Capítulo 75 – Reflexos de um Futuro Queimado

A sala de prática mágica ecoava com o som de círculos girando lentamente no ar. A luz das runas azuis refletia nas paredes brancas, criando sombras dançantes que pareciam respirar junto com a mana do ambiente.

Poucos alunos haviam se inscrito para o exercício extra de conjuração refinada.

Hiro estava entre eles, como sempre — silencioso.

Ao seu lado, com a postura ereta e o bastão mágico apoiado no ombro, Saori Kurosawa tentava não encará-lo por tempo demais.

Tentava.

— Você tá copiando meu padrão de dispersão? ela soltou.

— Não.

— Tá sim.

— Adaptei.

— Ou seja, copiou.

Hiro permaneceu imóvel. Mas ao invés de retrucar, deu dois passos em direção a ela. Tranquilo. Sem hesitação.

Perto. Perto demais.

O coração de Saori acelerou.

— O que pensa que tá—?!

Ele estendeu a mão lentamente — sem tocá-la — e traçou um padrão no ar, manipulando a mana diretamente com os dedos. Três pontos brilharam, triangulando um círculo, criando uma forma estável e compacta que girava com controle impecável.

— Seu método é eficiente, mas perde estabilidade em rotações laterais. Eu testei uma triangulação estática com variações orbitais.

— ...Você testou isso… agora?

— Ontem à noite. Sete vezes.

Saori ficou muda.

Cinco anos à frente, num mundo devastado, o céu coberto por cinzas e o ar carregado de mana corrompida.

Saori Kurosawa, mais velha, com cabelos presos num coque e roupas rasgadas de combate, gritava em meio ao caos.

— SE CONCENTRA, IDIOTA!

Hiro, mais velho também — vinte anos, exausto, mãos tremendo ao tentar conjurar uma barreira de contenção.

— Estou... tentando...!

— Tentar não é o bastante! SENTIR a mana é o BÁSICO! Se não controlar ela agora, vai matar nós dois!

Ele cerrou os dentes, ajoelhado, sujo de sangue. O círculo girava instável na frente dele.

— Concentra, estabiliza, CORRIGE! NÃO É PRA FAZER BONITO, É PRA FAZER DIREITO!

O círculo se firmou.

Por um instante.

Saori suspirou — exausta.

— Você é o aluno mais lento e mais teimoso que eu já treinei... mas pelo menos ouve.

De volta ao presente, Hiro recuou um passo. Os olhos fixos no círculo que acabara de demonstrar. Calmo. Quase entediado.

— Tente. Funciona melhor.

Saori estava corada. Violentamente.

— E-eu não preciso das suas sugestões!

— Não são sugestões. São dados.

Ela resmungou e cruzou os braços.

Mari, ao fundo da sala, fingia revisar um pergaminho, mas murmurou para Yumi ao lado:

— Olha a cor das bochechas dela. Tá parecendo uma maçã encantada.

Yumi mordeu o lábio, encarando a mesa.

— Ela tá... mais instável que ontem.

— Ela tá apaixonada.

— Ela tá negando com a alma.

No centro da sala, Saori rangeu os dentes. Mas testou.

Pela curiosidade. Pela teimosia.

E o maldito método funcionou.

Com menos mana. Mais controle. Maior alcance.

— Filho da...

Ela girou o bastão, cancelando o círculo, e murmurou:

— Ainda prefiro o meu.

Hiro não respondeu. Apenas voltou a praticar.

Mas o canto dos lábios dele... quase curvou. Por um milésimo de segundo.

Ou talvez fosse só o reflexo das runas.