Ecos Entre os Ossos

Algo quebrou.

Um som seco, como madeira podre se partindo. Não vinha de mim. Era mais pesado. Mais próximo do que eu gostaria. Vibrei, espalhando minhas terminações sensoriais pelo solo encharcado de vísceras. Captei reverberações sutis — passos arrastados, mas com peso demais para um carniçal comum.

O ar ficou mais denso. A vala parecia conter a respiração. Os próprios cadáveres pareciam perceber a presença do novo intruso.

Deslizei devagar por entre as costelas de um corpo inchado, afastando-me da trilha principal. Ainda não era hora de lutar. Meus tecidos internos fervilhavam, mas a mutação estava longe da metade.Se desmaiasse agora...

Forma Degenerada. Amaldiçoada.As palavras do Codex pesavam como garras na minha mente.

📊 [ Progresso de Biomassa: 159g / 500g ]📉 [ Estabilização Neural: 27% ]🩸 [ Integridade Corporal: 92% ]

Então senti.

Uma nova presença invadiu a vala. Seus passos afundavam os corpos moles. A carne esmagada estalava a cada avanço. E logo a vi.

A coisa parou sobre um amontoado de costelas partidas.

Era alta, com o corpo inclinado para frente como o dorso de um cão quebrado. A pele tinha um tom acinzentado e úmido, coberta por feridas abertas que pareciam respirar. Três olhos se alinhavam na testa — grandes, pretos e opacos, como pedras afundadas em sangue seco.Dois braços pendiam de forma atrofiada, com dedos curtos e disformes, enquanto os outros dois — maiores — terminavam em garras longas e rachadas, feitas para escavar carne e ossos.Cada passo produzia um ruído viscoso, como se seus pés grudassem nos corpos em decomposição.

Era um necrófago. Mas corrompido.Uma aberração nascida do erro — ou da fome.

E então ele me achou.

Não com os olhos. Nem pelo som. Mas pelo calor.

Vi quando suas narinas — longas, fendidas como fendas verticais — se abriram de repente. Aspirou o ar da vala com força, e um de seus olhos moveu-se, fixando na direção exata onde eu estava.

Ele sentiu a digestão.O calor da carne ainda viva do carniçal que queimava dentro de mim... me denunciou.

Erro fatal.

Me arrastei para fora da carcaça, tentando mudar de posição.

Tarde demais.

O primeiro impacto veio seco. Uma das garras esmagou a cabeça de um cadáver próximo, espalhando fluidos escuros e larvas. O calor da coisa me atingiu como um bafo pútrido.

Ele se virou. Os olhos mortos me buscaram.

Não havia fuga. Só confronto.

O ferrão se armou, rígido e venenoso.

Uma chance. Um ataque.

Mirei o ponto mais vulnerável que percebi — uma fenda pulsante logo abaixo do par de braços atrofiados. Uma junção mole onde as placas ósseas não se fechavam completamente, revelando músculos expostos e vasos escuros pulsando. Um ponto cego entre o tórax superior e o ombro atrofiado.Se houvesse um coração, estaria ali — ou algo que o substituísse.

Avancei.

Cravei o ferrão com força naquele ponto.

A carne cedeu, quente e viscosa. O sangue escorreu grosso, quase sólido, impregnado de um odor acre e metálico.

A criatura urrou — um som grave, vibrante, que fez os ossos à minha volta tremerem.

Ela me acertou com a pata oposta. Um golpe brutal, sem técnica. Apenas força.

Fui lançado contra uma pilha de crânios quebrados.

📉 [ Integridade Corporal: 76% ]

A dor explodiu, ardendo sob minhas placas.

Mas eu ainda estava consciente.

E ele ainda sangrava.

📊 Estado Atual:🧠 Consciência: Ativa📊 Biomassa acumulada: 159g / 500g🩸 Integridade Corporal: 76%⚠️ Ameaça: Necrófago Aberrante – Mutação falha, sentidos ampliados, resistência elevada📈 Chance de vitória: mínima. Mas possível.

A carne molda o corpo.A dor molda a alma.As escolhas moldam o destino.

E eu escolhi lutar.

Continua...