o beijo é a decepção

Na manhã seguinte ao episódio no jardim, Felipe bateu à porta do quarto de Paola. Ela hesitou por O sol mal havia nascido quando Paola desceu as escadas em silêncio. O rosto pálido, os olhos fundos e sem brilho. Cada passo parecia pesar toneladas. A lembrança da noite anterior ainda queimava em sua mente — a maneira como Felipe a arrastou, as palavras cruéis, o olhar carregado de raiva e desejo mal contido.

Ela foi até a cozinha, precisava de ar, de um café, de algo que a fizesse sentir que ainda estava viva. A cozinheira, ao vê-la, se espantou.

— Paola… está tudo bem? Você está pálida…

— Só uma noite ruim — respondeu, tentando sorrir, mas sua voz tremia.

Enquanto isso, no andar de cima, Felipe acordava com dor de cabeça e um gosto amargo na boca. A mulher que levara para casa já não estava mais ali. Havia deixado apenas um bilhete em cima da mesa:

> "Você está quebrado demais até para fingir."

Ele amassou o papel com raiva e jogou longe. Caminhou até o espelho. Seus olhos estavam vermelhos, as olheiras fundas. Mas o que o incomodava mais era o vazio — um incômodo crescente no peito, a lembrança de Paola recuando dele, o medo nos olhos dela. Aquilo o corroía mais do que gostaria de admitir.

Desceu as escadas devagar. Encontrou Paola na varanda, sentada com uma xícara nas mãos, o olhar perdido no jardim.

— Dormiu bem? — perguntou, com a voz baixa, quase sarcástica.

Ela nem olhou para ele. Apenas respondeu:

— O suficiente para lembrar que não pertenço a este lugar.

Felipe respirou fundo, sentou-se de frente para ela. O silêncio entre os dois era espesso, sufocante.

— Sobre ontem… — começou.

— Não tem o que dizer, Felipe. Você me usou como válvula de escape. Quis me humilhar. Conseguiu. Está satisfeito?

Ele franziu o cenho, desconfortável. Queria dizer que não era bem assim, mas não conseguia se justificar. Então disse o que sabia que ela odiaria ouvir:

— Eu só queria te mostrar que você não tem controle nenhum aqui.

Ela largou a xícara com força na mesa, o barulho seco fez os pássaros no jardim se calarem.

— Controle? Eu nunca quis controle, Felipe. Só queria respeito. Mas você... você é tão destruído por dentro que precisa destruir quem tá por perto pra não se sentir sozinho nisso.

Felipe se levantou de súbito, os olhos furiosos.

— E você acha que me conhece? Acha que sabe de alguma coisa sobre mim?

— Sei o suficiente — respondeu, se levantando também. — Sei que você afasta tudo que toca. Sei que sente ciúmes do próprio irmão porque ele enxergou em mim o que você tenta apagar.

Felipe ficou imóvel. Aquilo doeu mais do que esperava. Ele sabia que ela estava certa. Mas não admitiria. Não agora.

— Você devia se lembrar de quem você é nessa casa. E por que está aqui — ele disse, tentando recuperar o controle da situação.

— Eu me lembro todos os dias — respondeu, firme. — E é justamente por isso que eu me recuso a me calar.

Ela virou as costas e entrou na casa, subindo para o quarto com passos firmes, mas o coração em pedaços.

Felipe ficou ali, parado, com os punhos cerrados. Sentia ódio. Dela. De si mesmo. Do desejo que não conseguia conter, da culpa que o consumia.

No fundo, sabia que estava perdendo o controle — e que Paola, mesmo sem querer, era a única capaz de desmontá-lo por completo.

 segundos antes de abrir. Seus olhos estavam levemente inchados da noite anterior, e ele percebeu.

— Paola... — a voz dele saiu baixa, quase um sussurro. — Eu queria pedir desculpas... Eu fui um idiota.

Ela manteve a postura firme, mas seu coração vacilava.

— Você foi mesmo — respondeu, seca.

— Eu não sei o que aconteceu comigo. Estava... confuso, bêbado, sei lá. Mas não justifica. Eu só quero que você saiba que me arrependo — completou ele, encarando-a.

Paola apenas assentiu e fechou a porta com calma. Os dias seguintes foram silenciosos. Felipe tentava se aproximar com gentileza, mas Paola permanecia fria, desconfiada. Até que, certa tarde, ela estava sentada no jardim, lendo um romance, quando ele se aproximou com duas xícaras de café.

— Posso me sentar? — perguntou.

Ela olhou para ele, ponderou, e fez um gesto com a cabeça.

— O que está lendo? — ele tentou puxar assunto.

— “Orgulho e Preconceito” — disse ela, sem tirar os olhos da página.

— Clássico... você parece gostar de histórias com orgulho demais e sentimentos não ditos.

Ela riu levemente. Pela primeira vez em dias, um sorriso. E foi nesse momento que ele se inclinou devagar e a beijou. Um beijo calmo, gentil. Paola correspondeu, perdida no calor do momento, no toque das mãos dele em seu rosto.

Mas no dia seguinte, tudo mudou.

Felipe voltou a agir com frieza. Não falou com ela durante o café da manhã, evitava olhá-la e passou o dia inteiro trancado no escritório.

No jantar, Paola não aguentou mais.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou, tentando manter a calma.

— Não — ele respondeu, ríspido. — Só problemas na empresa.

Ela engoliu seco e não disse mais nada.

Mais tarde, ele saiu para encontrar amigos em um bar. Horas depois, a mãe de Felipe apareceu na mansão.

— Paola, meu filho está? — perguntou Gisela.

— Saiu com amigos — respondeu Paola.

— Então você vem comigo. Vamos espairecer. Conheço um bar chique, famoso entre a elite. Vamos tomar uma cerveja e fingir que não temos problemas — disse, animada.

Sem muita escolha, Paola aceitou.

O bar era elegante, com luzes baixas e música suave. Mas, ao entrarem, o mundo de Paola desabou.

Felipe estava ali. Com amigos. E ao lado dele, Giovanna.

Felipe notou a presença delas, engoliu em seco e tentou manter a compostura. Gisela foi até a mesa.

— Boa noite, rapazes. Giovanna... — sua voz murchou ao ver a ex-nora ali.

Gisela se inclinou e cochichou no ouvido do filho:

— O que está acontecendo aqui?

Paola sentia o coração bater acelerado, como se tudo estivesse girando ao seu redor.

Mesmo desconfortável, sentou-se. Mas pouco depois, levantou e foi até o banheiro. Lá, Giovanna a seguiu e a encarou diante do espelho.

— Então é você a atual... ou a “farsa” atual? — debochou.

Paola respirou fundo.

— E você é a ex que vive voltando feito assombração?

— Cuidado com o tom, querida. Felipe ainda me ama — Giovanna disse com superioridade.

— Claro... por isso ele te trocou por mim. Deve ter cansado de fantasmas do passado — rebateu Paola, firme.

Giovanna saiu bufando.

De volta à mesa, Paola sussurrou para Gisela:

— Não estou me sentindo bem. Quero ir embora.

Felipe ouviu e se aproximou.

— O que foi agora?

— Nada. Apenas estou enjoada de ver falsidade demais — ela respondeu, com os olhos marejando.

— Fica. Está sendo dramática. Giovanna é só uma amiga — disse ele, alterado.

— Uma amiga que você olha como olhava pra mim ontem no jardim?

Ele se calou. E antes que pudesse dizer mais, Gisela se levantou.

— Paola, vamos. Isso aqui virou um circo.

Enquanto Gisela chamava um táxi, Felipe tentou impedir.

— Eu levo vocês.

— Não precisa — disse Paola, fria. — Volta lá pra tua roda de amigos... e pra Giovanna também.

— Você não sabe o que está dizendo.

— Eu sei exatamente. Ela me contou tudo. Que vocês estavam se pegando. E quer saber? Se merecem!

— Não fala besteira! Giovanna é mais bonita que você, mais sofisticada, mais mulher...

PAH! Um tapa seco estalou no rosto dele.

— Nunca mais me compare com ela! — gritou Paola antes de entrar no táxi e desaparecer na noite.

Horas depois, na mansão, ela se trancou no quarto. Rasgou o vestido, jogou os brincos longe, caiu no chuveiro e chorou em silêncio.

Felipe chegou às 2 da manhã. Bateu na porta por longos minutos. Mas Paola não abriu. E ele, finalmente, desistiu... indo para o próprio quarto com o gosto amargo da rejeição.