AMSTERDÃ, 1991.
Era a terceira lua de mel de Victor e Caroline, muito ricos, estavam sempre a viajar pelo mundo, principalmente para ver locações possíveis para instalação de seus hotéis - a rede de hotéis Laggerdoff, sobrenome de Victor passado para Caroline quando casaram em sua cidade natal, Nova York. Se conheceram numa festa de arrecadação de fundos para a ONU, Victor a sediou e Carolina o representou. Desde então nunca mais se separavam. Depois de muitas tentativas frustradas engravidou. Mas não tinham pensado que a criança viria tão rápido com apenas seis meses e meio de gestação.
No carro.
Amor.
Que foi?
Vai nascer.
Como assim, vai nascer?
Estou sentindo, vai nascer.
Rubens nos leve o mais rápido possível para o melhor hospital da cidade, é urgente! Na sala de parto. Catarina, minha doce Catarina. Sou seu pai, Catarina. Caroline, obrigado por essa benção.
NOVA YORK, 1991.
De frente para a estatua do touro de Wall Street, mais um escritório de finanças.
No sala.
Seu filho nasceu, Senhor.
Ótimo!
Ligue pra mãe, envie um buquê, o maior que houver, escreva alguma coisa no cartão, você sabe, você é mulher, dê a ela.
Sim, Senhor, algo mais?
Qual o nome que ela deu à criança?
Ângelo.
Bem, é isso, me avise se houver qualquer coisa.
No pensamento.
Aquela mulher... Deve ter furado a camisinha ou coisa que o valha.
NOVA YORK, 1995.
Na morada da família Laggerdoff, cobertura de um prédio neoclássico belíssimo de frente pro Central Park.
Na sala de estar.
Jaque, venha cá, agora!
Senhora Caroline, posso voltar aos meus afazeres, não consigo mais acompanhar Catarina?
Está bem, pode ir.
Mãe!
Não faça birra Catarina. Não há no mundo alguém que satisfará todos os seus caprichos.
Mas é muito errado, não quero viver num mundo assim.
Sua vida é a vida dos sonhos de qualquer um.
Pai! Pai!
Na porta de entrada.
Olá, minha princesa, finalmente cheguei. Olhe o que trouxe.
Que é? Que é?
Meu Deus!
Mãe, olhe o que o pai trouxe!
Catarina, não o beije tanto, não está com todas as vacinas.
É só um cachorro, deixe a menina brincar de se sujar, se quiser, amor.
NOVA YORK 1995.
Catarina Lemes, era uma mulher contida, introvertida e raramente saia de casa. Aristóteles passou a odiá-la, quando por meio da morte de Leandra, projetou na relação com Catarina todos os seus demônios.
No escritório.
Aristóteles, por favor compreenda, não posso me afastar do meu filho... Por favor, não faça isso comigo... Faço qualquer coisa que me peça, mas não isso.
Se é assim, vão os dois pra Berna, não gosto de tê-los por perto, mas esse pentelho é meu filho e deve estar preparado pras responsabilidades - sairá mais caro que o esperado, mas é o que tem pra hoje.
BERNA, 1998.
Na capital Suíça, local de lindos Alpes e de uma beleza encantadora.
Na sala de aula.
Crianças, olhem para cá: esta é nossa nova colega de sala de aula, Catarina. Pode-se sentar ao lado de Ângelo, Catarina. Prometo que vocês se darão muito bem.
No pensamento.
Que esse dia passe rápido.
Na classe.
Prazer, sou Ângelo como a Professora Angélica disse. Prazer Ângelo, sou Catarina, como a Professora disse. Então, já vou te dizer: jamais me procure, não tenho tempo para ser amigo de ninguém.
NEW JERSEY, 2000.
Virginia conhecerá Adão numa festa do aniversário de um aninho da filha de sua prima. Entre olhares trocados, decidiram dançar, mas desde o nascimento de seu filho...
Na entrada de casa.
Meu bebê lindo, olhe como ele é fofão, Adão.
Sim, sim, um bicho que vai comer toda nossa comida.
Porquê?
Não gostei da fuça desse teu filho.
Nosso filho.
Enfim, outra hora tenho essa conversa.
NOVA YORK, 2007.
Na cobertura dos Laggerdoff, duas crianças riam alto.
No pátio.
Como é bom ver Catarina se divertir tanto assim.
Gostei desse rapaz, ele é tão educado e a família dele é bastante adequada para Catarina.
Sabe, seria uma boa nos aproximarmos mais dessa família.
Pensei que seu foco era apenas na rede de hotéis.
É nisto que estou a pensar.
Na cozinha.
Senhor e Senhora Laggerdoff, gostaria se possível convidá-los para passar o ano-novo na casa de campo da minha família.
Ficamos muito gratos pelo convite, Ângelo. Pensaremos a respeito com muita consideração.
Obrigado.
Mãe, Pai, ele partirá hoje à tarde, por favor, aceitem.
Está bem, se os seus pais estiverem de acordo.
BERNA, 1997.
Era época de fim de ano, e o internato estava em profusão, finalmente as crianças veriam seus amados pais e mães.
Na aula de teatro.
Garotos e garotas, quero que apresentem suas melhores versões de Romeu e Julieta. Vocês sabem que todos os anos comemoramos o festival de fim de ano e não será diferente neste ano.
Eu quero ser Julieta! Não, eu quero! Eu que serei ela! Eu nasci para esse papel! Vocês não sabem de nada, eu sou Julieta! Não, eu sei essa estória de cabo a rabo...
Que garotas mais idiotas, tanto faz.
O que disse?
Me desculpem, acabei falando sem querer.
Pois agora que já anda sozinha, não terá nenhuma de nós, as idiotas, ridícula!
No pensamento, desta vez.
Gente, esse lugar não me faz bem, como eu queria voltar pra casa.
BERNA, 1998.
No dia da apresentação, uma travessura...
No teatro da escola.
Senhores e Senhoras, pais destas crianças incríveis, que no futuro comandarão nosso mundo, apresento a vocês: Romeu e Julieta.
*
Na plateia. Não vejo a hora: que luz é essa que brilha naquela janela?
É o leste, e Caroline é o sol.
Ó Victor, Victor! Por que és tu Victor?
*
No mesmo teatro, há um mês atrás.
Não sei por que motivos nos colocaram para fazer Romeu e Julieta.
Também, não sei e não quero fazer.
Decorar esse texto decrépito e batido.
Catarina, sei que não tivemos o melhor convívio até agora como colegas, mas quero te propor algo.
*
Na sacada.
Vem, vem, sua vespa; por minha fé, você está brava demais.
Se eu sou uma vespa, é melhor tomar cuidado com meu ferrão.
Meu remédio, então, é arrancá-lo
. Sim, se o tolo conseguisse encontrar onde ele está.
Quem não sabe onde uma vespa carrega seu ferrão?
Na cauda!
Na língua!
*
Na coxia.
Perfeito, Petruchio!
Por que fizeram isso? Estragaram com tudo! Meus pais vieram aqui ver a Julieta e vocês entregam a Megera, debocham de Shakespeare!
Não preciso esclarecer nada pra vocês.
Na sala da direção.
O que vocês fizeram com a minha peça?
Professora, não é sobre a sua peça. Se fosse por isso, faríamos os papéis mesmo a contragosto.
E o que é então?
São os nossos pais, professora, fizemos de sua festa uma provocação pra eles.
Direto para detenção.
NEW JERSEY, 2001.
A relação de Virginia e de Adão complicava-se cada vez mais.
Na sala de estar.
Por favor Adão, eu preciso de dinheiro pras fraldas do Felipe, pare de beber.
Esse Felipe não é meu.
É seu, já disse isso um milhão de vezes.
Pois é a cara do vizinho aqui do lado.
Você está bêbado, mais uma vez, como sempre.
Você pensa que é quem pra se dirigir assim comigo. Sou eu que sustento essa casa, eu bebo minha bebida o quanto eu quiser, você e seu filho que se ferrem.
No pensamento.
Se eu tivesse sabido o que ia me acontecer, eu jamais estaria com este homem. Como vou fazer com Felipe?