Capítulo 4 : A decisão de Abigail

Capítulo 4 – A Decisão de Abigail

Narrado por Abigail

A noite caía lentamente sobre as montanhas de Carmelo. O céu, tingido de púrpura e dourado, não sabia da tensão que se formava entre os homens. Mas eu sabia. Sentia o peso de uma espada prestes a ser desembainhada, e o cheiro de sangue no vento.

Meu coração estava inquieto. Ouvira dos servos o que acontecera: Davi, o ungido do Senhor, enviara seus homens em paz, e Nabal — meu marido — respondeu com desprezo e zombaria. Um homem de coração duro, insensato, cujo orgulho sempre foi maior que sua sabedoria.

E agora, a consequência de suas palavras viria não apenas sobre ele, mas sobre toda a nossa casa.

Fechei os olhos por um instante. Inspirei profundamente. Meu espírito clamava por discernimento. Sabia que não podia esperar por permissão. Não podia discutir com Nabal, que já se embriagava com vinho, alheio à gravidade de seus atos. Era o momento de agir — e agir rápido.

Chamei os servos de confiança.

— “Reúnam tudo o que temos de melhor,” ordenei com firmeza. “Duzentos pães. Dois odres de vinho. Cinco ovelhas preparadas. Grãos tostados, bolos de uvas e figos. E que os jumentos estejam prontos antes da meia-noite.”

Eles me olharam com surpresa, mas nenhum hesitou. Sabiam que havia algo maior em jogo do que poderiam compreender. Eu era apenas uma mulher, mas naquela casa, muitos me respeitavam — não por quem meu marido era, mas por quem eu demonstrava ser.

Enquanto os alimentos eram empacotados, entrei em meu quarto e tranquei a porta. Meus joelhos tocaram o chão.

— “Senhor dos Exércitos,” sussurrei, “eu sou apenas uma serva. Mas se a Tua vontade é que o sangue não seja derramado, então usa-me. Dá-me palavras que amoleçam o coração do Teu servo Davi. E se necessário, leva-me em lugar dos inocentes.”

Era uma oração de entrega. Um clamor de alguém que sabia que o verdadeiro poder vem de quem se curva primeiro diante de Deus.

Antes de o sol nascer, eu já estava a caminho. O céu escurecido parecia refletir o temor que eu sentia, mas também a coragem que me movia. Cada passo era pesado, mas cheio de propósito. Cada batida do coração era um lembrete: vidas dependiam do que eu diria. E como eu diria.

O deserto se abria diante de mim, vasto, silencioso, imponente. Mas não havia silêncio em minha mente. Eu ensaiava palavras, imaginava respostas, suplicava em silêncio por sabedoria. Nunca tinha enfrentado um exército. Nunca havia intercedido diante de um rei.

Mas o amor pela vida dos meus servos, pela justiça, e por aquele que o Senhor havia ungido, me impulsionava como nunca antes.

Finalmente, avistei ao longe a poeira que subia do chão — o exército de Davi. Cerca de quatrocentos homens marchavam com olhos severos, lanças em punho e fúria no peito. Na frente, vinha ele: forte, destemido, com o semblante decidido de quem havia decretado juízo.

Desci do jumento rapidamente. Corri até ele. E antes que qualquer um pudesse reagir, prostrei-me diante dele. Meus joelhos tocaram a terra, e minha testa, o pó do chão. Minha voz não vacilou:

— “Meu senhor, a culpa é minha.”

Houve um silêncio. Até o som dos cavalos pareceu cessar. Todos pararam. O deserto ficou em suspensão.

— “Não repares naquele homem vil, Nabal. Ele é como seu nome — insensato. Mas eu, tua serva, não vi os jovens que enviaste. Se eu os tivesse visto, isso jamais teria acontecido.”

Levantei os olhos, buscando o dele.

— “Rogo-te: perdoa esta ofensa. O Senhor certamente te fará uma casa firme, porque pelejas as batalhas do Altíssimo. Não se ache mal em ti, nem remorso, por teres derramado sangue desnecessário. Que o Senhor mesmo te recompense, pois a tua vida está guardada com Ele.”

Eu via, aos poucos, o semblante de Davi suavizar. Suas mãos ainda estavam firmes na espada, mas seus olhos... seus olhos agora me olhavam como quem enxergava além do que era visível.

— “Bendita sejas tu, Abigail,” ele respondeu. “Hoje me impediste de cometer um erro. Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, que te enviou a mim.”

Ele aceitou os presentes. Mas mais do que isso — ele aceitou minhas palavras. Minha voz. Minha intercessão.

Naquele momento, compreendi o poder que há na sabedoria revestida de humildade. Compreendi que Deus não procura apenas guerreiros para a batalha — Ele também usa mulheres dispostas, prudentes, que se levantam mesmo quando tudo parece perdido.

Voltei para casa em silêncio. As estrelas cintilavam sobre o céu escuro, e cada uma delas parecia me dizer: “Você salvou vidas esta noite.”

Nabal ainda dormia, embriagado e inconsciente. Eu o olhei por um instante. Um homem que poderia ter causado a própria morte — e a de tantos — por causa de seu orgulho. Mas Deus não permitiu.

Aquela noite, algo mudou em mim. Algo despertou. E, embora eu não soubesse ainda o que estava por vir, percebi que havia um propósito maior se desenhando. E que, talvez, aquela fosse apenas a primeira de muitas decisões que eu ainda teria que tomar.