Capitulo 3

 Brasa em Fuga

O vento cortava a noite de Solara como uma lâmina gélida, carregando o cheiro de ferrugem das torres altas e o silêncio suspeito dos corredores que deveriam estar vivos com passos e patrulhas. Kaela se esgueirava pelas sombras do castelo, o manto preto escondendo sua armadura escarlate. Nos bolsos, o medalhão de Lyra e uma chave de ferro ancestral, retirada de um cofre trancado desde o Incêndio.

Riven Kellar não podia continuar preso. Não quando cada nova palavra dele riscava faíscas em sua alma e fazia as paredes do castelo parecerem mais claustrofóbicas.

Na quarta noite desde a captura, Kaela retornava à cela. Mas desta vez, não como carcereira.

— Vamos sair daqui.

Riven, acorrentado no canto da cela, ergueu os olhos devagar.

— E o que mudou?

Kaela destravou as correntes com um clique firme. As algemas caíram ao chão.

— Eu ouvi o suficiente. Se você está mentindo, o próximo a queimar será você. Mas se estiver dizendo a verdade... então o trono precisa arder.

Ele sorriu, mas não disse nada. Apenas pegou o manto que ela trouxera e a seguiu.

Sair do castelo era mais perigoso do que entrar. As portas principais estavam seladas por runas antigas, sensíveis ao sangue da realeza. Mas Kaela conhecia uma saída — um antigo corredor usado pelos servos durante o Círculo das Cinzas, uma passagem subterrânea que levava às muralhas externas.

Enquanto atravessavam os tuneis, Riven observava Kaela com atenção.

— Por que você acredita em mim?

Ela não respondeu de imediato. A tocha em sua mão tremeluzia conforme o caminho se estreitava.

— Porque minha lâmina não vibra quando você fala. E porque já vi demais para continuar cega.

Quando emergiram na encosta externa do castelo, o luar banhava os campos com um brilho prateado. Mas não estavam sozinhos.

Dois sentinelas patrulhavam o alto da muralha. Kaela e Riven se esconderam entre as sombras de um muro antigo.

— Temos trinta segundos antes que deem a volta,— ela sussurrou. — Quando eu disser, corra.

Riven assentiu. Mas antes que ela pudesse dar o sinal, um grito ecoou:

— Ei!

Um dos guardas os havia visto. A flecha zunindo no ar foi desviada por Kaela com a espada. Riven se atirou sobre o outro guarda e o derrubou com um golpe preciso, sem letalidade.

— Você luta como um guarda.

— Fui treinado para isso. Antes de ser chamado de ladrão.

Kaela puxou-o pela mão e correram pela trilha escarpada. Atrás deles, sinos começaram a soar. O alarme fora disparado.

Refugiaram-se em uma antiga estalagem abandonada, nos limites da Vila de Arkesh. Um esconderijo que Lyra havia usado no passado.

Enquanto Riven acendia uma pequena fogueira, Kaela permanecia em silêncio, fitando as brasas.

— O que você vai me mostrar agora?

Ele entregou a ela um pergaminho antigo. Era um mapa. Mas não qualquer mapa: mostrava locais sagrados apagados dos registros reais. Entre eles, o Templo das Três Chamas.

— Esse templo foi destruído, — ela murmurou.

— Foi ocultado. Pela Coroa. Lá há respostas. E talvez a verdade sobre Lyra.

Kaela segurava o mapa como se fosse feito de cinzas prestes a se desfazer.

— Vamos até lá. Mas se for uma armadilha...

Riven completou:

— Entendo. Estarei à mercê da sua espada.

A jornada começou antes do amanhecer. Cruzaram florestas densas, trilhas esquecidas e ruínas cobertas de trepadeiras. A cada passo, Kaela sentia as dúvidas crescerem como ervas daninhas. Mas também crescia algo mais entre eles: uma faísca, uma tensão que nenhuma espada poderia cortar.

Durante a travessia por uma ponte de pedra, um grupo de mercenários os interceptou. Vendidos ao melhor pagador, estavam claramente atrás de Riven.

— Entreguem o traidor e podem sair com vida.

Kaela olhou para Riven. Ele ergueu as mãos.

— Pode me entregar. Eles não vão matá-la.

Mas Kaela já havia sacado a espada.

— Eu escolho as brasas. Sempre.

A luta foi feroz. Dois contra cinco. Mas Kaela e Riven lutavam com uma sincronia instintiva. Ele desviava os golpes que ela não via. Ela cobria seus flancos com precisão. Quando o último mercenário caiu, ambos estavam ofegantes, mas ilesos.

Naquele momento, ao se encararem sob o sol nascente, algo se solidificou entre eles. Algo inflamável.

Finalmente, chegaram às ruínas do Templo das Três Chamas. Coberto de trepadeiras e silêncio, o lugar emanava uma presença antiga. Kaela sentiu o corpo arrepiar ao atravessar os pilares caídeos.

No centro, um altar intacto. Nele, cinzas quentes e uma marca gravada: a espiral dupla.

Riven se ajoelhou.

— Aqui foi onde Lyra fez sua promessa. Onde juramos proteger a verdade.

Kaela se aproximou. Um fragmento de pedra vermelho jazia entre as cinzas. Quando o tocou, visões invadiram sua mente: Lyra sorrindo. Celenya com os olhos frios. Varun murmurando encantamentos proibidos.

Ela recuou, ofegante.

— O que foi isso?

— Memórias. A Chama guarda tudo. E agora, parte dela está com você.

Kaela olhou para Riven.

— Então vamos até o fim. Pela verdade. Pela Lyra.

Ele tocou a mão dela.

— E por nós?

Ela não respondeu. Mas também não soltou sua mão.