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Dias das escolhas parte 4

O quarto dia chegou com o som grave dos tambores ecoando pelas muralhas do quartel. A movimentação era intensa desde as primeiras luzes da manhã. Guardas formavam fileiras, oficiais tomavam suas posições e as arquibancadas superiores estavam repletas de observadores da elite militar.

Os nobres da 2ª e 3ª categoria estavam chegando.

Todos eles vinham com roupas mais bem cuidadas, escudos de famílias estampados em suas capas e espadas bem afiadas — com destaque para os herdeiros das regiões centrais do antigo reino. Alguns caminhavam com arrogância, outros com uma seriedade fria. Mas dois nomes logo se destacaram entre os demais.

O primeiro foi Thamior, um garoto magro, de olhos escuros e postura sempre reta. Usava um arco como se fizesse parte de seu corpo. Seu combate terminou em menos de vinte segundos — uma flecha atingiu a espada do oficial e outra parou a centímetros de sua garganta. Todos ficaram em silêncio. Nem o juiz teve tempo de iniciar direito a luta. Era um prodígio silencioso.

Depois dele veio Jullian, um rapaz ruivo com uma postura mais relaxada, também com arco, mas com uma abordagem bem mais veloz e ofensiva. Disparava em movimento, pulando, girando, e ainda assim com precisão absurda.

Elyra, a arqueira loira de olhos frios, subiu sem fazer cerimônia. Seus disparos eram mais calculados, menos impulsivos. Venceu com tranquilidade, mas seu olhar revelava algo... inquietante. 

Neris D'Alven, 13 anos, olhos escarlates e postura rígida. Era a única nobre da 2ª categoria que usava uma armadura pesada. Seu combate foi brutal. Embora ainda jovem, ela demonstrou inteligência tática incomum e sangue frio. A comandante da 40ª Legião a observou com atenção silenciosa.

O dia avançou com vitórias e derrotas. Dos cerca de 60 nobres presentes, mais da metade perdeu — alguns nem conseguiram levantar suas armas. Mas aqueles que venceram, venceram com estilo. E todos os plebeus haviam sido chamados e testados ao longo do dia.

O sol já caía no horizonte quando o juiz encerrou os testes:

— Encerramos por hoje. Todos que foram chamados completaram seus exames.

Leo, Aaron e Erwin, encostados próximos à parede do alojamento, trocaram olhares.

— Ué... — Aaron franziu o cenho. — E a gente?

— Não é possível que esqueceram da gente — disse Erwin, olhando ao redor, desconfiado.

Leo cruzou os braços, atento.

Foi então que o mesmo menino loiro, antes debochado e agora mais respeitoso, se aproximou devagar, com um sorriso travesso.

— Eu falei que vocês eram diferentes — disse, olhando para os três. — Ninguém fica pro último dia... a não ser que seja de alta classe.

Erwin arregalou os olhos.

— O quê?

O garoto riu, apontando com o queixo para os oficiais que se retiravam:

— Se um comandante pessoalmente pediu que vocês ficassem pro final... então... vocês são filhos de algum deles, né? Sabia! Sabia que tinha algo errado com vocês!

Leo o olhou, confuso.

— Filho de um comandante...? — murmurou. — Não... isso não faz sentido...

O menino riu, convencido da própria teoria, e se afastou.

Leo ficou em silêncio por um tempo. A brisa da noite começava a soprar. Ele observou o campo vazio e suspirou.

Após o fim do dia, já no refeitório improvisado, o grupo se reunia em torno de uma mesa com pão, carne seca e mingau quente. O barulho do ambiente era constante, mas o grupo mantinha uma certa bolha de silêncio e reflexão.

Aaron, que vinha mastigando devagar, ergueu os olhos:

— Aquele Thamior... Ele lutou igual a gente, mas... ao mesmo tempo, não lutou. Não parece estranho?

Leo, que mantinha os olhos baixos, respondeu sem levantar a cabeça:

— Notei isso também. E desde o primeiro dia, teve um garoto... que usou uma postura semelhante. Algo estava fora do lugar, mas eu não sabia o quê.

Ele pousou o pão.

— Mas... depois que vi a luta da Sarah e do Daren, comecei a entender. Todos estamos lutando de um jeito parecido, mas com características diferentes.

Sarah, ao ouvir seu nome, ergueu as sobrancelhas.

— Características diferentes?

— Sim — disse Leo. — O Daren... no momento de foco, ganhou força. Você... parecia saber exatamente onde o inimigo ia estar. Como se previsse. E mesmo eu... luto com base na intuição. E ela nunca falha.

Um silêncio caiu sobre todos. Os irmãos pararam de comer. Foi então que Erwin, calado até então, olhou para frente com os olhos arregalados e murmurou:

— Entendi.

Todos pararam. Até Aaron, que já ia enfiar o pão na boca, ficou parado com ele no ar.

— Entendeu o quê? — perguntou Sarah.

Erwin olhou para todos, com um leve brilho nos olhos:

— A visão que o Leo nos ensinou... não é só sobre enxergar melhor ou lutar com foco. É como se ela potencializasse aquilo que a gente já tem de melhor. A força do Daren. A precisão da Sarah. A intuição do Leo... são manifestações diferentes de um mesmo núcleo. E todas têm a mesma aura.

Todos ficaram em choque. Não apenas pelo que ele disse... mas porque foi o Erwin quem disse. O irmão sempre alegre, meio avoado, que nunca parava quieto, acabava de colocar em palavras o que todos estavam sentindo.

Sarah ficou em silêncio por um momento... e então olhou para ele com um sorriso irônico:

— Quem é você e o que fez com o Erwin? Você é o mesmo irmão que saiu da vila?

Todos caíram na risada, até mesmo os soldados de outras mesas olharam curiosos com a agitação.

Quando o riso cessou, ficou apenas o silêncio contemplativo. Um por um, foram terminando de comer e indo se deitar.

Mas todos foram com o mesmo pensamento girando na mente:

Como dominar melhor essa habilidade? Como alcançar o limite daquilo que só agora começavam a entender?

O último dia de testes se aproximava... e com ele, as respostas — ou novas perguntas.