Capítulo 2: Lâmina e o Sussurro

O homem apertou a garrafa quebrada na mão, girando os estilhaços como se fosse uma faca improvisada. O sorriso se abriu, mostrando dentes tortos.

— Tá achando que é herói, moleque? — cuspiu no chão, a saliva se misturando à chuva. — Vai pra casa antes que eu arranque tua orelha.

Arthur sentiu um gosto metálico na boca — não era sangue, ainda não — era medo misturado com raiva, subindo pela garganta. Deu mais um passo, sentindo a sola do tênis afundar numa poça. O corpo inteiro parecia frágil — um sopro derrubaria. Mas a voz saiu firme.

— Solta ela — disse, mais baixo, como se fosse uma ordem que tentava acreditar.

O homem deu uma risada curta, gutural. Deu dois passos. Agora estavam perto o bastante para Arthur sentir o cheiro azedo de álcool. A garota soluçou atrás, um som pequeno demais para o tamanho do medo dela.

O golpe veio rápido. Um clarão de vidro brilhando — depois, uma dor quente se abriu na lateral da barriga de Arthur. Ele nem viu direito o movimento. Só sentiu o rasgo. Um estalo dentro do peito — algo entre o orgulho de ter ficado ali e a certeza de ter sido um idiota.

Cambaleou. Tentou segurar o corte, mas o sangue quente escapava entre os dedos. O homem empurrou Arthur de lado, como se fosse só um saco de lixo.

— Fica aí, palhaço — rosnou, voltando para a garota.

Arthur caiu de joelhos. A chuva batia na nuca, gelada, como se quisesse lavar o corte. Mas não lavava nada. O sangue já se misturava à água que escorria pelo beco.

Ele olhou para cima. O poste piscava. A luz explodiu em branco por um segundo — então tudo escureceu. Ele tentou se virar para ver a garota. Queria gritar. Mas a garganta não obedecia. Só a respiração curta, molhada.

O frio subiu pelas pernas, pelo peito. Um zunido preencheu os ouvidos. E, então, no meio do zumbido — uma voz. Não era a dele. Não era da garota. Nem do desgraçado do beco.

Era uma voz clara, sem emoção — como uma máquina lendo um texto em voz alta dentro da cabeça dele.

> [CÓDIGO DO PRAZER]

Iniciando protocolo de emergência...

Condição vital crítica detectada.

Deseja reiniciar a linha de vida?

Condição: Aceitar o Contrato de Prazer.

Arthur piscou. O poste piscou junto. O mundo ao redor parecia desbotar — o vidro, a chuva, o tijolo molhado. Sobrou só aquela frase pairando atrás das pálpebras.

> Reiniciar a linha de vida?

Contrato de Prazer?

Ele quis rir. Mas saiu só um sopro. O peito doía mais que a faca.

A voz repetiu — agora sussurrada, quase íntima.

> Aceita ou recusa?

A poça de sangue se espalhava embaixo dele, quente e inútil. Ele engasgou num riso.

Recusar? Voltar pra onde? Pro quarto sujo, pro prato vazio, pro avental molhado?

Cuspiu um fio de sangue. Apertou os olhos. Pensou na moeda de cinquenta centavos.

> Aceita ou recusa?

Arthur respirou — um último sopro.

— Aceito — murmurou, tão baixo que só a chuva ouviu.

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