O fim de tarde começava a tingir o céu de tons alaranjados e dourados. As luzes suaves dos refletores já estavam posicionadas, banhando a passarela em tons quentes e sofisticados, criando uma atmosfera quase mágica. O evento que Laura organizara com tanto empenho finalmente estava prestes a acontecer.
Ela conferia os últimos detalhes com o tablet em mãos. Os olhos acinzentados analisavam cada look que entraria na passarela naquela noite especial. Tudo tinha que sair perfeito — não apenas porque envolvia sua marca, mas porque aquele desfile tinha um propósito maior: arrecadar fundos para o orfanato que ela tanto amava.
— Equipe posicionada. Modelos prontos. Luzes, checadas — murmurou Giulia, aproximando-se com um sorriso satisfeito. — Está tudo impecável, como sempre.
— Obrigada. Sem você, isso seria impossível — respondeu Laura, devolvendo o sorriso. — Só falta começar.
Laura estava sentada discretamente na segunda fileira da plateia, como sempre fazia. Preferia assistir de longe, evitar os holofotes. O rosto por trás da marca continuava desconhecido para o mundo, e assim ela pretendia manter.
Mas naquela noite, havia algo diferente. Ou alguém.
Leonardo estava ali.
Sentado em uma das cadeiras da fileira de honra, vestindo um terno impecável e elegante, com os cabelos penteados para trás e os olhos fixos na passarela — ou talvez, nela. Ele não tirava os olhos dela desde que chegou, e Laura sabia disso. Sentia o peso do olhar dele em sua pele como uma carícia silenciosa. Mas fingia não notar.
Era mais seguro assim.
O desfile começou, e as modelos desfilaram as criações mais recentes de Laura. Peças elegantes, atemporais, que misturavam sofisticação com toques acessíveis. O público aplaudia entusiasmado a cada entrada, e os flashes dos fotógrafos captavam cada detalhe dos tecidos, cortes e texturas.
Leonardo não aplaudia como os outros. Ele observava com atenção. Não apenas as roupas — ele observava a mulher por trás daquilo tudo. Aquela que havia o salvo. Aquela que o desconcertava com o olhar. Aquela que, mesmo com um passado doloroso, tinha força o suficiente para transformar vidas.
A mulher que ele desejava com uma intensidade que beirava a obsessão.
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Ao fim do desfile, o discurso de encerramento foi feito por Giulia, como sempre.
— Cada peça que vocês viram aqui esta noite foi pensada para mostrar que moda pode ir além da aparência. Cada look é uma homenagem ao amor, à força e à esperança. Parte do valor arrecadado neste evento será destinado ao orfanato “Novo Amanhã”, onde dezenas de crianças ganham diariamente a chance de sonhar mais alto.
Os aplausos foram calorosos. Algumas pessoas até se levantaram.
Laura se manteve discreta. Aplaudiu com orgulho e emoção, mas sem chamar atenção. Quando o evento terminou, ela circulou rapidamente por entre os convidados, elogiando a equipe, conferindo agradecimentos, evitando olhares insistentes.
Ela sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele se aproximaria.
E não demorou.
Leonardo encostou-se na borda da cortina que dividia os bastidores da passarela. O ambiente era discreto, e ela estava sozinha naquele momento, organizando alguns papéis com Giulia do outro lado da cortina.
— Laura — ele disse com a voz baixa, arrastada, provocante. Ela se virou lentamente.
— Leonardo. — Ela cruzou os braços, um sorriso contido nos lábios. — Gostou do desfile?
— Impressionante. Assim como tudo que você toca, pelo visto.
Ela riu, desviando o olhar.
— Obrigada. Mas isso é trabalho de equipe.
— E quem lidera essa equipe? — Ele se aproximou um passo, devagar. — Eu sei que foi você quem desenhou pelo menos metade das peças dessa coleção. Reconheci seu estilo.
Laura o encarou por alguns segundos.
— Você anda me observando demais, Moretti.
— E você anda me provocando sem saber. Ou sabe?
Ela sentiu a temperatura do corpo subir, mas manteve a postura. Seus olhos cinzentos fitaram os dele com firmeza.
— Isso tudo foi para arrecadar fundos. Não tem a ver com você.
— Mesmo assim, me atingiu.
Houve um silêncio. Ele se aproximou mais um passo. O perfume dele invadiu o espaço entre os dois, quente e amadeirado.
— Posso te levar para casa? — perguntou ele, a voz mais suave.
Ela hesitou por um instante. Seus instintos diziam para manter distância. Seu corpo gritava o contrário.
— Só se não for mais um interrogatório.
— Prometo que não vou fazer perguntas. Hoje, só quero te observar… de perto.
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No carro, o silêncio entre eles era confortável. Ela olhava a cidade pela janela, ele de vez em quando desviava o olhar do volante para admirá-la.
Chegaram ao prédio, e ele estacionou com cuidado. A luz interna acendeu, revelando os olhos dela ainda mais claros sob o reflexo das luzes externas. Antes que ela abrisse a porta, ele segurou levemente sua mão.
— Obrigado por me deixar entrar no seu mundo, ainda que por alguns minutos.
Ela sorriu com ternura.
— Não estou te deixando entrar, Leonardo. Você está forçando a porta.
— E se eu te dissesse que estou disposto a esperar que você mesma a abra?
Ela hesitou, então inclinou-se levemente e tocou o rosto dele com a ponta dos dedos.
— Boa noite, Leonardo.
— Boa noite, Laura.
Ela desceu do carro. E, mesmo com a distância que impunha, ele sentiu que, aos poucos, ela estava cedendo.
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No elevador, Laura se encostou na parede e fechou os olhos por alguns segundos. Ainda sentia o perfume dele, o calor do toque, o olhar intenso.
“Ele é perigoso, Laura”, sussurrou sua consciência. Mas algo nela queria esse risco. Um desejo sutil, mas profundo, que ela não sabia mais esconder de si mesma.
Ao chegar ao apartamento, deixou os saltos na porta, tirou os brincos e caminhou descalça até a varanda. O céu estava estrelado, e a cidade brilhava ao fundo. Sentia o coração acelerado, mas agora não era medo.
Era desejo.
Talvez… esperança.
Porque, pela primeira vez em muito tempo, ela sentia que poderia confiar. Mesmo que com cautela. Mesmo que com limites. Mas algo em Leonardo Moretti a fazia acreditar que, talvez, pudesse se permitir mais uma vez.
E ali, sozinha, sob a luz da noite, Laura sorriu. Sutil, mas verdadeiro.