Continuação do capítulo 6
Quando me virei, vi que era uma jovem adulta. Ela se aproximou e me encarou com um olhar confuso e surpreso, como se me conhecesse.
Vestia uma espécie de terno com ombreiras marcantes, na cor bege, e uma camisa de seda preta. Usava scarpins, e seus acessórios eram típicos de uma mulher de negócios do século XXI: relógio, brincos pequenos e um colar delicado, branco perolado. Por baixo, uma saia lápis na altura dos joelhos.
Valeu a pena ler aquelas revistas de moda antiga! — suspirei, aliviado. — Já posso reconhecer algumas coisas.
"Não sabia que existia seda nessa época..." — pensei. Confesso que fiquei meio surpreso; o estilo dela estava diferente demais.
— Você é quase idêntico a ele. — Ela olhou diretamente para mim, de um jeito que me deixava confuso e desconfortável. De repente, desviou o olhar em direção ao palco, fazendo contato visual com os meninos, com um olhar de reprovação.
Bem na hora, aquela mulher desconhecida gritou:
— EI, MOLEQUE, DESCE JÁ DAÍ!
A multidão, que estava em puro alvoroço, silenciou de repente. Todos olharam na direção do grito para ver o que tinha acontecido. Era o Yuko. Ele havia tropeçado no fio e desligado todos os equipamentos.
Jin Tea olhava em direção àquela mulher, e seus olhos carregavam raiva.
Ele apenas desceu do palco e foi em direção à porta. O grupo o acompanhou. A mulher se aproximou e pegou em seu braço. Antes que dissesse algo, ele suspirou e sacudiu o braço.
— Você só me faz passar vergonha... — disse, descendo do palco.
Fiquei surpreso ao virar e ver que era o Min-Jea quem falava, e ele passou direto, revirando os olhos.
Apenas os segui, sem saber para onde iam. O silêncio reinava naquele lugar. Eles não falavam nada — como se, no silêncio, se comunicassem apenas pelo pensamento. Caminhavam até que chegamos à quadra.
As ruas estavam iluminadas.
Um som de música ecoava ao fundo. Pessoas circulavam pelo local.
A quadra estava mal iluminada por postes de luz amarelada, com lâmpadas trêmulas. O asfalto tinha marcas de giz, sinal de que alguém já estivera ali mais cedo.
Ji-Hon caiu na risada, quebrando o clima de maneira relaxada e rebelde.
— Se isso fosse um dorama, as dorameiras iam à loucura com esse personagem!
Min-Jea começou a correr de forma frenética, lançando sua guitarra no chão. Quando me dei conta, já estava correndo junto com eles, no meio daquela "maratona".
Eles corriam de forma alinhada. Mas... quem era aquela jovem mulher que os deixou tão tensos e desalinhados?
— Quem era ela? — perguntei, ofegante, olhando para Min-Jea. Ele estava com a respiração controlada.
Suspirou fundo e me encarou.
— Não conhece ela? A mãe do Tea-Jin. — respondeu, voltando a correr com um sorriso no rosto.
Era quase impossível me igualar a eles. Corriam como se não tivessem rumo. Literalmente em círculos, compartilhando os mesmos pensamentos.
Paramos ofegantes. Quer dizer... eu parei ofegante. Eles pareciam relaxados, como se estivessem prontos para outra maratona. Estavam acostumados a correr. Lembrei que meu pai corria quando estava irritado.
O silêncio entre eles foi, de repente, quebrado.
— Tá, mas até quando esse garoto vai continuar nos seguindo? — disse Ji-Hon, olhando discretamente enquanto mexia nos óculos.
— Sério que vamos abandonar ele? Que tal a gente se separar... — foi interrompido pelo mais velho.
— Calma, ele é só uma criança. Deve ter se perdido dos pais.
— Ele disse que era filho do Tae-Jin — Min-Jea comentou, tapando a boca do Yuko, que só sabia comer.
— Ele não consegue nos acompanhar nem numa simples caminhada. Imagina correndo! — falou empolgado Ji-Yong.
— E você acredita nessa bobagem? Olha como ele é estranho. Vê as roupas dele! — disse irritado, depois deu um sorrisinho travesso. — E se a gente simplesmente correr e deixar ele aí? — Min-Jea se aproximou, rindo. — E se ele nos seguir de novo? — fez uma cara de dúvida.
— Talvez ele seja de outro país que a gente não conhece. Olha a roupa dele... — sugeriu Ji-Yong.
Todos olharam para Yuko, que estava comendo alguns bolinhos de peixe. Yuko fez uma expressão confusa.
— Talvez... Brasil? — disse, como se questionasse os próprios pensamentos, e completou: — Eu não sei... — e continuou comendo alegremente.
— Vamos ficar com ele. Não parece ter para onde ir. — disse Ji-Yong, com um sorriso adorável no rosto.
— Vamos adotá-lo! Olha como ele é fofinho! — disse Yuko, empolgado, saindo de cena em direção a algum lugar.
Todos gritaram em coro:
— YUKO!
Ji-Yong bateu no braço de Tea-Jin, apontando discretamente que eu estava ouvindo tudo.
"Hmm... vocês querem me dar um perdido?" — pensei, forçando um sorriso. Eles riram, como se não lembrassem que eu estava logo atrás ouvindo tudo. Não consegui entender todas as palavras, mas captei algumas coisas do tipo: "Pai abandona seu filho sozinho no meio do nada?" — Seria um caso clássico de "fui comprar cigarro nos anos 80"?
E outra... por que estavam falando como se eu não estivesse ali? Como se eu não fosse capaz de ouvir tudo?
Meus pensamentos foram interrompidos quando Yuko e Ji-Yong voltaram animados, como se tivessem achado uma barraca de ouro.
— Tá sentindo esse cheiro maravilhoso? — falou um deles, parando. Seus olhos brilhavam ao mirar uma barraquinha de tteokbokki apimentado.
Espera... eu não tinha notado essa barraca quando chegamos.
Era um pojangmacha: uma barraca de madeira, coberta com lona plástica colorida, com laterais de vinil transparente que protegiam do vento e da chuva. Havia um balcão de metal, e a comida estava num panelão fumegante sobre um fogão a gás. A panela borbulhava num molho vermelho de gochujang.
— Tinha que ser o Yuko... — murmurou Tea-Jin, irritado. Por um momento, todos ficaram tensos... e depois começaram a rir.
Foi tão contagiante que me peguei rindo junto.
— No ano passado foi bem pior. Vocês não lembram? — Ji-Yong comentou, olhando para os outros. Estava se referindo à confusão de hoje. Então, não foi a primeira vez...
Logo mudaram de assunto.
— Tem bolinhos fritos! Aaaah, também tem fishcakes! — falou Yuko, empolgado e quase saltitante.
Meio exagerado... mas é o Yuko.
Ji-Yong parecia um irmão mais velho repreendendo o mais novo, sendo que os dois dividem o mesmo neurônio.
— Hmmm... esse cheiro de bolinho de arroz apimentado, uma mistura de milho vermelho com calda e pasta de pimenta... dá água na boca.
Vamos , vamos até lá — disse olhando em direção ao lugar
Depois de tanta insistência dos meninos, fomos em direção a uma tenda pequena, coberta com plástico transparente nas laterais para proteger do vento e da chuva.
O ar estava tomado pelo aroma de odeng e frituras variadas.
Um ahjussi veio em nossa direção com um cardápio e um vaso de água. Limpou a mesa com um pano e voltou para o balcão sem dizer uma palavra.
Eu não sabia o que escolher. Havia muitos pratos que eu nunca tinha provado antes.
— Ajhuma! Tteokbokki (bolinho de arroz apimentado) e odeng/fishcakes (bolinhos de peixe)! — Yuko praticamente salivava. — Não consigo me conter!
— Parece que nunca viu comida... É a mesma regra de sempre — disse Min-Jea, olhando para Ji-Hon, que apenas ajeitou os óculos e balançou a cabeça, concordando.
— Soondae? Twigim?! Ahjumaaa! — gritou Yuko empolgado, com os olhos brilhando como se tivesse ganhado na loteria. — Vamos misturar tudo no molho vermelho! Vai ficar uma delícia!
— Que tal uma soju? — disse Tea-Jin com um olhar malicioso. — Ahjuma, me traz uma soju!
Logo interrompi:
— Ajhuma, não traz a soju porque eles são de menor! — Todos me olharam, claramente decepcionados.
Aproveitei e me aproximei do Appa.
— E falei dos riscos que o álcool poderia causar no corpo — finalmente pude proibi-lo de algo que ele queria fazer. Foi satisfatório usar as próprias palavras dele contra ele. Uma pequena vitória pessoal.
— Ok, chega. Você tá falando como um papagaio. Vamos de sempre, a mesma regra, certo? — Todos afirmaram.
Mesmo ele sendo direto e grosso, era bom, finalmente, ter uma conversa descontraída com ele — mesmo sendo sua versão mais jovem.
Tirando o fato de que queriam me abandonar no local, eu podia sentar ali e perturbá-lo a noite toda.
Meu maior medo? Que isso tudo fosse apenas um sonho.
Então fiz a pergunta:
— Qual é essa regra?
— Vamos misturar tudo dentro da panela e comer. O mais velho paga! — respondeu, empolgado, enquanto mexia tudo.
— Vamos jogar um jogo? — falou Ji-Hon, ajeitando os óculos e olhando ao redor.
— Eu sempre perco esse jogo! E outra... pra que ajeita tanto esse óculos?! — reclamei.
— É verdade, eu só quero comer! — Yuko respondeu, olhando fundo dentro da panela enquanto Tea-Jin misturava tudo.
De repente, enquanto eu observava aquela cena junto com o Yuko — que parecia uma criança encantada vendo um pai preparando comida — algo dentro de mim despertou.
Veio um flash rápido. Uma memória desbloqueada.
Eu tinha uns quatro anos. Estava sentado sobre o balcão da cozinha, pequeno demais, com as pernas balançando.
Meu pai — o mesmo homem que agora, mais jovem, mexia tteokbokki — batia ovos com um par de hashi, enquanto mexia kimchi numa panela fumegante.
Ele olhou pra mim e sorriu, dizendo:
— Cuidado pra não cair...
Depois olhou pra frente e riu empolgado:
— Vocês sabem da regra, né?!
Lembrava bem daquela expressão serena. Brincalhona.
Na tentativa de descer com cuidado do balcão, escorreguei — quase caí no chão.
Mas, antes que tocasse o chão, ele me segurou nos braços com uma rapidez absurda.
— Falei pra ter cuidado, Jin-Ho. Não chore, o papai tá aqui...
Foi como uma memória desbloqueada. foi tão rápido que por um instante fiquei imóvel parado preso em meus pensamentos e agora voltando pra atmosfera real.
Porque não lembrava dessas cenas ?— um pensamento tão rápido que não quase formei teorias da conspiração na minha mente. Vários tipos de pensamentos poderiam tomar conta de mim na aquela hora.
Olhando ao meu redor, eles continuavam conversando e provocando um aos outros.
— Yuko, você está sempre comendo... — disse Ji-Yong, revirando os olhos.
— Como se você fosse diferente. Todos sabem que ele usa esse óculos só de enfeite, pra manter o título de "Beleza do Campus" — provocou Min-Jea.
Do nada, ele fez uma expressão de quem havia esquecido algo.
— Um dia vai ser moda. Todos os homens charmosos e bonitos vão usar um par de óculos que valoriza o charme. — Ji-Hon falou com tanta certeza que era quase profético. E, de fato, houve um tempo em que usar óculos sem lente virou febre.
— Onde está sua guitarra? — Ji-Yong perguntou, rindo empolgado.
Min-Jea procurou ao redor, se levantou e foi até a quadra, que não ficava muito longe dali.
— Viu? Fica olhando tanto pra nossas vidas que esquece da sua. — comentou Ji-Yong, encarando Min-Jea enquanto ele voltava com a guitarra nas mãos.
Enquanto eles conversavam, o tempo parecia congelar. Mesmo com personalidades tão diferentes, era como se completassem uns aos outros. Como grandes amigos.
E eu... já começava a me acostumar com aquilo. Estava me sentindo parte daquele lugar.
A atmosfera podia ser diferente, mas a pessoa à minha frente também era diferente. Fazia piadas, ria, brincava, se irritava... mas não surtava. Respeitava todos ali.
Como eu poderia querer voltar, quando tinha um pai jovem diante de mim, sendo alguém que eu nunca conheci de verdade?
Com certeza, se isso fosse um filme, teria uma trilha sonora de fundo.
E agora... como planejar pra ficar mais próximo de ti?