalha contra o reflexo sombrio era caótica. Cada golpe desferido parecia destruir e reconstruir partes do espaço, e o tempo se comportava de forma errática — acelerando e desacelerando conforme a vontade do inimigo.

Ethan invocou seu espírito marcial, o dragão espectral de chamas negras. Elyss ergueu sua lança de luz lunar, liberando ondas que tentavam estabilizar o ambiente. Mas o reflexo parecia prever cada movimento, como se tivesse vivido cada instante daquela batalha antes mesmo dela acontecer.

— Você não pode me vencer — disse a entidade. — Porque eu sou a origem do seu poder. Tudo o que você conquistou veio de mim. Cada alma fundida, cada técnica — tudo era apenas o preparo para isso.

— E mesmo assim, escolhi lutar — gritou Ethan, invocando sua nova técnica.

A fusão de suas duas essências — a espiritual e a sombria — se manifestou pela primeira vez de forma completa. Um círculo duplo apareceu sob seus pés, unindo os dois espíritos marciais em uma dança perfeita de luz e escuridão. Seu corpo brilhou em tons de cinza prateado, e uma armadura espectral cobriu seu peito e braços.

— "Equilíbrio do Abismo". — Era o nome de sua técnica final. Um poder que unia a dualidade dentro dele.

O reflexo rugiu em resposta e desceu como uma estrela negra em direção a Ethan.

O choque entre os dois mundos colidindo ecoou pelo espaço do Véu.

Tang San, ao chegar na fenda dimensional, se deteve. Ele sentia agora com clareza: a energia de Ethan estava dividida. Metade da aura era semelhante à de um deus em ascensão. A outra... era algo ainda mais antigo.

— Ele está lutando contra si mesmo — murmurou. — E se perder, não sobrará nada.

No coração da batalha, Elyss foi atingida por uma onda de energia invertida e lançada para longe. Ela caiu de joelhos, sangrando.

— Ethan... você precisa decidir — gritou ela, com esforço. — Ou ele tomará tudo!

O tempo pareceu parar.

Ethan ficou parado diante de seu reflexo. Ambos ofegantes, ambos feridos. Era como olhar em um espelho depois de anos se negando.

— Não quero apagar você — disse Ethan, em voz baixa. — Porque, no fim, você também é parte de mim.

A sombra ergueu os olhos.

— Então... você aceita?

Ethan fechou os olhos.

— Não. Eu integro.

Uma luz dourada surgiu de dentro dele. Não uma luz de purificação, mas de compreensão. Ele caminhou até o reflexo — e ao invés de atacá-lo, estendeu a mão.

A sombra hesitou.

E então, como se mil vozes gritassem ao mesmo tempo, o mundo do Véu tremeu.

Os dois se fundiram.

No exterior, a fenda dimensional explodiu em uma chuva de partículas prateadas. Tang San e Xiao Wu recuaram, protegendo-se do impacto. Quando a poeira cósmica baixou, uma figura surgiu.

Ethan. Mas algo havia mudado.

Seus olhos agora tinham um brilho etéreo, como se enxergassem além da realidade. Uma nova marca brilhava em seu peito — o símbolo do infinito entrelaçado com duas serpentes, uma negra e uma branca.

Ele respirou fundo. O mundo inteiro pareceu pausar por um segundo.

E então, Ethan caiu de joelhos.

Tang San correu até ele.

— Ethan!

O rapaz ergueu os olhos, com um sorriso fraco.

— Eu... consegui.

— O que aconteceu lá dentro? — perguntou Tang San.

Ethan fechou os olhos por um instante, sentindo o silêncio interior que jamais conhecera.

— Me aceitei.

E naquele instante, pela primeira vez desde que chegara àquele mundo, Ethan sentiu paz.

Mas ele sabia.

Aquilo era apenas o começo.