Senti o gosto do metal antes de perceber que era meu próprio sangue. Meus dentes afundaram no lábio inferior com tanta força que eu conseguia sentir a aspereza da pele contra o esmalte. Um tremor percorreu meu maxilar, ecoando a ferida no meu peito que não tinha nada a ver com carne.
Eu estava sozinho. Só que não estava.
Algo pulsava ao meu lado — um eco do batimento cardíaco de outra pessoa, entrelaçado ao meu. Cada batida contra minhas costelas parecia uma mentira que eu já havia contado a mim mesma tantas vezes que perdi a conta.
Então eu segui.
O beco cheirava a mofo e fumaça de cigarro, mas por baixo disso havia algo mais doce — como jasmim florescendo em um vaso trancado. Eu odiava aquele cheiro. Ele prometia vida em um lugar que havia morrido há muito tempo.
Tropecei em uma caixa quebrada, a mão raspando em carne viva contra a madeira lascada. Uma fina linha vermelha de dor encontrou a onda daquele outro pulso, e por um segundo me perguntei se eu tinha enlouquecido.
Então eu a vi.
Ela se encostou em uma caçamba enferrujada, com o capuz meio abaixado e os ombros curvados em torno do seu próprio segredo. Uma das mãos tamborilava em um ritmo constante contra o joelho. A outra pairava perto de algo entre nós.
Minha respiração ficou presa.
Um fragmento. Ele cedeu sob o peso de duas vontades. Veios rosa-escuros desfiaram-se em cinzas nas bordas, como se não conseguisse mais conter a própria tristeza.
Seu olhar encontrou o meu — firme e exigente.
"Você encontrou", disse ela, com a voz entrecortada. Sem suavidade. Sem piedade.
Engoli em seco. "Eu não planejava", respondi com a voz rouca, sentindo mais medo do que sangue.
Seus dedos se contraíram. "A maioria sim." Ela acenou com a cabeça em direção ao fragmento. "Mas este é meu."
"M-minha?" consegui dizer.
Ela ergueu o queixo, estreitando os olhos. "Irin." Uma palavra. Sem convite.
Engoli em seco novamente, com os lábios em carne viva. "Kaelen."
Circulamos em volta do fragmento — dois animais feridos atraídos pelo mesmo espinho. Minha palma coçava para alcançá-lo, para aconchegá-lo, mas me lembrei de como era fácil quebrar algo tentando salvá-lo.
> "Dois corações, uma fratura",
um sussurro ecoou pela minha cabeça.
"Sangra por vocês dois."
Eu quase estremeci, mas Irin permaneceu imóvel.
"Não dê ouvidos a isso", disse ela. "Ele mente."
Algo em seu tom me perturbou. Não sua dureza, mas sua rachadura. A sombra instantânea que cruzava seu rosto quando ela pensava que ninguém estava olhando.
Minha boca ficou seca. "Não estou aqui para roubar sua dor."
Ela riu — baixo e amargo. "Todo mundo rouba a dor." Seus olhos se voltaram para mim e depois voltaram para o fragmento. "Só ladrões se dizem santos."
Uma tempestade de palavras se formou, mas eu as contive. Em vez disso, fechei os olhos e tentei me concentrar em fatos simples: o riso da minha irmã, a dor profunda quando percebi que ela havia partido, o voto inquebrável que se desfez no momento em que me virei.
Quando abri os olhos, Irin estava mais perto — perto demais. Eu podia ver o fio de uma lágrima escorrendo pelos seus cílios. Eu não esperava por isso.
"Você carrega a culpa como uma armadura", disse ela suavemente. "Mas a culpa te enferruja por dentro."
"E-eu não consigo me perdoar", sussurrei. A admissão tinha gosto de sal.
Ela me olhou de relance, com a vulnerabilidade vacilante. "Eu fiz pior." Ela expirou bruscamente, deixando cair os ombros. "Usei a promessa dela para salvar outra pessoa." Sua voz falhou. "Então vi a confiança dela se esvair no chão."
Uma dor aguda percorreu meu corpo. Meu lábio latejava. Uma gota de suor percorreu meu maxilar.
"Mostre-me sua ferida", ela disse, não como um desafio, mas como um apelo.
Meu coração batia forte. Eu queria me afastar — esconder a fratura que gritava entre nós. Mas o fragmento pulsava de desejo. Exigia algo de nós dois.
Levantei uma mão, tremendo tanto que quase a deixei cair.
"Você quer a minha canção?", perguntei, com a voz trêmula. "Aqui está: eu a deixei para trás. Pensei que a estava protegendo ao ir embora. Em vez disso, a condenei a esperar."
Minhas palavras falharam. Engoli um soluço.
Irin fechou os olhos, o peito subindo e descendo. Senti suas memórias se agitarem — impressões digitais em sua alma que eu jamais conheceria.
Então ela colocou a mão no meu pulso — a ponta do polegar pressionando meu pulso. Senti o ritmo dela convergir com o meu. O fragmento entre nós brilhou intensamente, depois se estabilizou.
> "vulnerabilidade compartilhada detectada"
"iniciar estabilização"
Não é texto. Um tremor nos meus ossos.
Deixei a dor transbordar. Cada fragmento roubado que engoli para me proteger. Cada promessa que abandonei. Cada injustiça, cada pedido de desculpas que nunca expressei.
Lágrimas rolaram pelo meu rosto, sem que eu quisesse. Senti o gosto do arrependimento, do medo e de algo perigosamente próximo da esperança.
Irin apertou meu pulso. "Obrigada", sussurrou ela. "Por não ter fugido."
Olhei para ela — olhei de verdade. Seu casaco estava remendado em tantos lugares, era um mapa de cada cicatriz que ela carregava. Mesmo assim, ela se manteve firme, recusando-se a ceder.
"Ainda estou aqui", eu disse, com a voz baixa, mas real.
A mão dela tremia. "Eu também."
Um poste de luz acima crepitou e depois explodiu em uma chuva de faíscas. Um cachorro latiu — duas vezes — e então o silêncio engoliu o som antes mesmo que ele saísse de sua garganta.
A luz do fragmento oscilou, aumentando para um tom branco e depois diminuindo até um brilho suave.
E o sistema suspirou por trás dos meus pensamentos:
> "fratura compartilhada ligada: Kaelen- Irin"
"zona de ruína ativando"
"estado: esperança precária"
Eu estremeci.
Não de frio.
Da promessa de ruína que havíamos convidado.
Irin me encarou. "Fizemos isso juntos."
Assenti, com a boca seca. "Ruína compartilhada."
Ela deu um sorrisinho torto. "Então vamos sobreviver."
Ficamos lado a lado enquanto o beco tremia ao nosso redor — duas metades de um voto quebrado, ousando unir os pedaços.
Kaelen stumbled, blinded by a light that didn't burn—but remembered itself. Pain flared beneath his chest, where two hearts once hammered separately. Now they thudded in unsteady sync.
He barely heard Irin's whisper—something like "Stay with me." More felt than heard, threaded through his ribs.
The alley rippled—concrete breathing, walls bending inward. The world undid itself in slow motion, like wet ink running.
He flinched against a spray of fuchsia sparks—fragments of their shared sorrow breaking free, darting like brittle birds.
"Dive!" Irin shouted, voice ragged. She shoved him into a half-open doorway.
They collapsed inside a cramped storage closet, boxes toppling. The door slammed shut on the screaming alley.
He pressed his back to the splintered wood, every breath tasting ash and jasmine, the two scents blended into confusion.
"I… screwed up," he gasped. Lip split, a thin river of warmth trickling down his chin.
She sank to the floor, eyes tight shut. "We're both here. That's not screwing up."
He knelt beside her, dizziness pulsing. "But we broke it."
She opened one eye. "We can fix it." Her voice cracked—an earthquake.
They stared at each other in the dim slats of moonlight.
Silence swallowed them. Then she began, voice soft as dust:
"I watched her echo die in my hands."
Kaelen's breath caught. He saw the old fracture in her pupils.
"I thought I could trade her pain for something greater."
Her hand reached out, trembling. "But I lost both."
He felt the weight of her sorrow. His own guilt flared—sharp, uninvited. He gripped her wrist, trembling too.
"I left my sister's echo waiting," he whispered. "She… she faded before I could come back."
She met his gaze, tears glistening. "Irin," he said, voice barely solid.
She shook her head. "Not yet."
A board groaned. Outside, the shardstorm pressed. The alley's heartbeat thrummed in their bones.
He swallowed—a lump of regret. "I'll… I'll make it right."
She exhaled, eyes softening. "Together."
They rose slowly, hands still clasped. The narrow space spun. He closed his eyes, tasted iron.
The system's faint murmur guided him:
> anchor—promise—merge
Not words flashing on screen. A gentle tug at his heart.
He opened his eyes. Looked at Irin.
"I promise," he said, voice breaking, "to hold this fracture—never to let it shatter alone."
Her breath hitched. "I promise not to let it drown me."
They pressed palms together—skin on skin. The shardstorm outside paused, as if listening.
A sliver of glow seeped through gaps in the boards. The bond between them flared, enveloping the closet in warm rose.
The walls stopped trembling. The alley's roar receded.
They eased the door open. Stepped back into the quiet street.
Neon buzzed, car engines sputtered—life bleeding back into shadow.
The fragment was gone. No glowing speck, no ache in the air.
Kaelen brushed dust from his cheek. No wound—just a faint tingle.
Irin exhaled, relief soft on her lips. "We did it."
He nodded, but his gaze flicked downward. Something glinted beneath his shirt seam—a shard lodged near his rib.
He pressed a finger to it. Pain bloomed—sharp and intimate.
Irin saw it and froze. "It's still with you."
He looked at her, breath shallow. "Then it lives."
A stray spark danced from under his shirt, pulsing in time with their new bond.
Irin placed a hand over his heart. "Then let's learn to live with it."
He nodded, voice raw. "One shared step at a time."
Behind them, the alley exhaled—a soft sigh of undone echoes moving on.
And the system whispered inside his mind:
> Shared Shard Detected: Lingering
Participant Link: Kai-Irin
New Module Unlocked: "Echo Refuge"
They walked on, shadows entwined, carrying their ruin—and the promise to survive it.