Cada passo de Arthur era como se pisasse em cacos de vidro. Não de medo — mas de cuidado, de tensão, de antecipação. O pátio parecia uma arena improvisada. Grupos paravam de falar, olhares curiosos se voltavam. Era raro ver alguém cortar o caminho deles — Beatriz e Vítor eram território demarcado.
Vítor encostava a mão no ombro de Beatriz, apertando como se marcasse posse. A mão grande, pesada, os dedos espalhados na curva do ombro dela — Arthur reparou nisso antes de parar a uns três metros.
Beatriz foi a primeira a perceber — virou o rosto devagar, encarou Arthur de cima a baixo, surpresa contida nos olhos de mel.
Vítor demorou um segundo, mas sentiu. Ele olhou pra trás, sobrancelha franzida, sorriso torto que não tinha nada de simpático.
— Olha quem é — disse, a voz grossa, rascante, projetada pra ecoar. — O rato da última fileira. Perdeu o caminho, Arthur?
Arthur segurou o sorriso. O Sistema respirava atrás da testa, alimentando cada batida do coração.
— Fala, Vítor — disse, calmo, quase preguiçoso. — Tava querendo ver se esse banco é só teu mesmo. Ou se alguém mais pode sentar.
Vítor soltou uma risada curta — uma gargalhada ensaiada, feita pra plateia. Alguns na roda riram junto, um riso de conveniência.
Beatriz não riu. Só o observava — olhos fixos, expressão curiosa. A unha pintada batia de leve no banco.
Vítor descruzou os braços. Deu dois passos, parando tão perto que Arthur sentiu o cheiro azedo de cigarro misturado a um perfume masculino barato.
— Tu acha que pode chegar assim, do nada, e sentar onde quiser? — perguntou, baixo, o sorriso agora duro. — Quer atenção, é isso?
Arthur inclinou o rosto pra frente, deixando só um palmo entre eles. A voz saiu tão baixa que só Vítor escutou.
— Quero o que é meu, só isso.
Vítor arregalou um pouco os olhos, como se não entendesse. O sorriso dele virou uma careta de nojo.
— Teu? — Ele deu uma risada, olhou pra Beatriz como se pedisse permissão pra rir mais alto. — Tua coragem tá grande hoje, rato.
Arthur não respondeu. Só ergueu uma sobrancelha, o canto da boca puxando num sorriso lento. O Sistema ronronou:
> Prazer Social: Gatilho Ativado.
Confiança +2.
O burburinho começou. Alguns alunos pararam de fingir que não olhavam. Dois caras da turma de Vítor se aproximaram, prontos pra ver sangue — mas ainda nada aconteceu.
Beatriz descruzou as pernas. O joelho raspou de leve no banco. O olhar dela estava em Arthur agora — só nele.
Vítor notou. E isso doeu mais do que qualquer soco.
Ele ergueu a mão, apontou o dedo pro peito de Arthur, cutucando o uniforme.
— Vai embora, Arthur. Antes que eu precise ensinar educação na frente de todo mundo.
Arthur baixou o olhar pro dedo cutucando o peito. Depois ergueu de novo, rindo de leve.
— Ensinar? — disse, voz baixa, firme. — Tu mal sabe soletrar.
A resposta não era brilhante. Mas o jeito que Arthur disse — calmo, quase íntimo, como se fosse um sussurro — fez alguns na roda soltarem gargalhadas abafadas.
Vítor piscou, a raiva subindo pela veia do pescoço. O Sistema vibrou, feliz, como se comesse a tensão com uma colher.
Arthur deu meio passo pra trás, desviou devagar do dedo apontado, e soltou — ainda sorrindo:
— Cuida bem do teu trono, Vítor. Tá rangendo.
E saiu andando — sem correr, sem olhar pra trás.
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