CAPÍTULO 5
O aroma do café se espalha pela cozinha, envolvendo tudo com seu calor reconfortante. O som da cafeteira, o leve tilintar dos talheres contra a porcelana, o murmúrio das páginas do jornal ao serem folheadas... Tudo é como sempre. Mas tudo é uma mentira. Estou sentada de frente para Hu Ge, com as mãos em volta da minha xícara de chá, observando-o ler o jornal com a mesma serenidade de sempre. Seu rosto, perfeitamente tranquilo, não mostra o menor sinal de cansaço ou culpa. Se alguém alheio à nossa vida nos visse, juraria que ele é um marido dedicado, um homem que aprecia um café da manhã tranquilo ao lado da esposa antes de começar mais um dia. Mas eu conheço a verdade. E essa verdade está me sufocando.
Tento me concentrar na colher com a qual mexo o chá. Cada volta é uma tentativa de me acalmar, de apagar a sensação de vazio que se instalou no meu peito. Hu Ge chegou tarde ontem à noite, deitou na cama como se nada tivesse acontecido, me abraçou com a mesma naturalidade de sempre. E eu, com as lágrimas presas na garganta, fingi dormir.
—Você dormiu bastante essa noite —comenta de repente, sem tirar os olhos do jornal.
Minha mão para por uma fração de segundo sobre a xícara antes de continuar o movimento.
—Sim —respondo suavemente, forçando um leve sorriso—. Estava cansada.
Ele assente, satisfeito com a resposta, e continua lendo. Não tem motivos para desconfiar. Não sabe que ouvi tudo.
Dou uma mordida pequena no meu café da manhã, mesmo sem nenhum apetite. Cada detalhe do momento se torna insuportável. O estalo da torrada na boca, o aroma do café que antes me confortava, até a luz dourada que entra pelas janelas e banha a mesa com um brilho acolhedor. Nada disso me acalma.
Meu marido deixa o jornal sobre a mesa e me olha.
—Amor, tem algo que preciso te dizer.
Levanto o olhar com aparente curiosidade.
—O que foi?
—Surgiu uma viagem de negócios —anuncia com naturalidade, inclinando-se para a frente—. Vou precisar sair da cidade por quatro dias.
Quatro dias. As mesmas datas que ele mencionou ontem à noite ao telefone com ela. Engulo em seco e aceno com calma.
—Ah... —murmuro, colocando a xícara de volta no pires com delicadeza—. Para onde?
—Xangai —responde sem hesitar—. Tem uma negociação importante com alguns investidores e eu preciso estar presente.
Xangai não me parece ser a cidade que ele mencionou para a amante, mas é uma boa escolha para a mentira. Incrível como ele mente com tanta fluidez. Mantenho minha expressão serena e respondo com compreensão:
—Mesmo que a notícia não me agrade, porque eu havia pensado em nós dois jantarmos no restaurante onde você me pediu em casamento e me fez tantas promessas, entendo que não pode recusar algo tão importante para sua empresa.
—No nosso restaurante? —ele pergunta com surpresa genuína—. Uau, não sabia que você tinha pensado nisso. Mas faremos isso quando eu voltar.
Meu marido, com toda a falsidade que pode existir no mundo, segura minha mão sobre a mesa. Seu toque é firme e quente, como sempre. Antes, esse gesto me transmitia segurança. Agora, só me provoca repulsa. Sorrio suavemente e acaricio sua mão com a ponta dos dedos.
—Não se preocupe —sussurro—. Vou cancelar a reserva e deixar para quando você tiver tempo. Vai ser bom relembrar tudo o que vivemos naquele dia.
No início ele me observa fixamente, mas logo se relaxa, e seus olhos mostram tranquilidade, como se realmente acreditasse que estou completamente convencida de que essa promessa ainda vale.
—Eu te amo, Yifei —diz, entrelaçando os dedos nos meus—. E vou sentir muito a sua falta nesses dias. Vou tentar ligar sempre que puder, mesmo estando ocupado.
Mordo o lábio, fingindo uma leve tristeza. Representar esse papel está sendo mais fácil do que imaginei.
—Eu também vou sentir sua falta.
Hu Ge sorri, satisfeito com minha resposta. A confiança dele em mim continua intacta. Mas ele deveria desconfiar... Deveria, porque não há nada mais perigoso do que uma mulher ferida pelo homem que mais amou.
Depois do café, ele se levanta calmamente e desaparece pelo corredor. Ouço o som de uma gaveta sendo aberta e fechada e, segundos depois, ele retorna com um pacote nas mãos.
—Tenho algo para você —diz, oferecendo a caixa embrulhada em papel preto acetinado com um laço dourado—. Não queria que pensasse que não me importo, então comprei isso há alguns dias.
Meu coração dispara. Um presente. Por um instante, a imagem do recibo da joalheria volta à minha mente. Será que tudo foi um mal-entendido? Eu hesito. Pela primeira vez em semanas, hesito. Hu Ge sempre me presenteou sem motivo. E se este for o presente da joalheria? E se tudo o que suspeitei até agora for um erro?
Minhas mãos tremem levemente ao pegar a caixa. Se for uma joia, isso vai significar que eu estava errada. Respiro fundo e desfaço o laço com cuidado. Dentro, cuidadosamente dobrada, está uma blusa de seda. Uma peça linda, do meu estilista favorito. Acaricio o tecido com os dedos, sentindo sua maciez. É um presente lindo, elegante, perfeitamente pensado. Mas não é uma joia. O ar pesa nos meus pulmões. Levanto o olhar e me esforço para manter a expressão neutra, mas não consigo impedir que a tristeza passe brevemente pelo meu rosto.
Hu Ge franze a testa.
—Você não gostou?
Reajo imediatamente.
—Não! É maravilhosa. Eu adorei —digo com entusiasmo, fingindo admiração.
Ele parece desconfiar.
—Então por que essa cara? Está decepcionada?
Balanço a cabeça rapidamente e abaixo os olhos, fingindo timidez.
—Não é isso... É só que... —Faço uma pausa e sorrio com melancolia—. Não consigo evitar pensar que você está me dando esse presente para compensar alguma coisa. Algo ruim, claro.
O rosto do meu marido empalidece na hora. Mas um segundo depois, ele recupera a cor e me sorri com ternura.
—Meus presentes são apenas formas de te mostrar o quanto eu te amo.
Mentiroso.
Falso.
Cretino.
Canalha.
Ele se inclina para me abraçar e eu permito. A fragrância do seu perfume é sufocante. Parece que despejou o frasco inteiro na roupa para esconder qualquer outro cheiro. Não precisava. Eu já descobri.
—Eu te amo, Yifei. —Me faz olhar para ele e beija minha testa.
As palavras são calorosas. Calorosas demais para alguém que, na noite anterior, prometia uma viagem com outra mulher. Calorosas demais para serem ditas à esposa que ele jurou amar para sempre.
Forço um sorriso e olho em seus olhos.
—Eu também te amo.
E com isso, o engano está selado.
*****
A porta se fecha atrás de mim com um leve clique. O dia mal começou, mas minha mente ainda está presa ao que aconteceu na mesa do café da manhã. As palavras de Hu Ge, sua promessa de me ligar, o olhar cheio de ternura — que agora me parece falso — se repetem na minha cabeça como um eco persistente. Caminho com calma pela calçada, ajustando a alça da bolsa no ombro enquanto tento focar no trabalho. Não quero pensar na viagem de Hu Ge, no jeito como ele me olhou quando prometeu me telefonar. Mas é impossível. Cada passo que dou parece arrastar o peso das minhas dúvidas.
Respiro fundo, tentando me acalmar. Não adianta me afundar naquilo que já sei. Ou, pelo menos, naquilo que acho que sei. Mas então, ao virar a esquina, algo me obriga a parar.
Um caminhão de mudança está estacionado a poucas casas de distância. Dois funcionários transportam cuidadosamente um piano de cauda preto brilhante, enquanto outros descarregam caixas e móveis que parecem saídos de uma revista de decoração. Franzo o cenho sem perceber. Aquela casa esteve vazia por meses, e agora, de repente, está cheia de movimento. Paro por um instante, observando a movimentação. Tudo que entra parece exclusivo, caro, perfeito demais. Não é uma mudança qualquer. Há algo na elegância dos objetos, no modo como os trabalhadores os tratam com reverência, que me chama a atenção.
Dois deles descansam ao lado do caminhão, cada um com um cigarro entre os dedos. Suas vozes chegam até mim com nitidez.
—Você viu a quantidade de coisa de luxo que essa mulher tem? —diz um deles, soltando uma risada.
—Normal, né? Arrumou um peixe grande —responde o outro, soltando a fumaça lentamente—. Em três meses a vida dela virou do avesso. De comercialzinho vagabundo pra uma casa dessas... Não foi por talento, pode apostar.
Continuo andando com o olhar à frente, como se não estivesse ouvindo. Mesmo assim, as palavras ficam gravadas na minha mente. Não consigo evitar a pergunta: quem é essa mulher? Como ela conseguiu subir tão rápido? E, acima de tudo, que tipo de peixe grande ela fisgou? As perguntas se acumulam, mas me forço a seguir em frente. Não é da minha conta. Ou pelo menos, é o que tento me convencer.
—As empregadas pediram pra gente tomar cuidado com as roupas —continua um deles—. São edições limitadas da Shen Fenhua.
O nome faz meus lábios se contraírem. Shen Fenhua. Minha estilista favorita. Não costumo encontrar muitas pessoas com o mesmo gosto, muito menos alguém que encha o guarda-roupa com peças exclusivas dela. É uma coincidência estranha — mas não impossível. Ainda assim, algo nessa informação me inquieta. Quem é essa mulher que compartilha meu gosto pelo luxo? E por que sua vida mudou tanto, tão de repente?
Antes que eu possa continuar refletindo, algo mais chama minha atenção. Do outro lado do portão, encostado na parede da entrada, há um enorme quadro ainda envolto em um tecido protetor e uma moldura dourada. Dois funcionários se aproximam para pendurá-lo no hall principal. Um deles retira a proteção, e meu peito se contrai.
É uma mulher. Alta, de traços elegantes, cabelo preto caindo em ondas perfeitas e lábios pintados de vermelho. Uma imagem marcante, daquelas que não se esquecem. Meus olhos percorrem o quadro com cuidado. Não reconheço o rosto de imediato, mas há algo nela que me parece familiar. Por que alguém teria uma imagem tão grande de si mesma logo na entrada da casa? É como se quisesse que todos soubessem quem ela é, que admirassem sua beleza, seu estilo. Mas... quem é ela?
Aperto os lábios e me obrigo a desviar o olhar. Não é da minha conta. Não deveria me importar. Balanço a cabeça com um suspiro leve e levanto a mão para chamar um táxi. Se eu ficar ali por mais tempo, vou começar a pensar demais em coisas que não me dizem respeito. Quando o carro para, entro com movimentos suaves e passo o endereço do meu escritório com voz firme.
Enquanto o veículo se afasta, minhas mãos repousam sobre o colo. Não tremem. Mas algo naquela casa não sai da minha cabeça. Algo naquela mulher, em seu luxo repentino, em seu retrato imponente, me deixa desconfortável...
CAPÍTULO 6
Cruzo o saguão da empresa com passos firmes, desviando dos funcionários que vão de um lado para o outro com pastas nas mãos e cafés na outra. O ambiente é o de sempre: dinâmico, barulhento, cheio de energia. O telefone toca sem parar na recepção, os teclados dos computadores martelam com rapidez e, ao fundo, alguém discute sobre a otimização de um projeto estrutural enquanto uma impressora despeja plantas em grande formato. Esse é o ritmo que conheço há anos, a vida que construí com esforço, o espaço onde sempre me senti no controle. Hoje, no entanto, sinto que estou caminhando por um cenário, como se tudo isso me pertencesse apenas no papel, mas não de verdade.
Respiro fundo antes de entrar na minha sala e fechar a porta atrás de mim. Aqui dentro, o ruído é abafado, mas não desaparece por completo. Minha mesa está impecavelmente organizada, exceto por uma pilha de documentos e uma xícara de café ainda quente que minha assistente deixou há pouco. No entanto, o que chama minha atenção não são os papéis nem a bebida, e sim as flores murchas no vaso no canto. Observo-as por um longo momento. Há algumas semanas, estavam frescas, vibrantes, um toque de cor neste espaço sóbrio. Agora, as pétalas estão secas, curvadas sobre si mesmas, e as folhas ganharam um tom escuro, murcho. Antes, eu não teria deixado que chegassem a esse estado.
Passo os dedos pela borda da mesa e noto outro detalhe. O porta-retrato que costumava estar ali já não está. Era uma foto minha com Hu Ge, tirada na nossa última viagem juntos. Tirei a foto dias atrás, mas agora o vazio que ela deixou parece gritante. Um leve toque na porta me tira dos pensamentos.
—Posso entrar? —pergunta uma voz familiar.
Antes que eu possa responder, a porta se abre. Na entra com a confiança de sempre, usando um elegante terno preto e saltos altos que ecoam pelo chão com segurança. Carrega uma pasta em uma mão e um cigarro na outra, girando-o entre os dedos sem acendê-lo. Seus olhos percorrem a sala rapidamente antes de se deterem nas flores.
—Nossa, Yifei —comenta com um tom casual, embora eu saiba que está analisando mais do que demonstra—. Desde quando você deixa as flores morrerem?
Forço um sorriso enquanto me sento atrás da mesa.
—Nem percebi.
Ela não diz mais nada, mas percebo seu olhar deslizando até o espaço vazio onde antes ficava a foto com Hu Ge. Não pergunta por ela. Não precisa. Em vez disso, joga a pasta sobre a mesa e se senta na minha frente com a mesma naturalidade de sempre.
—Vamos terminar isso rápido, assim você me paga um café decente —diz com um leve sorriso.
Agradeço por ela não pressionar. Na é assim: perspicaz, direta, mas sabe quando falar e quando se calar. Abrimos a pasta e revisamos os documentos. As cláusulas já haviam sido negociadas antes, então só repassamos os termos principais antes de assinar. Já fizemos isso tantas vezes que tudo se torna quase automático. Ao terminar, Na fecha a pasta com um estalo seco e a empurra para o lado. Eu me recosto na cadeira, esperando o típico comentário sarcástico que ela sempre solta após uma negociação. Mas, em vez disso, ela me encara.
—Agora me diga a verdade, Yifei —diz com um tom mais baixo—. Você ainda está com suspeitas ou já encontrou algo concreto?
O ar da sala muda. Não desvio o olhar de imediato, mas também não respondo logo. Em vez disso, suspiro e me esforço para manter a expressão serena.
—Não sei —murmuro finalmente. Não quero afirmar com certeza, porque embora tudo aponte para isso, ainda não tenho provas definitivas.
Na se reclina na cadeira e cruza as pernas com elegância, mas seu olhar continua fixo em mim.
—Você nunca imagina coisas à toa —diz, sem desviar os olhos—. Se está desconfiando, é porque alguma parte de você já sabe a verdade.
Meu peito se aperta com desconforto. Ela fala como se fosse a coisa mais simples do mundo, como se aceitar a verdade fosse tão fácil quanto admitir que as flores estão murchas. Mas não é. Porque aceitar a verdade implica tomar decisões — e eu ainda não estou pronta para isso.
Como se percebesse que o ambiente ficou pesado demais, Na suspira e muda de assunto com um tom mais leve.
—Quer saber o que minha mãe aprontou dessa vez?
Sua expressão se suaviza, e a minha também. Agradeço pela distração.
—Surpreenda-me.
—Ela foi ao vidente dela e voltou toda empolgada, dizendo que teve uma grande revelação sobre o meu futuro.
Levanto uma sobrancelha, intrigada.
—E o que o destino te reservou dessa vez?
Na apaga o cigarro no cinzeiro e me encara com expressão zombeteira.
—Um marido!
Levo um segundo para processar o que ela acaba de dizer. Depois, a risada escapa sem controle.
—Não é possível. Um marido, pra você?
—Você acredita? —Ela levanta as mãos com um gesto dramático—. Já falei pra minha mãe parar de gastar dinheiro com esse vidente de meia tigela. Eu nunca vou ter marido. Isso é pura ilusão.
As duas rimos ao mesmo tempo, e o som da risada ecoa pela sala com um tom estranho — como se fosse algo raro ali dentro. É a primeira vez em semanas que me permito rir de verdade. Na se recosta no sofá com um sorriso satisfeito.
—É isso que eu quero ver em você, Yifei. Quero te ver rindo assim de novo.
Apoio o cotovelo na mesa e deixo o queixo descansar sobre a mão, ainda com um sorriso nos lábios.
—Então vai ter que vir mais vezes.
Ela sorri e se levanta, pegando a pasta antes de seguir em direção à porta.
—Eu virei. E da próxima vez, espero ver flores novas.
Assinto levemente, mas não respondo. Porque, na verdade, ainda não sei se quero substituir aquelas flores.
A porta se fecha atrás dela, e o barulho da empresa volta a preencher tudo ao redor. Olho novamente para o vaso, com as pétalas curvadas sobre si mesmas. Algo dentro de mim parece igualmente murcho.
Mas, pelo menos por alguns minutos... eu esqueci.
*****
O eco dos meus próprios passos ressoa pela casa quando fecho a porta atrás de mim. Não acendo as luzes. Não há necessidade. A penumbra da tarde atravessa as cortinas e projeta sombras suaves sobre os móveis impecáveis. O lar que construímos juntos continua o mesmo, mas há algo no ar, na quietude dos cômodos, que já não pertence ao calor de um casamento.
Antes, quando eu entrava depois do trabalho, era recebida pelo aroma do incenso de sândalo que costumava acender no hall, o murmúrio distante da música instrumental que tocava nas caixas de som, as luzes quentes iluminando cada canto. Antes, esta casa era um santuário. Agora é um espaço vazio, sem alma, onde as sombras do que fomos desaparecem aos poucos.
Deixo minha bolsa sobre o aparador com um gesto calculado e fico imóvel por alguns instantes. Sei por que estou aqui. Não voltei para descansar nem porque há algo urgente a fazer. Voltei para procurar. Para encontrar o que já sei.
Minhas mãos estão frias, mas minha mente está afiada. Não vou deixar que a raiva me cegue. Não vou cometer o erro de agir sem pensar. Respiro fundo e cruzo o hall com passos firmes. Subo as escadas com a mesma calma de quem decide algo trivial. Não sei exatamente o que espero encontrar, mas se tem algo que aprendi nos últimos dias, é que as mentiras sempre deixam rastros.
O quarto está em perfeita ordem. Demasiado perfeito. As almofadas em seus lugares, a cama impecavelmente arrumada, o tapete sem uma única dobra. Quase como se ninguém dormisse aqui. Meu olhar percorre o closet, detendo-se na parte que pertence a Hu Ge. Suas camisas estão penduradas com precisão milimétrica, os paletós organizados por cor, os sapatos lustrados como se nunca tivessem sido usados. Tudo está exatamente como deveria estar — e, ainda assim, algo não se encaixa.
Caminho devagar até a prateleira onde ele guarda os acessórios. Passo os dedos pelas caixas de gravatas, reconhecendo algumas que eu mesma comprei. Mas há uma que não me é familiar. A textura é diferente, o design mais discreto, o material mais caro. Não é o estilo dele. Nem o meu.
Meus dedos a seguram lentamente, sentindo o peso nas mãos. Não sei o que me leva a abri-la, mas ao levantar a tampa, um pequeno objeto cai sobre a seda da gravata, como se tivesse estado escondido ali o tempo todo.
Uma gravata. E, enrolado nela, um cartão de hotel. Desgastado, como se tivesse sido usado mil vezes.
Meu coração para por um instante antes de bater com uma força dolorosa contra minhas costelas. Seguro o cartão com a ponta dos dedos, como se o simples contato pudesse me queimar. É de um hotel de luxo. Um dos mais exclusivos da cidade.
Fecho a caixa com a mesma calma com que a abri e saio do closet. Caminho até a cama e lanço o cartão sobre o edredom, como se não suportasse tê-lo em mãos nem por mais um segundo. Fico ali, olhando para ele na penumbra do quarto, sentindo o frio escorrer pela minha pele.
Não sinto raiva. Não sinto desespero. Só um vazio que se expande no peito a cada segundo. Algo dentro de mim se apagou. Não dói. Não despedaça. Apenas esvazia.
Sem pensar muito, vou até o banheiro e abro o registro do chuveiro. O som da água preenchendo o ambiente é a única coisa que rompe o silêncio. Tiro a roupa com movimentos mecânicos e a dobro com precisão antes de entrar debaixo da água quente. O vapor cobre o espelho, embaçando qualquer reflexo. Não quero me ver.
Encosto a testa nos azulejos frios e fecho os olhos. A imagem do cartão ainda está gravada na minha mente. Sua presença continua pesando sobre a cama, esperando ser encarada.
Voltei com a determinação de encontrar um erro na perfeição — e encontrei. Mas agora... o que faço com isso?
Eu poderia ligar para o hotel e perguntar se há reservas no nome de Hu Ge. Mas... e se ele usou outro nome para não deixar rastros? Poderia fingir ser sua assistente, inventar qualquer desculpa, perguntar se ele esqueceu algo na última estadia.
Minha respiração é lenta e profunda. A água continua escorrendo pela minha pele, mas minha mente já não está aqui. A certeza da traição deixou de ser uma suspeita. Agora é real. Tangível. Algo que posso segurar entre os dedos.
Quando saio do banho, enrolada no roupão de seda, o banheiro está coberto de vapor. Caminho descalça de volta ao quarto, deixando pegadas no chão com cada passo. Paro diante da cama. O cartão ainda está lá, inalterado, como uma prova irrefutável do que eu mais temia.
Estendo a mão e o pego de novo, observando com atenção. Em outro momento, talvez eu duvidasse das minhas suspeitas, tentasse acreditar que havia uma explicação lógica. Mas agora, depois de tudo que vi, depois de tudo que senti, não há mais espaço para ingenuidade.
Justo quando minha mente começa a debater o próximo passo, o som do celular rompe o silêncio.
Um arrepio percorre minha espinha.
Pego o aparelho no criado-mudo, certa de que é Hu Ge. Ele não ligou o dia todo, e não me surpreenderia se agora, como se sentisse algo, tentasse me contactar.
Mas o visor mostra algo diferente. Um número desconhecido.
Hesito por um instante antes de desbloquear. Um único mensagem aparece na tela, com letras frias e sem contexto:
“Seus dias de felicidade acabaram. Agora sou eu quem aproveita seu marido.”
Meus dedos congelam sobre a tela. O ar ao meu redor fica pesado. Não sei quanto tempo passo olhando para aquelas palavras, incapaz de reagir.
O celular escorrega das minhas mãos e cai no chão com um som seco. Não me abaixo para pegá-lo. Não consigo me mover.
Na penumbra do quarto, com os cabelos ainda úmidos grudados na pele e o cartão de hotel tremendo entre meus dedos, a certeza da minha realidade se impõe com uma brutalidade cruel.
Não há escapatória.
CAPÍTULO 7
Não dormi.
O amanhecer chegou sem aviso, e quando olhei para o criado-mudo, o relógio digital marcava sete horas. Não fechei os olhos nem por um segundo. O cartão do hotel ainda estava lá, intacto, esperando que eu fizesse algo com ele. Esperando uma reação, uma decisão, qualquer coisa. Mas eu não o toquei novamente. Não guardei, nem joguei fora. Também não liguei para o hotel. Eu não tinha respostas — e, por agora, também não estava procurando por elas.
A mensagem de ontem à noite continua gravada na minha mente, repetindo-se sem parar:
"Seus dias de felicidade acabaram. Agora sou eu quem aproveita seu marido."
Li tantas vezes que as palavras começaram a perder o sentido. No início, tentei entender quem havia enviado, se era uma brincadeira, um engano ou uma mentira maldosa. Mas eu sabia que não era. O que mais me atormentava não era a existência da mensagem, e sim a certeza de que, além de lutar com meus próprios pensamentos, eu teria que enfrentar os joguinhos da amante do meu marido.
Agora estou no meu escritório, sentada atrás da mesa com os cotovelos apoiados sobre a madeira polida. Meus funcionários trabalham como em qualquer outro dia. Ouço o teclar dos computadores, o som das impressoras e os telefones tocando sem parar, mas tudo parece distante — como se eu estivesse separada da realidade por um vidro invisível. O café sobre minha mesa já está frio. Não bebi nem um gole.
Meus dedos repousam sobre a tela do celular, imóveis. Não sei se devo desbloqueá-lo. Não sei se quero ver aquela mensagem outra vez, se quero responder, se quero ligar para Ge. Uma parte de mim grita para que eu o faça, que enfrente o que está acontecendo, que exija respostas. Mas outra parte — mais forte — me diz que ainda não é a hora.
Decido me distrair. Deslizo o dedo na tela e abro meu aplicativo de notícias. Quero ler algo banal, qualquer coisa que me ajude a afastar os pensamentos da cabeça, nem que seja por alguns minutos. Mas o primeiro título que vejo na seção de entretenimento não tem nada a ver com economia nem política. É um nome.
A atriz. Minha vizinha.
Franzo a testa, não por vê-la ali, mas pela surpresa. Há poucos dias vi a mudança dela no bairro, e agora, segundo a matéria, ela está em Paris transmitindo ao vivo para os seguidores. Não é algo que me interesse especialmente. Não costumo prestar atenção à vida de celebridades nem me prendo a esse tipo de notícia. Mesmo assim, meus olhos ficam fixos na tela. Deslizo o dedo para baixo e vejo o link direto para a transmissão ao vivo.
Não sei por que hesito. Não deveria me importar com o que ela faz. É só uma vizinha. Talvez eu só queira ver um pouco do estilo de vida dela, conhecer melhor quem vai morar perto. Não tem nada de errado nisso.
Meu dedo pressiona a tela...
A imagem demora alguns segundos para carregar. Quando aparece, vejo ela. Alta, linda, com o cabelo solto caindo nos ombros em ondas perfeitas. O sorriso que enfeita o rosto é deslumbrante. Fala com segurança, como se o mundo inteiro estivesse ao alcance das mãos.
— Olá, meus amores! — diz com voz doce e entusiasmada. — Estou tão feliz de compartilhar esse momento com vocês. Paris está incrível!
O fundo é estonteante. Ela está numa suíte de hotel de luxo, com janelas enormes que mostram uma vista panorâmica da cidade. Ao longe, a Torre Eiffel se ergue majestosa, iluminada pela luz da manhã.
— Acabamos de tomar café numa varanda maravilhosa — continua — Croissants, café, morangos com chantilly... tudo delicioso.
Sorrio levemente. Ela parece feliz. Baixo os olhos por um instante, prestes a sair da transmissão. Não tem nada ali que me interesse.
No entanto, quando volto a olhar a tela, algo muda. Minha respiração desacelera, como se o corpo pressentisse o que minha mente ainda não processou.
A atriz continua falando, gesticulando com elegância, mas o que chama minha atenção não é o rosto nem o luxo ao redor. É o que ela usa no pescoço.
Um lenço. Um lenço de grife, amarrado com elegância, cobrindo parcialmente a pele. A princípio, não dou muita importância. Mas algo na cor, no padrão, no tecido me causa um arrepio.
Aproximo a tela. Meus olhos analisam os detalhes do design, a costura, o acabamento. Não. Não pode ser.
Sinto um vazio no estômago. Aquele lenço... não é qualquer lenço. Eu comprei.
Eu mesma encomendei de um designer exclusivo. Foi um presente para Hu Ge, no aniversário dele. E eu sei que não existem dois iguais.
Então, a atriz inclina a cabeça e, por um breve instante, o pescoço fica exposto.
As marcas na pele aparecem claramente.
Um vertigem insuportável me atinge. O ar fica pesado. Não consigo respirar.
E então vejo algo mais... Os óculos de sol. Enormes, com lentes escuras e espelhadas. E no reflexo delas… há uma silhueta.
O batimento no meu peito se torna doloroso. Meu corpo perde as forças. As peças se encaixam de uma vez só.
Paris. Ela. O lenço. As marcas no pescoço. O reflexo nos óculos. A mensagem que recebi ontem.
"Seus dias de felicidade acabaram."
Levanto bruscamente da cadeira, mas minhas pernas falham. Minha cabeça gira. O som da risada dela ainda ecoa no escritório. Mas eu não a escuto mais. O ar não entra nos meus pulmões. Tento respirar, mas não consigo. Sinto a pressão no peito aumentar, como se algo invisível me empurrasse para o fundo, me arrastando para um abismo sem retorno.
Dou um passo trêmulo. O sofá. Tento alcançá-lo. Mas meu corpo já não responde. O chão desaparece sob meus pés.
Escuridão…
*****
Uma luz tênue atravessa minhas pálpebras fechadas. É um brilho frio, artificial, que não tem o calor familiar da penumbra do meu quarto. Não preciso abrir os olhos para saber que não estou em casa. O ar tem aquele cheiro estéril, levemente químico, que só existe em hospitais. Um aroma que te lembra que ali, naquele lugar, a vida e a morte coexistem — onde as emoções se dissolvem sob a frieza das máquinas e das paredes brancas.
Tento mexer os dedos, mas meu corpo está pesado, como se eu tivesse dormido por dias, mergulhada em um sono do qual não conseguia acordar. Há um apito rítmico ao fundo, uma máquina monitorando meus sinais vitais, e uma sensação incômoda no dorso da mão — onde uma agulha conectada a um soro me lembra que não tenho mais controle sobre a minha vida. O som é constante, como um lembrete de que meu coração ainda bate, mesmo que, por dentro, algo tenha se quebrado para sempre.
Com esforço, abro os olhos.
O teto branco e a luminária circular pendurada ao centro me recebem com sua frieza impessoal. O quarto é sóbrio, sem decoração além de uma cortina de tecido claro dividindo o espaço, como se tentasse proteger minha intimidade num lugar onde a privacidade é um luxo. Um pequeno móvel com medicamentos e um copo d’água repousa ao lado da cama, e no ar flutua o leve aroma de desinfetante — misturado com algo mais quente e familiar que não consigo identificar. Talvez o cheiro dos lençóis recém-lavados, ou talvez o vestígio de alguém que esteve aqui, cuidando de mim em silêncio.
Minha respiração é lenta, controlada, como se meu corpo ainda estivesse processando o que aconteceu. Não lembro o momento exato em que perdi a consciência. Só sei que estava no meu escritório, que a imagem no celular me atingiu como uma martelada, que tentei me mover... e então, escuridão. Agora, aqui, neste quarto frio e silencioso, sinto que o mundo continuou girando sem mim — e que voltei para um lugar que já não reconheço.
Um leve movimento à minha esquerda me tira dos pensamentos.
— Ah, até que enfim você acordou.
O tom é caloroso, firme, com aquela mistura de doçura e autoridade que só mulheres mais velhas conseguem usar com naturalidade. É uma voz que reconheço na hora, embora não esperasse ouvi-la aqui.
Viro lentamente a cabeça e a vejo.
Uma mulher de cabelos escuros com alguns fios grisalhos bem cuidados, presos num coque elegante. O rosto é sereno, com pequenas rugas marcadas na testa e ao redor dos olhos, mas suas feições ainda conservam a força da juventude. Ela me olha com uma mistura de alívio e severidade, como se estivesse esperando este momento para me dar uma bronca. É dona Li, a mãe da Na. Uma mulher que sempre esteve por perto, como um farol no meio da tempestade — mesmo sem nunca ter sido minha mãe.
— Dona Li… — murmuro, reconhecendo-a com a voz rouca, como se minhas cordas vocais tivessem esquecido como funcionar.
Ela resmunga, ajeitando-se na poltrona ao lado da cama com a elegância de quem passou anos cuidando dos outros.
— Então você ainda sabe quem eu sou. Pensei que seu desmaio tivesse sido mais sério.
Tento me sentar, mas a tontura me golpeia de imediato. Minha cabeça pulsa com uma dor surda, como se alguém a estivesse apertando com as duas mãos. Solto um gemido involuntário e fecho os olhos por um momento, esperando que passe. O mundo parece oscilar, como se estivesse prestes a desabar de novo.
— Você não pode se mexer demais — ela adverte, com aquele tom de mãe que não dá espaço para discussão. — O médico disse que foi um episódio de estresse extremo. E, pra completar, mencionou que você não anda comendo direito.
Abro os olhos e encontro seu olhar atento, as sobrancelhas erguidas. Não há julgamento no rosto dela, apenas uma preocupação genuína. É a primeira vez, em muito tempo, que alguém me olha assim. Como se realmente se importasse com o que acontece comigo. Como se eu fosse mais do que um problema a ser resolvido.
Tento afastar a sensação de vulnerabilidade que me invade. Meus dedos se agarram ao lençol branco com força, procurando algo sólido em meio ao turbilhão dentro da minha cabeça. Preciso me ancorar a alguma coisa, a alguém, mesmo sem saber como.
— Como... eu cheguei aqui? — pergunto, sem ter certeza se quero mesmo saber a resposta.
Dona Li suspira, como se o peso da situação fosse grande até para ela.
— Um dos seus funcionários chamou o resgate. Disseram que você desmaiou no escritório.
— Ela faz uma pausa, como se estivesse escolhendo com cuidado as palavras antes de continuar —. Primeiro ligaram para o seu marido, mas como ele não atendeu, entraram em contato com a Na. Como ela está viajando a trabalho, me pediu para cuidar de você.
Uma dor aguda no coração me faz vacilar por dentro, mas logo me recupero. Porque a ideia de que alguém se preocupou o suficiente para vir até aqui… me conforta. Estou acostumada a resolver tudo sozinha, a ser forte, a não me permitir cair. Ainda assim, saber que foi ela quem veio... me consola de um jeito estranho. Como se, em meio a todo esse caos, eu tivesse encontrado um pequeno refúgio.
— Obrigada… — sussurro, sem saber exatamente por quê. As palavras escapam da minha boca antes que eu consiga contê-las, e até me surpreendem.
Ela me observa por um instante antes de balançar a cabeça com um leve sorriso.
— Não me agradeça ainda. Ainda não terminei de te dar bronca.
O tom é sério, mas sua expressão é gentil. Ela me lembra a mãe que nunca tive. A mãe que sempre quis ter...
Cresci numa casa onde a traição destruiu tudo. Quando meu pai descobriu que minha mãe o traía, ela foi embora com o amante e nunca mais voltou. Naquele dia, perdi os dois. Meu pai, consumido pela dor, nunca mais foi o mesmo. Tornou-se um homem frio, distante, alguém que só falava comigo quando se tratava de negócios. No dia em que me deixou a empresa, despediu-se com um aperto de mão — e depois desapareceu com a nova esposa. Nunca me ligou. Nunca perguntou como eu estava. Nunca olhou para trás.
Talvez por isso, quando me casei com Hu Ge, pensei que estava construindo o que nunca tive. Acreditei que finalmente teria uma família. Um lar. Alguém que me amasse de verdade.
E agora, essa ilusão desmoronou da maneira mais cruel possível.
— No que você está pensando?
A voz da dona Li me puxa de volta. Olho para ela e, por um instante, sinto que ela pode ver através de mim, que conhece cada segredo, cada ferida.
Solto um suspiro.
— Em nada importante.
Ela não insiste. Não precisa. Em vez disso, segura minha mão com delicadeza, como se quisesse me passar algo além das palavras. Seu toque é quente, reconfortante, e por um momento, me permito sentir segurança.
— Na vida, tudo tem solução, menos a morte.
A voz dela é firme, sem dramatismos. A voz de quem já viveu o bastante para saber que a dor nunca é eterna.
— Quando eu era jovem, sonhava em ser bailarina — continua com um sorriso melancólico —. Me imaginava em grandes palcos, sob refletores iluminando cada passo. Mas eu não tinha talento.
— Ela faz uma pausa e ri suavemente, como se lembrasse com ternura da jovem ingênua que foi —. Tentei muitas vezes. Fracassei mais ainda. E quando finalmente aceitei, a vida me levou por outro caminho. Hoje sou feliz, mesmo sem ter realizado aquele sonho.
As palavras dela pairam no ar, cheias de uma sabedoria que só se conquista com o tempo.
Eu a ouço, mas não consigo encontrar a ligação entre a história dela e a minha.
De que adianta tudo isso quando a traição destruiu o pouco que restava do meu coração?
Ela percebe meu silêncio e sorri de lado. Não espera que eu entenda tudo agora. Sabe que a dor precisa de tempo para cicatrizar.
Então, sem dizer mais nada, ela tira algo da bolsa.
— Vou te fazer um favor. Um que você precisa neste momento.
Ela me entrega um cartão. Minhas mãos trêmulas o recebem e meus olhos leem o nome impresso em letras elegantes:
Dr. Walter — Curador. Vidente. Psicólogo.
Franzo a testa ao lembrar que a Na já havia mencionado a obsessão da mãe por consultar videntes.
— Minha filha diz que ele é um charlatão — comenta, como se lesse meus pensamentos —, mas eu confio nele. Já ajudou muita gente e pode ser sua tábua de salvação.
Levanto os olhos e encontro seu olhar sereno.
— Marque uma consulta com ele — continua —. Às vezes, a vergonha nos impede de pedir ajuda a quem está por perto.
Pressiono os lábios e encaro o cartão por um longo momento. Não acredito nesse tipo de coisa.
Não acredito em videntes nem em curadores.
Mas, por alguma razão, não consigo rejeitar.
Talvez porque, agora, eu esteja disposta a tentar qualquer coisa.
Um aroma familiar interrompe meus pensamentos.
A dona Li abre uma marmita e a coloca sobre a mesa. Lá dentro, há comida caseira ainda quente. O cheiro de sopa de frango com legumes frescos se espalha pelo quarto, e pela primeira vez em semanas, sinto um traço de fome.
CAPÍTULO 8
O som do motor se cala, deixando apenas o eco do silêncio. O motorista me observa pelo retrovisor. Seus olhos refletem uma mistura de curiosidade e preocupação. Espera que eu desça, mas permaneço imóvel, como se o banco do carro fosse o último refúgio que me resta.
— A senhora precisa de ajuda? — pergunta, com uma voz suave que parece tentar atravessar a barreira do meu silêncio.
Demoro alguns segundos para reagir. Preciso de ajuda? A pergunta ecoa na minha mente, mas não encontro uma resposta clara. Como alguém poderia me ajudar se nem eu sei o que preciso?
— Não — respondo em voz baixa, quase um sussurro, enquanto abro a porta com as mãos trêmulas. Meus dedos se agarram à moldura como se fosse meu único salva-vidas, embora eu saiba que não posso permanecer aqui para sempre.
Desço devagar, mas minhas pernas estão fracas, como se não estivessem realmente conectadas a mim. Cada passo exige esforço, o chão parece instável sob meus pés. À minha frente, a mansão ergue-se com sua estrutura moderna imponente, enormes janelas de vidro e design impecável. É a mesma casa onde vivi por anos, o lugar que um dia chamei de lar. Agora parece diferente. Estranha. Hostil.
Sinto-me uma estrangeira diante da própria casa...
Caminho com passos inseguros até a entrada e paro antes de cruzar o limiar. Uma pressão me aperta o peito, como se meu corpo tentasse me alertar de que algo está errado. Que esse lugar já não é seguro. Que já não é meu. Respiro fundo, mas o ar não alcança meus pulmões. Cruzo a porta.
O silêncio é a primeira coisa que me atinge.
Antes, havia vida. A presença de Hu Ge estava em cada canto — no som dos passos nos corredores, no perfume impregnado nos ambientes, no tique-taque do relógio sobre a escrivaninha enquanto ele trabalhava até tarde. Agora, nada. Apenas um vazio que parece ter engolido tudo o que um dia foi familiar.
Fecho a porta atrás de mim e deixo a bolsa sobre a mesa do hall. A casa continua perfeita, impecável, mas a sensação é de que está morta. Como se a alma que um dia habitou aqui tivesse desaparecido.
Avanço devagar até a sala principal. Cada móvel está em seu lugar, cada detalhe igual... As almofadas que compramos no primeiro ano de casados, a mesinha onde costumávamos deixar xícaras de chá esquecidas, o retrato que retirei semanas atrás e nunca mais pendurei. Nada disso me pertence mais.
Meu lar se transformou numa jaula.
O nó na garganta se aperta, e sinto que vou sufocar. Preciso sair. Preciso escapar deste lugar que agora me asfixia.
Meto a mão na bolsa e procuro o celular com pressa. Não tenho um nome em mente — só uma necessidade desesperada de encontrar um ponto de fuga. Desbloqueio a tela e deslizo pelos contatos, mas não encontro ninguém a quem ligar. Ninguém que possa entender o que estou sentindo sem que eu me envergonhe por isso.
Então eu a vejo...
Aquele cartão. O cartão que a dona Li me deu no hospital ainda está comigo, perto de mim. Seguro-o com as mãos trêmulas e o examino, como se as palavras impressas pudessem me dar alguma resposta. Meu primeiro impulso é largar e esquecer. Não acredito em curandeiros nem videntes. Não acredito em soluções mágicas. Mas também não acreditava na traição de Hu Ge... e mesmo assim, ela é real. Tão real quanto a dor que me consome agora.
Meus dedos tremem ao discar o número. Um... dois... três toques.
— Boa tarde.
A voz é profunda, serena, com uma calma absoluta que me provoca um arrepio. Ele não pergunta quem sou. Apenas fala, como se estivesse esperando a minha ligação. Umedeço os lábios, sentindo-os secos.
— Oi… Meu nome é Bai Yifei. — Minha voz soa tensa, quebrada. — Recebi seu contato de uma amiga... bem, na verdade da mãe de uma amiga. Gostaria de marcar uma consulta com o senhor.
O silêncio na linha dura apenas um instante.
— Acho que agora é um bom momento.
Meu corpo se enrijece.
— Agora?
— Sim. — O tom continua tranquilo, sem a menor hesitação. — Vou lhe enviar o endereço. Você pode vir em duas horas?
— Posso — respondo.
Há algo na forma como ele fala que me arrepia. Não são as palavras em si, mas a certeza com que as diz. Como se isso não fosse apenas uma consulta... mas algo que já estava escrito.
— Obrigada… — murmuro, sem saber exatamente por quê.
— Não me agradeça até que eu consiga curar a ferida do seu coração. — Ele desliga.
Minha respiração congela.
O ar me abandona de repente. Meus dedos apertam o celular com força, como se fosse a única coisa que me mantivesse conectada à realidade. Ele não me conhece. Não sabe nada sobre mim. Então... como pode dizer aquilo com tanta segurança?
Minhas pernas falham, e por um momento, preciso me sentar. A casa ainda está em silêncio, mas já não é um silêncio vazio. Agora, o eco das palavras dele preenche tudo.
Fecho os olhos. Eu não estou bem. E esse homem entendeu isso em segundos.
Levanto de supetão. Não posso ficar aqui. Olho ao redor, para o cenário da vida que pensei ter. Cada objeto, cada lembrança, cada detalhe está impregnado da presença de um homem que já não me pertence. Esse lugar me sufoca.
Pego o casaco no cabideiro com as mãos trêmulas. Não me importo em checar minha aparência, se o cabelo está desarrumado ou se ainda carrego o cheiro do hospital. Nada disso importa agora.
Caminho até a porta, mas antes de abri-la, paro. Olho a casa uma última vez. Não sei se é uma despedida ou uma aceitação. Expiro com força e abro.
O ar frio da tarde bate no meu rosto, menos opressor que o ar lá dentro. Dou um passo. Depois outro. Não olho para trás.
Estou indo ao encontro do Curador.
*****
O táxi avança pela cidade iluminada, mas não vejo as placas nem os rostos dos transeuntes. Minha mente está presa em um turbilhão de pensamentos, como se cada lembrança dos últimos dias tivesse se transformado em uma faca afiada que gira sem parar dentro de mim. Ge, o lenço, o reflexo nos óculos, a mensagem da amante, o colapso no meu escritório. Tudo se repete na minha cabeça, uma e outra vez, sem me deixar respirar.
Fecho os olhos com força, tentando bloquear as imagens, embora seja inútil. Tudo parece irreal, como se eu estivesse presa em um pesadelo do qual não consigo acordar. No entanto, eu sei que é verdade. A dolorosa e devastadora verdade.
O carro freia bruscamente, e o motorista me olha pelo retrovisor.
— Chegamos, senhora.
Pisco várias vezes antes de reagir. Meu corpo parece mais pesado do que o normal, como se tivesse envelhecido mil anos em apenas um dia. Pago a corrida com as mãos trêmulas e desço do carro, sentindo o ar frio da noite bater no meu rosto. O táxi desaparece no trânsito, me deixando sozinha em frente ao prédio onde está o curandeiro.
Não é um lugar escondido nem sombrio, como eu havia imaginado. É um prédio comum, sem luxo nem símbolos místicos. As pessoas passam pela calçada sem prestar atenção, absorvidas em suas próprias vidas. O mundo segue seu curso, como se o que estou prestes a fazer não tivesse importância alguma. Mas para mim, este momento é um começo. Se eu entrar, nada será como antes.
Um arrepio percorre minha espinha enquanto subo os degraus lentamente. Cada passo ecoa dentro de mim, como se cada movimento me levasse mais perto de uma verdade que não tenho certeza se quero encarar. Quando chego ao segundo andar, vejo a letra A na porta. Paro, hesitante.
Meus dedos tremem antes de se levantarem para tocar a madeira. O que estou fazendo aqui? Por um instante, quero me virar e ir embora. Ainda tenho a opção de fugir. Mas não o faço. Respiro fundo e bato suavemente à porta. O som ecoa nos meus ouvidos como um chamado distante.
Alguns segundos depois, ela se abre.
CAPÍTULO 9
O cheiro de incenso é a primeira coisa que me atinge. Não é floral nem doce. É um aroma profundo, denso, como o que se sente em templos antigos, onde o tempo parece ter parado e o ar está carregado de séculos de orações e silêncios. A fumaça flutua no ambiente, formando espirais que se entrelaçam com a luz suave das lâmpadas. É um cheiro que envolve, que faz você se sentir pequena e, ao mesmo tempo, parte de algo muito maior.
Meus olhos encontram os dele. Azuis. Brilhantes. Intimidadores. Não é um ancião de túnica com colares estranhos. Não é um místico com uma bola de cristal nas mãos. É um homem de meia-idade, calvo, com alguns fios grisalhos nas sobrancelhas que lhe conferem um ar de sabedoria sem precisar dizer nada. Seu rosto é sereno, mas há algo no seu olhar que parece enxergar além do evidente, como se pudesse ler cada um dos meus pensamentos, cada uma das minhas feridas.
— Entre. Não fique parada aí.
Sua voz não é apenas um som. É como uma vibração que me atravessa, acalmando meus nervos e ao mesmo tempo despertando ainda mais minha curiosidade. Há autoridade em seu tom, mas não é autoritária. É uma voz que convida à confiança, como se ele soubesse que estou à beira de um abismo e estivesse disposto a segurar minha mão para que eu não caia.
Dou um passo. Depois outro. Cruzo o limiar. A porta se fecha atrás de mim com um estalo suave, e o som ressoa nos meus ouvidos como um eco distante. Não há mais volta. Estou aqui, neste lugar que não parece pertencer ao mundo que conheço, diante de um homem que parece saber mais sobre mim do que eu mesma estou disposta a admitir.
O apartamento é pequeno, mas não claustrofóbico. As paredes têm uma cor quente, e as luzes suaves criam um ambiente que convida à calma. Em um canto, um aquário iluminado com luz suave chama minha atenção. Os peixes laranjas nadam tranquilamente, como se não tivessem nenhuma preocupação no mundo. É um contraste estranho com o turbilhão que sinto por dentro.
Walter caminha calmamente até o centro do cômodo, onde há um pequeno sofá e uma mesa baixa com um livro aberto. Não há símbolos místicos, nem velas, nem objetos estranhos. Tudo é simples, quase comum, e isso me desconcerta ainda mais. Eu esperava algo mais... teatral. Mas isso — essa normalidade — é o que mais me inquieta.
— Sente-se — diz ele, apontando para o sofá com um gesto gentil.
Obedeço, sentindo minhas pernas cederem sob o peso do meu corpo. Minhas mãos estão frias, e as coloco sobre os joelhos, tentando acalmá-las. Walter se senta em frente a mim, seu olhar fixo no meu. Não há pressa em seus movimentos, nem tensão em sua postura. É como se o tempo tivesse parado para ele, e agora estivesse disposto a pará-lo também para mim.
— Como você está? — pergunta, com uma voz que parece ressoar nas profundezas do meu ser.
Eu poderia mentir. Poderia dizer que estou bem, que está tudo sob controle, que não preciso de ajuda. Mas as palavras me escapam antes que eu possa detê-las.
— Assustada — sussurro, percebendo como a vulnerabilidade toma conta de mim.
Ele não se surpreende. Apenas assente, como se já soubesse. Como se tivesse visto esse momento milhares de vezes, em milhares de pessoas, e soubesse exatamente o que eu preciso ouvir.
— Confie em mim — diz ele, segurando minhas mãos entre as dele —. Não vou te machucar. Estou aqui para te ajudar.
Seu toque é quente, reconfortante. Não há tensão. Não há julgamento em seus olhos. E, pela primeira vez em muito tempo, sinto que não preciso me defender. Que posso baixar a guarda, mesmo que por um instante.
— Quando se sentir pronta, iremos para o outro cômodo — diz ele, levantando-se e me guiando para outra parte do pequeno apartamento.
Eu me sinto pronta desde que entrei. Estranha, mas pronta. Por isso me levanto e o sigo. A ideia de que ele pode ser um assassino prestes a me esquartejar passa pela minha cabeça. No entanto, lembro que dona Li já esteve aqui e continua viva. Isso me tranquiliza... em parte.
O cômodo ao qual chegamos é simples, com um divã no centro e uma cadeira ao lado. Não há decorações desnecessárias, apenas um ambiente calmo que convida à introspecção. Sento-me no divã, e Walter se posiciona ao meu lado, colocando uma mão no meu ombro esquerdo.
— Me conte quem é você e por que seus olhos estão tão tristes — diz com uma voz que parece sussurrar direto para a minha alma.
Franzo a testa, pois não gosto de falar muito sobre mim. A privacidade sempre foi meu objetivo principal na vida, desde pequena, e agora esse homem quer que eu a abandone para lhe contar quem sou.
— Meu nome é Yifei e sou arquiteta. Nasci aqui, em uma família humilde — começo, oferecendo informações sem importância.
Ele me deixa falar sem tirar os olhos dos meus nem a mão do meu ombro. Há momentos em que sinto calor naquela parte do corpo. Em outros, formigamento, e em muitos, dor. No entanto, continuo com meu monólogo.
— Você está aqui por causa do seu marido — ele me interrompe. Arregalo os olhos e prendo a respiração —. Por causa do que viveu com sua mãe e seu pai, sempre quis ter ao seu lado um homem fiel, mas descobriu que ele não é.
Meus dedos se agarram à borda do divã, sentindo como se o chão se movesse sob meus pés.
— Se o que vejo for certo, já se passaram pelo menos três invernos desde que ele está com ela. No começo, ele não a procurou. Nem havia sentimentos, mas com o tempo, eles surgiram — continua, com uma voz que não deixa margem para dúvidas.
O ar me abandona de repente. Sinto meu estômago se contrair, meu corpo reagir antes mesmo que minha mente processe o que ele disse.
— Como... como você pode saber disso? — pergunto, sentindo a incredulidade e o medo se misturarem na minha voz.
Walter não responde. Apenas me encara, com uma expressão que parece dizer que não preciso de respostas, apenas de aceitação.
— Se você quer saber se ele ainda te ama, eu te digo que sim. Seu marido te ama. No entanto, a tentação que essa mulher representa é muito mais forte do que o amor que sente por você — diz, com uma voz que parece ecoar nas profundezas do meu ser.
Uma onda de vertigem me percorre, e sinto como se o mundo ao meu redor estivesse prestes a desabar.
—Neste momento, você está em uma luta entre decepção, tristeza, raiva, sonhos não realizados, promessas quebradas e esperança. É isso que está causando o descontrole mental pelo qual você está passando. No entanto, vejo que você é uma mulher forte, serena, corajosa e muito batalhadora. Tudo isso vai te ajudar a parar esse descontrole e focar no que quer fazer — continua, com uma calma que contrasta com o caos que sinto dentro de mim.
Suas palavras flutuam no ar, cheias de uma sabedoria que não consigo ignorar.
—A dor que você sente não é apenas por causa do seu marido —ele diz com uma voz que parece sussurrar diretamente à minha alma—. É porque isso destruiu a ideia do que você pensava que era o amor.
Minha respiração está irregular, e sinto as lágrimas começarem a embaçar minha visão.
—Você está na segunda fase do luto. —Ao notar que não entendo, ele esclarece e continua—. Quando vivemos uma situação traumática, surgem fases que precisamos atravessar até chegar ao fim. A primeira é a negação, ou seja, você nega que aquilo aconteceu. A segunda é a raiva. Você começa a aceitar um pouco o que aconteceu, mas isso te enfurece, porque ainda se recusa a admitir. A terceira é a depressão. Quando você assume que tudo aquilo é real, surge o pensamento “por que comigo?”. A tristeza toma seus dias, semanas ou até meses, até que finalmente você aceita o evidente. Eu vou te ajudar a tomar consciência do que está acontecendo sem precisar passar pela depressão.
Não sei o que responder. Só consigo ficar sentada ali, sentindo como cada palavra é um golpe certeiro, uma verdade que não posso negar.
Ele fecha os olhos novamente e, então, seu tom muda.
—Vejo um homem alto, forte e protetor. É como se ele tivesse se tornado seu guardião. Mas não no futuro — no presente — comenta, olhando fixamente nos meus olhos—. Você percebeu que, de um ano pra cá, tudo que planeja no trabalho dá certo?
Fico sem ar. Outro homem? Protetor? Trabalho? Como encaixo essa informação inexplicável?
—Meu trabalho realmente exige muita ajuda jurídica, já que preciso elaborar contratos que devem estar muito bem amparados pela lei. É verdade que, desde o ano passado, depois de uma palestra que dei sobre os objetivos da minha empresa, os contratos que chegam até mim são favoráveis, como se alguém os tivesse revisado cuidadosamente antes de me entregarem.
—Algo jurídico? É que vejo um homem alto, moreno, de olhos escuros te observando à distância, te protegendo como se você fosse o tesouro mais precioso dele.
—Walter, eu vim aqui porque meu marido está me traindo e preciso aceitar que a relação que tive por mais de sete anos chegou ao fim. Que o meu amor por ele não foi suficiente, que todos os meus sonhos com ele não se realizarão e… você me fala de outro homem?
O clima entre nós muda radicalmente. A risada dele me contagia e acabamos os dois rindo de tudo ao nosso redor. Por um instante, não sinto dor, nem tristeza, nem traição. Apenas me divirto.
—Eu tenho visões sobre sua vida. Podem ser futuras, passadas ou presentes — ele retoma a conversa —. Hoje percebi que seu desejo de ter um homem fiel ao seu lado vem da infidelidade dos seus pais e do impacto que isso teve em você. Seu marido insistiu muito em te conquistar e você o aceitou porque, naquele momento, confiou na promessa dele. Agora descobre que ele não foi capaz de cumprir nada do que prometeu, e você está decepcionada. Não por ele, mas por você mesma. Chegou à horrível conclusão de que sofre por não ter conseguido se manter firme e por ter se deixado levar pelas emoções. Mas insisto: você não deve se culpar. As coisas acontecem por um motivo e o destino está escrito.
—Você vê o meu destino? —pergunto um pouco mais relaxada, porque Walter foi capaz de enxergar em mim o que ninguém jamais percebeu.
—Sim, eu vejo. E gosto do que vejo, porque Deus decidiu te dar exatamente aquilo que você sempre pediu, e agora você está no caminho da vitória.
Minha garganta se fecha, e sinto as lágrimas começarem a escorrer pelas minhas bochechas.
—A vida é uma escada. Para chegar ao topo, você precisa subir degrau por degrau — ele diz com uma voz que parece sussurrar direto à minha alma —. Você está no momento em que está deixando um degrau para começar o próximo, e eu te prometo que ele será bom para você.
—Então... não há solução —refletindo sobre minha relação com meu marido.
—Seu tempo com ele acabou. É hora de seguir em frente e deixar o passado para trás.
—Entendo... —murmuro, sem conseguir parar de pensar no primeiro passo dessa nova jornada.