gelo

A noite passou em silêncio. Depois do desmaio, Felipe havia ordenado que levassem Paola, ainda inconsciente, para o quarto dela. Ele mesmo subiu logo atrás, acompanhando os passos dos empregados com uma expressão fechada. O médico aplicou um sedativo leve, garantindo que ela teria um sono reparador. Ao vê-la adormecer com o semblante tranquilo, Felipe soltou um longo suspiro e fechou a porta do quarto, decidido a não sair de casa no dia seguinte.

Na manhã seguinte, o relógio já marcava meio-dia quando Paola abriu os olhos devagar. A claridade que entrava pela janela batia suavemente no rosto dela. A cabeça ainda pesava, mas o corpo parecia ter descansado pela primeira vez em dias. Ela tentou se sentar na cama, mas foi interrompida pela entrada de uma empregada com uma bandeja.

— Bom dia, senhorita Paola. O senhor Felipe pediu que trouxesse isso para a senhora. Café da manhã na cama — disse com um sorriso gentil, apoiando a bandeja sobre a mesinha ao lado.

Paola arregalou os olhos, confusa.

— Ele pediu?

A funcionária assentiu, saindo em seguida.

Antes que ela pudesse processar, a porta foi levemente empurrada e Felipe apareceu no batente. Estava sem o habitual terno. Vestia uma camisa branca com as mangas dobradas e calça social. O cabelo, embora bem penteado, parecia menos rígido do que o normal.

— Posso entrar?

Ela assentiu devagar, olhando para ele com desconfiança.

— Só vim ver como você está... Dormiu bem?

Paola respirou fundo, sem esconder o olhar cansado, mas agora alerta.

— Melhor do que nas últimas noites.

Felipe deu alguns passos para dentro do quarto. Parou perto da cama, observando-a como se tentasse decifrar algo.

— Você não precisa mais limpar a casa. Aquilo... foi um erro.

Ela arqueou uma sobrancelha.

— Um erro? — repetiu, com sarcasmo. — Não parecia um erro quando você deixava pratos sujos de propósito ou mandava eu esfregar o chão com uma escova de dente.

Felipe engoliu seco, desviando o olhar por um instante.

— Achei que você aguentaria. Pensei que era forte... — disse em um tom que tentava justificar o injustificável, evitando demonstrar culpa diretamente.

— Eu sou forte, Felipe. Mas até a rocha se quebra se você bater nela todos os dias — retrucou, firme.

Ele soltou um meio sorriso, quase aliviado pela resposta. Se aproximou um pouco mais e, com um gesto calmo, passou os dedos pelos cabelos dela, afastando uma mecha do rosto. Depois, segurou a mão dela, aquela mesma que havia sangrado.

— Você tá bem agora?

Paola hesitou, mas respondeu com sinceridade:

— Melhor. Mas ainda me sinto fraca.

— Então hoje você descansa. E amanhã... — fez uma breve pausa — vamos sair um pouco. Eu pensei em te levar à praia. Ou talvez ao balneário... você escolhe. Você precisa respirar outro ar. Se distrair.

Ela o olhou com um misto de surpresa e confusão.

— Por que tá fazendo isso?

Felipe encolheu os ombros, mantendo a expressão contida.

— Porque... talvez eu não queira te ver caindo outra vez.

No dia seguinte, como prometido, Felipe preparou tudo. Carro, motorista, roupas adequadas para ambos, toalhas, e até frutas frescas em uma cesta. Escolheram um balneário mais afastado, tranquilo, com poucas pessoas. O céu estava limpo, e o mar calmo.

Paola, agora com o rosto mais corado e vestida com um vestido leve branco, andava descalça na areia, sentindo o sol tocar a pele.

Felipe a observava de longe, com os braços cruzados, usando óculos escuros e uma camisa de linho aberta no peito.

Depois de um tempo, ele se aproximou, oferecendo uma garrafa de água.

— Tá suportando o calor?

— Melhor do que suportar sua casa — disse ela com um sorrisinho de canto.

Ele riu, de verdade, pela primeira vez. Um riso leve, quase desprevenido.

— Você é mais afiada do que parece.

— E você mais humano do que deixa transparecer.

Ficaram em silêncio por alguns segundos, observando o mar.

— Paola... — ele murmurou, olhando para o horizonte. — Eu não sou um bom homem. Mas talvez, por alguma razão, eu queira ser um pouco melhor com você.

Ela virou o rosto, encarando-o com olhos curiosos. Pela primeira vez, o gelo que ele vestia como armadura parecia começar a rachar.

E, mesmo que ainda houvesse distância entre eles, naquele momento, Paola sentiu algo diferente: um calor leve, quase um carinho tímido nascido no meio da frieza.

Ela sorriu — pequeno, mas sincero.

E ele... devolveu.