Promessa Quebrada (Part 4)

CAPÍTULO 15

 

O corredor parece mais longo do que deveria. As luzes douradas do bar projetam sombras nas paredes, e o eco distante da música envolve o ambiente com uma melodia distorcida. Talvez seja o álcool. Talvez seja a realidade desmoronando ao meu redor. Não sei. Só sei que meus passos estão trôpegos e que o mundo não para de girar.

Respiro fundo, tento me concentrar. Preciso voltar para onde Na está. Mas antes que eu consiga dar mais um passo, esbarro em algo sólido. Não — em alguém.

O impacto me desequilibra e sinto minhas pernas cederem sob meu próprio peso. Mas antes que eu caia no chão, mãos firmes me seguram pela cintura e me estabilizam com facilidade. O tempo parece parar.

Um perfume masculino, intenso e elegante, me envolve. Não é o do Ge, não é doce nem enjoativo. É mais forte, mais amadeirado, com um toque de especiarias. Meus cílios piscam algumas vezes antes que eu levante o olhar… e me perca em olhos escuros e penetrantes.

Wang Kai.

O ar entre nós se torna denso, carregado de algo que não sei nomear.

— Cuidado — ele diz, a voz grave e profunda, como se vibrasse no meu peito em vez de nos meus ouvidos.

Ele continua me segurando com firmeza. Suas mãos são grandes, fortes, e o calor que emanam atravessa o tecido do meu vestido e alcança minha pele. Abro a boca para dizer algo, mas as palavras morrem na garganta. Meu coração dispara — e não é por causa do álcool.

— Você… — murmuro, com a voz pastosa, inclinando a cabeça para observá-lo melhor. — Eu te conheço.

Wang Kai ergue uma sobrancelha, um gesto quase imperceptível, mas suficiente para que eu perceba seu interesse.

— Ah, é? — pergunta, num tom calmo, mas inquisitivo.

Assinto lentamente e levanto a mão, apontando para ele com o dedo trêmulo.

— Logo vou precisar dos seus serviços.

Ele não desvia o olhar do meu. É intenso, analítico, como se tentasse decifrar cada palavra que sai da minha boca.

— Por quê? — pergunta sem hesitar. Não é mera curiosidade; ele sabe que a resposta vai mudar tudo.

Um sorriso torto se forma nos meus lábios e, embora saiba que o álcool está falando por mim, também sei que estou dizendo a verdade.

— Porque vou me divorciar.

Wang Kai não reage de imediato. Mas vejo algo nos olhos dele. Um lampejo de reconhecimento. Uma centelha de interesse que antes não estava ali.

— Sério? — pergunta, o tom neutro, mas com uma tensão discreta que não consigo decifrar.

— Tão sério quanto eu estar aqui — respondo, e embora minha língua pese, as palavras fluem com facilidade desconcertante. — Aquele infeliz tem uma amante e acha que sou idiota. Mas eu não sou.

Ainda não me soltei do seu abraço, e ele também não me soltou. O peso do olhar dele me faz sentir exposta, como se enxergasse através de todas as camadas de controle que me esforço tanto para manter.

— E o que pretende fazer depois que se divorciar? — pergunta com calma, como se avaliasse cada sílaba.

Sorrio com um leve tom de ironia.

— Sumir.

Algo na expressão dele muda. Seu olhar se torna mais afiado, mais calculista, como se estivesse analisando não só o que eu disse, mas também o que não disse.

— Vou embora… só eu e minha filha.

O tempo congela. O aperto de Wang Kai na minha cintura se intensifica sutilmente — quase imperceptível, mas eu percebo. Os olhos dele se estreitam, e por um momento, parece que está processando o que acabou de ouvir.

— Filha? — pergunta, com a voz ainda mais baixa e grave.

É nesse instante que percebo. Eu disse. Disse sem pensar.

— Sim — respondo, e embora devesse me sentir vulnerável, o álcool me dá uma falsa sensação de segurança. — Ainda está se formando… mas vai ser linda. Como eu.

Por um segundo, o ar entre nós muda. Wang Kai não diz nada. Sua expressão se fecha um pouco — não por reprovação nem surpresa, mas por algo mais difícil de definir. Talvez curiosidade. Talvez interesse. Ou talvez algo mais profundo, algo que nem ele entende ainda.

E então, a voz de Na explode no corredor:

— Aí está você, Yifei! — grita.

O som da voz dela quebra o momento em mil pedaços. Na se aproxima com passos decididos e me agarra pelo braço com firmeza, sem sequer notar Wang Kai à princípio.

— Você está fora há tempo demais — diz, preocupada e determinada.

Mas quando ergue os olhos e vê quem está me segurando, sua expressão muda completamente.

— Ah… — murmura, e nesse som há surpresa… e desconfiança.

Seus olhos se estreitam, e mesmo sem dizer mais nada, sei que ela não gostou do que viu.

— Quem é você? — pergunta, em tom protetor.

Wang Kai não se abala. Sua expressão permanece impassível, como se a presença de Na não o afetasse nem um pouco.

— Wang Kai — responde com calma, mas com uma firmeza que não deixa margem para dúvida.

Na franze a testa e aperta ainda mais meu braço.

— Bom, Wang Kai, obrigada por segurá-la até minha chegada. Agora eu cuido dela. — diz, com educação, mas num tom que deixa claro que não está pedindo permissão.

Por um momento, ele não se move. Suas mãos continuam em minha cintura, como se não estivesse com pressa de me soltar. E então, devagar, ele retira as mãos do meu corpo. Mas seu olhar não desvia de mim. Nem por um segundo.

Na me puxa com suavidade, como se quisesse me tirar dali antes que algo mais aconteça. Meu corpo oscila, mas Wang Kai continua me encarando de um jeito que me faz sentir que isso… ainda não acabou.

— Vamos, Yifei. Hora de ir embora.

Mas eu… eu ainda sinto o peso das mãos dele na minha cintura. Ainda sinto o olhar dele queimando a minha pele. Ainda me pergunto… por que o destino decidiu que eu deveria esbarrar justamente nesse homem esta noite.

 

CAPÍTULO 16

 

Dois dias depois... A cama continua vazia.

O espaço ao meu lado está frio, os lençóis ainda esticados, intactos. Ele não voltou para casa. A primeira coisa que eu deveria sentir é tristeza. A primeira coisa que eu deveria fazer é chorar. Mas não. Não sinto nada.

Fico deitada por alguns segundos, olhando para o teto, esperando que a dor apareça — mas ela não vem. É nesse momento que eu entendo. Algo dentro de mim mudou. Não sou mais a mulher que chorou em silêncio da primeira vez que suspeitou. Não sou a mulher que sofreu com cada mentira, com cada desculpa barata. Sou uma nova mulher. Uma mulher que despertou.

Hoje não há sofrimento. Hoje há um jogo a ser jogado.

Levanto da cama com tranquilidade, me espreguiçando como se fosse o dia mais comum do mundo. Caminho até o espelho e me observo. Meu rosto está sereno, mas meus olhos brilham com algo diferente. Determinação.

Entro no banho, deixando que a água quente relaxe meus músculos. Hoje é um novo dia, e eu tenho planos. Lavo o cabelo, esfolio a pele, aproveito o processo como se fosse um ritual de renascimento. Quando saio do banheiro, envolta no meu robe de seda, tomo meu tempo para me maquiar. Nada exagerado, mas o suficiente para que meu rosto fique impecável, minha pele radiante, meus lábios suaves e perigosamente tentadores.

Hoje eu não vou ser a esposa ferida. Hoje vou ser a mulher que dará a Ge o inferno disfarçado de doçura. Um sorriso de canto se forma em meus lábios quando ouço o som da porta da frente se abrindo. Ah, finalmente. Caminho com passos leves até a varanda. Não quero que ele me veja ainda. Me escondo atrás da cortina, o suficiente para observá-lo sem ser vista. E lá está ele.

Ge fica parado na entrada da nossa casa, como se estivesse se certificando de que não há mais ninguém dentro. Covarde. Olha para todos os lados. Desconfia. E então faz algo que confirma tudo. Tira o casaco e caminha direto para o banheiro do quarto. Com pressa. Quer eliminar qualquer vestígio da noite anterior. Quer apagar as provas da sua infidelidade.

Vejo-o desaparecer, e então meu sorriso se alarga. Oh, Hu Ge... Hoje eu não vou te deixar respirar.

Com passo firme, caminho até a porta do banheiro. Não vou dar a ele a chance de relaxar. Levanto a mão e, sem pensar duas vezes, escancaro a porta. O som da madeira batendo na parede ecoa pelo quarto.

— Bom dia, Ge! — exclamo com uma doçura venenosa.

Ele dá um pulo de susto.

— Yifei!

O pânico em seu rosto é delicioso. A água ainda não começou a correr, ele está no processo de se despir. Mas a maneira como se agarra à toalha que cobre sua cintura e dá um passo para trás como se tivesse visto um fantasma... é deliciosa.

— Onde você esteve? — pergunto, minha voz tranquila, curiosa.

Caminho um pouco mais em sua direção, e ele continua recuando como se minha presença o sufocasse.

Maravilhoso.

— Por que não dormiu em casa?

Silêncio. Silêncio puro, absoluto e sufocante. Hu Ge pisca, e seu maxilar se contrai.

— Tive que trabalhar até tarde — responde, a voz trêmula.

Inclino a cabeça com fingido interesse.

— Trabalho? Até o amanhecer?

Sua garganta se move quando engole em seco.

— Foi uma reunião importante...

— Mmm... interessante — continuo caminhando mais um pouco, vendo como os nós dos dedos dele ficam brancos de tanto apertar a toalha.

Paro bem na frente dele, cruzo os braços.

— Então me diga... por que você está com um cheiro diferente?

A expressão dele congela.

— O quê?

— O seu cheiro — repito, inclinando-me um pouco, como se fosse cheirá-lo, e ele dá mais um passo para trás até encostar as costas na parede. — Você não está com o mesmo cheiro de sempre.

Sua pele enrijece. Estou encurralando ele. Estou sufocando ele.

Ge umedece os lábios, nervoso.

— Deve ter sido o escritório. Ou... ou o táxi. Você sabe, os cheiros da rua.

Desculpas medíocres.

— Ah — digo. Meu sorriso se alarga. — Então por que quer tomar banho agora?

Sua respiração se acelera.

— Porque estou cansado.

— E o pescoço? — pergunto, levando a mão até sua pele e tocando a pequena marca vermelha perto da clavícula.

Sinto ele se enrijecer sob meus dedos.

— O quê?

— Isso. O que é isso? — pergunto com voz suave, mas carregada de intenção.

Ele engole em seco.

— Deve ter sido uma picada de mosquito. Você sabe que sou alérgico a esses insetos e minha pele fica vermelha com facilidade.

— Insetos? — repito, mordendo o lábio e balançando a cabeça como se estivesse avaliando —. Não parece uma picada de um mosquito pequeno, mas a mordida de uma cadela.

Hu Ge quase se engasga com a própria saliva.

— O-o que você está dizendo? Não é isso...

Inclino a cabeça, fingindo refletir.

— Estou vendo... dentes.

Me aproximo ainda mais e ele tenta se afastar, mas não tem para onde ir. Está encurralado. Completamente encurralado.

Meus olhos se fixam nos dele, e ele evita meu olhar com desespero. O silêncio entre nós é pesado, denso, cheio de tudo o que não é dito.

Então... eu sorrio. Um sorriso doce, afiado, como a lâmina de uma adaga envolta em veludo. Ge permanece em silêncio, me olhando como se eu tivesse acabado de lhe dar um soco no estômago. Ele sabe que eu vi a marca no seu pescoço. Sabe que senti o perfume de outra mulher em sua pele. Sabe que estou encurralando ele.

E, ainda assim, numa tentativa desesperada de recuperar o controle, passa a mão pelo cabelo, como se esse gesto pudesse apagar a tensão que o sufoca. Se recompõe, endireita os ombros e solta uma risada forçada, um som oco que ecoa pelo banheiro como um eco incômodo.

— Querida, o que está acontecendo com você hoje? — diz, a voz levemente trêmula, embora tente disfarçar —. Está tão inquisitiva. — Seus olhos me analisam com cautela, procurando algum indício de que eu saiba mais do que aparento. Quer acreditar que isso é só uma coincidência, que eu não liguei os pontos. Mas no fundo, ele sabe que liguei.

Sustento seu olhar com uma expressão inocente, como se tudo isso fosse apenas uma conversa de casal. Meus olhos estão cheios de uma doçura enganosa, como se eu realmente estivesse preocupada com seu bem-estar.

— Só me preocupo com a sua saúde — admito com uma voz quase maternal. — É verdade que ultimamente venho percebendo sua pele mais sensível. — Sorrio, inclinando-me na direção dele, o suficiente para que ele perceba minha proximidade, mas não tanto a ponto de invadir seu espaço. — Talvez devesse ir ao médico?

Hu Ge pisca, surpreso com meu comentário. Ele sabe que não é uma pergunta genuína. Sabe que estou pressionando. E isso o incomoda. Seus lábios se contraem numa linha fina, e por um momento parece que ele vai dizer algo, se defender, reagir. Mas não faz nada. Em vez disso, se afasta de mim com um movimento brusco, como se minha presença fosse demais para suportar.

— Vou tomar banho — comenta com mais firmeza, embora ainda haja um toque de nervosismo em sua voz. — Foi uma noite longa.

— Ah, sim. Imagino — respondo com doçura, despreocupada, como se nada mais estivesse na minha mente além do bem-estar dele.

Ele espera que eu vá embora e o deixe sozinho. Faço isso bem devagar, contando os passos até a porta. Depois, me viro. Olho para ele e sorrio. Com a mesma lentidão, fecho a porta diante dos meus olhos, sem tirá-lo de vista. Quando não o vejo mais, meu rosto se transforma por completo.

Deixei de ser a Branca de Neve.

Agora sou a bruxa do conto.

E quero destruir o príncipe infiel.

 

CAPÍTULO 17

 

O quarto está impregnado de um ar rarefeito, denso, carregado de silêncios e mentiras não ditas. Não dormi muito. Não porque a ausência dele tenha tirado meu sono, mas porque minha mente não para de traçar linhas de jogo, cenários onde Hu Ge não passa de uma peça que posso mover como quiser.

Abro as portas de vidro e escolho minha jaqueta de caxemira branca, minha favorita. É macia, luxuosa, leve, mas envolvente. Me dá uma sensação de controle, de poder. E esta manhã, eu preciso disso.

Visto-a com delicadeza e desço as escadas em silêncio. Na cozinha, preparo um café descafeinado, sem açúcar — o único que realmente me ajuda a despertar. A casa está calma, mas sei que não vai demorar muito para que essa calma se quebre.

Pego a xícara e saio para o jardim. O ar da manhã está fresco, cortante, mas agradável. A luz do sol se filtra por entre os salgueiros que cercam o jardim dos fundos, projetando sombras alongadas sobre a pérgula de madeira escura. As rosas brancas estão no auge de sua beleza, mas já não as vejo como antes. Já não simbolizam amor nem devoção. São apenas pétalas que, cedo ou tarde, cairão e serão substituídas.

Me acomodo numa poltrona de vime sob a pérgula e cruzo as pernas, aproveitando o momento. Ge sairá logo do banho e virá correndo ao meu encontro para confirmar que tudo está em ordem, que nosso casamento não corre risco.

Ele não faz ideia do que o espera…

Apenas alguns segundos depois, ouço a porta de correr se abrir. Não me viro. Não preciso. Sua presença me envolve; sua energia é uma mistura de desconforto e falsa normalidade. Ele se aproxima e senta-se à minha frente, cruzando as pernas com a segurança de quem acredita ter saído ileso. Finge calma. Finge que nada aconteceu. Finge que não foi encurralado há poucos minutos.

— Por que está tomando café aqui? Achei que fosse me esperar na sala de jantar — diz. Sua voz soa relaxada, casual. Perfeito. Eu também finjo.

Dou de ombros com naturalidade.

— Me deu vontade de me cercar da paz que esse lugar transmite.

Ficamos em silêncio por alguns segundos. Mas não é um silêncio confortável. Ge me observa discretamente, esperando que eu mencione o interrogatório de instantes atrás. Mas não vou fazer isso. Não quero facilitar as coisas. Quero que ele pense que o perigo passou. Quero que baixe a guarda.

E justo quando ele o faz…

— Estava pensando em visitar nossa nova vizinha — digo, com voz suave, quase inocente.

Hu Ge, que estava recostado no batente da porta, transmitindo a imagem de um homem sereno, tranquilo e dominante, tem um leve espasmo no cotovelo. Ele treme.

— Nossa nova vizinha? — repete, tenso.

Assinto com um leve sorriso, como se fosse um comentário inofensivo.

— Sim, a atriz. Te falei dela algumas semanas atrás. Quero conhecê-la pessoalmente e não acreditar nos rumores.

Hu Ge pisca, confuso.

— Rumores? — pergunta, embora a voz denuncie que já sabe do que estou falando.

Tomo um gole do meu café e deixo o líquido amargo repousar na língua antes de responder.

— Dizem que o amante dela é alguém da residência e que comprou a casa pra poder ficar mais perto. Suponho que, pra esse desgraçado, seja mais fácil escapar de casa à noite e correr pros braços dela.

Exatamente como eu vi ele fazer...

O ar entre nós muda. Sutil. Lento. Mas eu percebo. Hu Ge permanece imóvel por um momento. Depois, com um esforço quase visível em seus músculos, se recosta no encosto da poltrona e tenta rir.

— Yifei, você sempre foi uma mulher sensata e nunca se envolveu em relacionamentos obscuros como esse. Se for verdade que ela é amante de um homem casado aqui da residência, sua honra pode ser afetada — diz ele, a voz levemente trêmula.

Sorrio docemente diante da preocupação fingida.

Silêncio. O canto dos pássaros no jardim é o único som que se ouve nos segundos seguintes. A brisa move suavemente as folhas das árvores, e eu tomo meu tempo para saborear o café. Hu Ge, por outro lado, permanece rígido. Pela primeira vez em nosso relacionamento, ele não tem uma resposta imediata. Acaricio a porcelana da xícara com os dedos, sem desviar o olhar dele.

— Na me disse o mesmo quando falei dela.

O rosto de Ge empalidece ao ouvir que minha amiga também sabe que há uma amante por perto.

Que a amante dele vive perto da nossa casa.

Ele se mexe, desconfortável na cadeira. Vejo-o engolir em seco.

— Você devia ouvir mais sua amiga e esquecer essas bobagens — insiste, tentando me dissuadir.

— Talvez vocês dois tenham razão, embora eu te confesse uma coisa: se eu a encontrar quando sair de casa, não vou fingir que não vi. Vou me aproximar, cumprimentá-la e tentar descobrir quem é o desgraçado que a sustenta. Não podemos deixar a pobre esposa viver uma mentira, certo?

A brisa agita meus cabelos e minha jaqueta de caxemira. A cor abandona o rosto dele por um breve instante. E então, ele sabe que perdeu, porque eu ganhei essa rodada.

Levanto-me com calma, espreguiço o corpo e caminho de volta pra casa sem olhar pra trás. Deixo-o ali, sentado, esmagado pelo peso das minhas palavras contra a realidade.

 *****

 

A porta da casa se fecha suavemente atrás de mim. O calor do interior contrasta com a brisa fria do jardim, mas o ambiente continua igualmente gelado. Não preciso olhar para trás para saber que Hu Ge ainda está lá fora, tentando se recompor. É divertido ver como o desespero começa a se instalar em seu corpo, como uma doença sem cura.

Caminho lentamente pelo corredor da casa, deslizando os dedos pela superfície da mesa de mármore. Ge começou a perder o controle. E ainda não viu nada.

Paro diante da janela da sala, com vista para a entrada. Sei que ele vai entrar. Sei que virá com uma atitude defensiva, tentando se certificar de que está tudo em ordem. E, exatamente como eu previ, Hu Ge aparece. Mas agora está diferente. Seu andar já não é confiante. Seu olhar já não é relaxado. Ele percebeu que o jogo mudou.

Eu o ignoro e sigo para a cozinha. Ainda tenho café na xícara, mas o deixo calmamente sobre a bancada.

— Quer tomar café da manhã? — pergunto com aparente inocência, acendendo uma luz suave.

Hu Ge hesita por um instante antes de responder.

— Não estou com fome.

Mentiroso.

Caminho lentamente até a sala de jantar e me acomodo em uma das cadeiras. Ele me observa em silêncio. Posso senti-lo. Está analisando cada um dos meus movimentos, procurando uma pista, um sinal de que eu sei a verdade. Mas não vou lhe dar isso.

— Sabe de uma coisa? — digo num tom casual. — Hoje, quando olhei pela varanda, vi algo curioso.

Ge ergue os olhos, mas não responde. Tomo um gole do café que voltei a servir na xícara.

— Havia um carro estacionado perto da nossa casa... um preto.

Ele não pisca, mas os dedos se contraem sobre a mesa.

— Aham — responde, tentando soar indiferente. — E o que tem de curioso nisso?

Sorrio, sem olhar para ele.

— É que me lembrou muito o nosso, mas, se não me engano, o deixamos na casa do norte, certo?

O silêncio se estende entre nós como uma sombra. Ge não sabe o que dizer. Não pode saber se estou apenas testando ou se realmente vi algo. Levanto-me devagar e me inclino sobre a mesa, aproximando meu rosto do dele.

— A vida, às vezes, nos oferece surpresas inesperadas... não acha?

Minha voz é um sussurro carregado de malícia. Ge desvia o olhar e se levanta.

— Vou para o meu escritório — diz rapidamente, sem me dar chance de responder.

Sorrio.

Corre, Hu Ge. Corre enquanto ainda pode...

 *****

 

Ge desce as escadas com o celular na mão, acreditando que pode se esquivar da tempestade sem se molhar. Erro. Eu sou a tempestade.

Do meu assento no sofá, o observo com calma, brincando com a xícara de café entre os dedos. Ele não diz nada. Mas eu vejo tudo. A rigidez no maxilar. A forma como aperta os lábios. O nervosismo nos dedos ao bloquear a tela do celular e deslizá-lo para o bolso. Sua expressão é perfeitamente calculada. Calculada demais. E isso, por si só, já é um erro.

Levanto a xícara com elegância e bebo um gole antes de falar.

— Ultimamente você tem trabalhado demais, não é? — pergunto, minha voz suave, quase inocente.

Hu Ge se tensa por apenas um segundo, mas o suficiente para que eu perceba.

— Sim, a empresa tem exigido muito tempo — responde, como se nada —. Tem sido um mês complicado.

Sorrio com doçura e deixo minha xícara sobre a mesa.

— Eu sei. Ligam para você tantas vezes fora de hora que parece até que tem um amante.

O ar entre nós congela. Hu Ge pisca devagar, como se o cérebro precisasse de alguns segundos para processar o que acabei de dizer. Seus lábios se separam suavemente, mas nenhuma palavra sai da sua boca. Eu o desarmei.

Me recosto um pouco no sofá e cruzo as pernas, dando-lhe tempo para encontrar uma desculpa. Espero. O vejo se afogar nos próprios pensamentos. E então, quando parece que finalmente vai falar…

Seu celular vibra.

O som corta o ar como uma faca afiada. O suor frio que o percorre é quase visível.

— De novo? — Balanço a cabeça com falsa preocupação —. Desde quando você permite que te liguem depois das dez da noite?

Ge não sabe o que responder. Seu peito sobe e desce com mais rapidez. Seus dedos deslizam pela calça, mas ele não tira o celular do bolso. O telefone continua vibrando. Insistente. Urgente.

— Deve ser do trabalho — murmura, mas sua voz soa diferente.

Mais áspera. Mais nervosa. Mais mentirosa.

— Ah… — Assinto lentamente —. Que estranho.

Me inclino para frente, sem desviar o olhar dele.

— Sabe… estresse não faz bem. Você pode pedir ajuda à sua assistente.

Hu Ge engole em seco.

— Estou bem.

O telefone vibra outra vez.

E então eu vejo. Vejo a decisão em seus olhos. Sabe que, se não atender, será suspeito. Sabe que, se atender aqui, na minha frente, eu o destruirei com um único olhar. Então ele foge.

— Vou atender — diz rapidamente e se afasta sem me olhar.

Sobe as escadas com passos firmes e desaparece no corredor.

Fico sentada no sofá, saboreando meu triunfo.

Ganhei outra vez.

Bem-vindo ao meu jogo, Hu Ge.

 

 

CAPÍTULO 18

 

O prédio do escritório de advocacia se ergue imponente diante de mim, com sua fachada de vidro refletivo capturando os últimos raios do sol da tarde. Não é a primeira vez que estou em um lugar como este, mas hoje é diferente. Hoje não estou aqui como a esposa de Hu Ge, nem como a arquiteta renomada que lidera sua própria empresa. Hoje estou aqui como uma mulher que planeja deixar para trás seu casamento e recuperar sua vida.

O interior do prédio reflete com exatidão o que eu esperava: luxo, discrição e um ambiente limpo onde cada detalhe parece calculado. Aproximo-me do balcão de mármore preto, onde uma recepcionista impecavelmente vestida me recebe com um sorriso ensaiado.

— Tenho um horário com o advogado Wang Kai — digo, mantendo minha voz firme e segura.

Ela verifica no computador e me indica que espere na sala de espera. Me acomodo em uma poltrona de couro preta, observando com atenção os detalhes do lugar. Há outras pessoas esperando, todas com expressões tensas ou pensativas. Um homem com um terno de grife folheia alguns documentos. Duas mulheres de meia-idade sussurram em voz baixa, provavelmente discutindo os termos de algum acordo legal. Passam-se apenas alguns minutos antes que uma assistente se aproxime de mim.

— Senhora Hu, o advogado Wang está esperando pela senhora. Por aqui, por favor.

Me levanto e sigo a mulher por um corredor acarpetado. A iluminação é suave, elegante, pensada para transmitir calma. Tudo aqui tem uma intenção. Quando a porta do escritório se abre, dou um passo para dentro e então o vejo. Meu coração dá um salto.

É ele.

O homem do bar. Aquele que me segurou quando tropecei. Aquele que me olhou como se pudesse me ler com um único olhar.

Wang Kai.

Ele também me reconhece. Percebo na leve mudança de expressão, na pausa imperceptível antes de se levantar com uma elegância natural. Sua presença é imponente, não pelo tamanho, mas pela segurança que emana de cada um de seus movimentos.

Está vestido de maneira impecável: terno escuro, camisa branca perfeitamente passada e um relógio de design minimalista no pulso. Seu cabelo tem um ar de descuido calculado que lhe dá um charme perigoso. Mas o que mais me impacta são os olhos: escuros, atentos, analíticos.

Quando estende a mão para me cumprimentar, a minha encontra a dele num aperto firme. Sua pele é quente, embora o que mais me surpreenda seja a sensação de controle absoluto que transmite.

— Senhora Hu — diz com uma voz profunda e tranquila —. Um prazer conhecê-la formalmente.

A ênfase sutil em “formalmente” me diz que, de fato, ele não esqueceu nosso primeiro encontro.

— O prazer é meu — respondo com a mesma neutralidade.

Ele faz um gesto para que eu me sente. Me acomodo com cuidado, cruzando as pernas enquanto deixo minha bolsa ao lado.

O escritório é amplo, com estantes cheias de livros de direito perfeitamente alinhados. Na parede atrás dele, há um quadro de caligrafia chinesa com uma frase que reconheço de imediato:

“A maior glória não é nunca cair, e sim levantar-se sempre.”

Não sei por que, mas essas palavras me afetam mais do que deveriam. Wang Kai se senta à minha frente, entrelaçando os dedos sobre a mesa. Me observa com paciência, mas seus olhos me analisam com precisão cirúrgica.

— Conte-me em que posso ajudá-la.

Seu tom é profissional, mas há algo em seu olhar que me deixa em alerta. Limpo a garganta.

— Quero me divorciar.

Ele não reage de imediato. Demora um breve segundo antes de assentir lentamente, como se já soubesse.

— Entendo — diz, mantendo o tom neutro —. É um acordo mútuo ou há circunstâncias que podem complicá-lo?

Minha mandíbula se contrai.

— Não será mútuo — respondo sem rodeios —. Meu marido ainda não sabe.

Wang Kai levanta uma sobrancelha, com um leve brilho de interesse.

— Então quer que seja pego de surpresa.

— Exatamente.

A intensidade no olhar dele se acentua.

— Posso perguntar por que tomou essa decisão?

Cruzo as mãos sobre o colo.

— Infidelidade.

Ele não parece surpreso.

— Há quanto tempo?

— Acho que estão juntos há uns três anos.

Desta vez, vejo uma leve mudança em sua expressão. Não é surpresa, é outra coisa.

— E a senhora soube esse tempo todo?

— Não. — Faço uma pausa e o encaro diretamente nos olhos —. Descobri há algumas semanas.

Wang Kai se recosta na cadeira, cruzando os braços.

— E que tipo de divórcio está buscando?

— Um rápido e limpo — afirmo sem hesitar.

Ele inclina a cabeça com interesse.

— Tem certeza de que quer fazer isso de maneira silenciosa? Não é fácil esconder um divórcio quando há bens envolvidos.

— Eu sei — respondo com seriedade —. Mas quero me certificar de que ele não tenha chance de reagir antes que seja tarde demais.

Wang Kai não desvia o olhar de mim. É como se estivesse medindo minha determinação.

— Seu marido é problemático?

A pergunta me faz rir com amargura.

— É um homem que não está acostumado a perder.

Ele assente lentamente, como se acabasse de confirmar algo.

— Então temos um problema.

Suas palavras são simples, mas soam como uma sentença.

— Eu sei — digo sem vacilar —. Mas não vou recuar.

O silêncio entre nós é pesado, carregado de algo que não sei definir. Finalmente, Wang Kai pega sua caneta e começa a escrever.

— Vamos precisar de discrição absoluta. Está disposta a seguir minhas instruções ao pé da letra?

— Sim.

— Ótimo. Vamos começar.

A caneta de Wang Kai desliza sobre o papel com precisão, mas mal presto atenção. Estou concentrada demais nele. Agora que está diante de mim, à luz do dia e sem a névoa do álcool, consigo observá-lo melhor.

Wang Kai não é apenas um homem atraente. É o tipo de homem que impõe respeito sem precisar elevar a voz. Alto, de ombros largos e postura impecável que grita disciplina. Seus ternos são sob medida, ajustados perfeitamente ao corpo, sem um único vinco fora do lugar. O preto lhe cai bem, embora eu tenha certeza de que qualquer cor ficaria. Seu rosto é um equilíbrio perfeito entre força e sofisticação: queixo marcado, lábios firmes e um nariz reto que lhe dá um ar severo. Mas o mais impactante são os olhos: escuros, afiados, com um brilho inteligente que parece analisar tudo em questão de segundos. Não tem expressão no rosto. Não sorri, não franze a testa. E ainda assim, sua presença é avassaladora. É o tipo de homem que nunca parece perder o controle. O tipo de homem que não mostra fraqueza.

Yifei. Concentre-se.

Pigarrento e abaixo o olhar para a pasta que tenho nas mãos. Sim, eu mesma trouxe as informações dos meus bens, graças à recomendação da Na.

— Fiz uma lista de tudo o que possuo com Hu Ge — digo, deslizando os documentos sobre a mesa —. Não sei o quanto tudo está protegido, mas quero garantir que ele não possa me prejudicar quando o divórcio for oficial.

Wang Kai folheia as páginas com rapidez, sem perder nenhum detalhe.

— Vocês têm contas conjuntas?

— Não muitas. A maioria dos meus bens está no meu nome porque meu pai sempre insistiu que eu tivesse independência financeira.

— Decisão sábia — comenta, fazendo uma anotação no caderno antes de levantar o olhar para mim —. E quanto à sua empresa?

Tenso os ombros.

— Esse é o meu maior problema. Se Hu Ge souber das minhas intenções antes da hora, pode tentar me sabotar.

Wang Kai apoia os cotovelos na mesa e entrelaça os dedos com calma.

— Então temos que manipular a percepção que ele tem da realidade.

Seu tom é tão calculado que me arrepia.

— O que sugere?

— Faça-o acreditar que está emocionalmente vulnerável. Aja como a esposa apaixonada que não quer perdê-lo. Distraia-o com culpa, com nostalgia.

Uma risada sem humor escapa dos meus lábios.

— Quer que eu use as armas dele contra ele mesmo?

Ele assente lentamente.

— Exatamente.

Sua resposta me dá calafrios. Não porque me pareça errada, mas porque percebo o quanto é irônico. Hu Ge me manipulou durante anos. Agora é a minha vez.

— Posso fazer isso — digo, mantendo o olhar firme.

Wang Kai me observa por alguns segundos.

— Imaginei.

Abre uma nova pasta e me mostra os documentos.

— Aqui está o acordo de divórcio. Modifiquei a capa para que pareça um contrato de transação de bens, algo suficientemente rotineiro para que ele não preste atenção.

Observo o documento com atenção. À primeira vista, parece um pedido de venda de propriedade. Mas, ao virar as páginas, vejo as cláusulas reais do divórcio escondidas no conteúdo. É brilhante.

— E se ele resolver ler?

— Ele não vai, se você escolher o momento certo.

Fico em silêncio. Hu Ge sempre foi descuidado com os documentos que assina quando confia na pessoa que os entrega. Fui eu quem organizou sua agenda por anos. Sei quando ele está mais distraído, quando está com pressa, quando assina papéis sem nem olhar. Wang Kai tem razão. Se eu fizer direito, Hu Ge não vai suspeitar de nada até que seja tarde demais.

Levanto o olhar e encontro o dele.

— Tem mais alguma sugestão?

Ele solta uma leve exalação, como se estivesse refletindo.

— Sim. Certifique-se de que seu patrimônio esteja protegido antes que o divórcio seja oficial.

Ele me passa outros papéis. Estes são diferentes, mais técnicos.

— O que é isso?

— Uma lista de bens e contas conjuntas. Você precisa garantir que nada possa ser congelado ou bloqueado caso ele tente agir contra você.

Meus olhos percorrem as páginas com atenção. Quando ele conseguiu elaborar uma lista com meus bens? Começou a fazer isso depois que confirmei que o procuraria? Me concentro na leitura e levanto o olhar para encontrar o dele.

— Quer que eu transfira os ativos para uma conta separada?

— Exatamente.

Empilho os papéis e os deslizo para dentro da minha bolsa.

— Vou fazer isso.

Ficamos em silêncio por um momento. Ele me observa com uma intensidade que me dá vontade de desviar o olhar. Mas não desvio.

— O que foi? — pergunto.

Wang Kai se recosta na cadeira.

— Nada. Só acho que você é uma mulher incrivelmente forte.

Meu coração acelera, mas não demonstro.

— Nem sempre fui.

— Talvez só tivesse esquecido que era.

Nos olhamos por um instante que parece se alongar demais. Me levanto e ele faz o mesmo. Me acompanha até a porta, e quando a abre, sua mão toca brevemente a parte inferior das minhas costas, me guiando para fora. É um gesto cortês, profissional… mas há algo em seu toque que deixa um eco na minha pele.

Antes de sair, me viro um pouco e o olho uma última vez.

— Obrigada.

— Não me agradeça ainda — responde com um leve sorriso —. Ainda há muito a fazer.

Saio do escritório com uma sensação estranha no peito. Não sei exatamente o que acabou de acontecer, mas tenho certeza de que minha vida acaba de tomar um rumo do qual não há mais retorno.

 

CAPÍTULO 19

 

O som dos meus saltos ecoa sobre o mármore polido do saguão. A empresa que meu pai construiu com anos de esforço se ergue imponente diante de mim, refletindo em suas janelas a cidade que se estende além. Hoje não venho como arquiteta nem como chefe, mas como uma mulher com um plano meticuloso para encerrar o último vínculo que me prende ao meu marido.

Os funcionários me cumprimentam com respeito, mas noto certos olhares curiosos. Com certeza perceberam que meu semblante mudou nos últimos dias. Não sou mais a mesma mulher que costumava entrar nesse prédio com um sorriso complacente, fingindo que tudo estava em ordem. Agora, cada passo que dou é uma declaração silenciosa de que algo está por vir.

Ao atravessar as portas de vidro, o ar-condicionado me envolve, fresco e reconfortante. A recepcionista, uma jovem de rosto simpático, me recebe com um sorriso.

— Bom dia, senhora Hu.

— Bom dia — respondo com um sorriso cortês, embora minha mente já esteja em outro lugar.

Caminho pelo corredor principal, cumprimentando os funcionários que encontro. Seus sorrisos e saudações são automáticos, mas hoje não tenho tempo para parar. Cada passo que dou me aproxima mais do meu escritório, da lista de tarefas que preciso concluir antes que seja tarde demais.

Quando chego à minha sala, fecho a porta atrás de mim e me encosto nela por um momento. O silêncio é reconfortante, mas sei que não vai durar muito. Vou até minha mesa e ligo o computador. Enquanto espero que inicie, tiro a pasta que Wang Kai me entregou e a coloco à minha frente. Abro e começo a revisar os documentos, linha por linha.

A lista de bens é longa. Imóveis, contas bancárias, investimentos, veículos… Cada um deles representa mais um vínculo com Hu Ge, um laço que preciso cortar. Pego uma caneta e começo a marcar os que estão em meu nome e os que compartilhamos. A maioria dos meus bens está em meu nome, graças à insistência do meu pai para que eu tivesse independência financeira. Agora, mais do que nunca, agradeço por sua sabedoria.

Mas há alguns que compartilhamos, e são esses que mais me preocupam. Um apartamento no centro da cidade, uma casa de veraneio na costa, várias contas conjuntas… preciso garantir que ele não possa tocar neles quando o divórcio for oficial. Decido que o mais justo é dividir tudo em 50%, como está estabelecido no acordo de divórcio. Não quero dar motivos para que ele lute por mais.

Enquanto reviso a lista, não consigo evitar pensar em como chegamos a esse ponto. Hu Ge e eu compramos aquela casa de veraneio anos atrás, quando tudo parecia perfeito. Agora, a ideia de voltar lá me dá náuseas. Talvez eu deva vendê-la depois do divórcio. Não quero ficar com nada que me lembre dele.

Depois de revisar os documentos e me certificar de que está tudo em ordem, levanto-me da mesa e me aproximo da janela. Daqui, posso ver Mei Ling em sua mesa, conversando com um dos gerentes. Ela está ao meu lado há anos, desde que era uma jovem recém-formada com ambição e vontade de aprender. Agora, é uma das pessoas mais competentes e confiáveis que conheço.

A observo por mais um momento, lembrando de tudo o que vivemos juntas. Mei Ling esteve comigo nos momentos mais difíceis da empresa: quando perdemos um cliente importante, quando tivemos que demitir parte da equipe durante a crise, quando conseguimos fechar o maior contrato da nossa história. Sempre esteve lá, discreta, eficiente e leal. Nunca questionou minhas decisões, nunca falou mais do que devia. É o tipo de pessoa que sabe onde está seu lugar e o respeita.

Decido não esperar mais. Chamo Mei Ling à minha sala. Quando ela entra, convido-a a se sentar diante de mim.

— Mei Ling, preciso falar com você sobre algo importante — digo, mantendo a calma, embora meu coração bata mais rápido que o normal.

Ela assente, os olhos cheios de curiosidade, mas sem perder a compostura.

— Claro, senhora Hu. Em que posso ajudar?

— Vou ficar fora por um tempo — começo, escolhendo bem as palavras —. Preciso que assuma a empresa enquanto eu estiver ausente. Sei que é muito pedir, mas confio em você.

Mei Ling pisca, surpresa, mas não hesita em responder.

— É uma honra, senhora Hu. Farei o possível para que tudo continue funcionando como sempre.

Assinto, grata por sua lealdade.

— Sei que não vai me decepcionar, Mei Ling. Por isso também decidi alterar seu contrato e lhe conceder um aumento. — Faço uma pausa, observando sua reação —. Serão mais 30.000 yuans por mês.

Mei Ling arregala levemente os olhos, claramente surpresa. É uma quantia significativa, e ela sabe disso. Mas, como sempre, mantém a compostura.

— Senhora Hu, não sei o que dizer… — começa, mas a interrompo com um sorriso.

— Não precisa dizer nada. Você merece. Esteve ao meu lado durante anos, e sei que posso confiar em você para lidar com tudo o que está acontecendo.

Ela assente, agradecida, mas sem exagerar.

— Obrigada, senhora Hu. Não vou decepcioná-la.

— Eu sei — digo, e por um momento, o silêncio entre nós é confortável, cheio de entendimento mútuo.

Mei Ling parece querer perguntar algo, mas se contém. Noto a curiosidade em seus olhos, a maneira como seus lábios se abrem ligeiramente antes de se fecharem de novo. Mas ela não diz nada. Sabe que, se eu quiser que saiba de algo, direi. Essa discrição é uma das razões pelas quais a valorizo tanto.

— Por ora, é só isso — digo finalmente, quebrando o silêncio —. Manterei você informada de qualquer mudança, mas confio que tudo estará em boas mãos.

Mei Ling assente e se levanta.

— Obrigada mais uma vez, senhora Hu. Se precisar de algo, não hesite em me chamar.

— Pode deixar — respondo, e a observo sair da minha sala com a mesma elegância e discrição com que entrou.

Quando a porta se fecha, me recosto na cadeira e fecho os olhos por um momento. Sinto uma mistura de ansiedade e alívio. Por um lado, estou animada para recomeçar; por outro, sei que deixar para trás minha vida atual não será fácil. Mas não tenho outra opção. Preciso proteger minha filha e garantir que ela tenha um futuro melhor.

Pego meu celular e digito o número da minha ginecologista, Dra. Chen. É uma mulher gentil e profissional que já me atendeu antes. Quando atende, sua voz é calorosa e reconfortante.

— Clínica de ginecologia Dra. Chen, em que posso ajudar?

O som da voz da recepcionista me traz de volta à realidade.

— Aqui é Bai Yifei. Preciso marcar uma consulta com a doutora.

— Claro, senhora Bai. Qual o tipo de consulta?

Respiro fundo antes de responder.

— Um controle de gravidez.

A mulher do outro lado da linha digita rapidamente.

— Podemos atendê-la hoje às cinco da tarde.

— Perfeito. Estarei aí.

Desligo e deixo o celular sobre a mesa. Minhas mãos deslizam instintivamente até o meu ventre. Hoje verei minha filha pela primeira vez. Fecho os olhos por um instante, permitindo-me sentir a emoção, o medo e a certeza de que, embora minha vida esteja prestes a mudar para sempre, não estou sozinha.