Capítulo 1: Contrato com o Amor Proibido

Parte 1: O Coração de um Solitário

Caio despertou como sempre: com o som do despertador berrando no ouvido e a sensação de que mais um dia comum se arrastaria diante dele.

— Mais um dia... mais invisível que ontem — murmurou, passando a mão nos cabelos bagunçados.

A escola era a mesma, os corredores, iguais. Mas Caio nunca foi exatamente parte da paisagem. Ele era aquela peça deslocada: inteligente demais para os populares, introspectivo demais para os nerds, sarcástico demais para qualquer grupo que se levasse a sério. Um fantasma que andava entre os alunos com o capuz jogado sobre os olhos e os fones sempre nos ouvidos.

O único lugar onde se sentia confortável era a biblioteca. Lá, entre prateleiras empoeiradas e livros ignorados, ele encontrava algo parecido com paz.

Foi lá que ele a viu pela primeira vez.

Ruby Aquamarine.

Era impossível ignorá-la. A garota tinha um nome de pedra preciosa e um cabelo que parecia refletir a luz de outro mundo — castanho-escuro com mechas azuladas que não pareciam pintadas, mas nascidas assim. Usava fones grandes no pescoço e carregava sempre um caderno de desenhos. Sentava sempre no canto ao lado da janela e passava as tardes desenhando cenas fantásticas: castelos submersos, batalhas de dragões e casais se beijando sob a chuva.

Ela era tudo o que Caio não era.

Espontânea, criativa, envolvente. Era o tipo de pessoa que fazia o mundo parecer menos cinza só por existir nele. E era justamente por isso que ele nunca ousou se aproximar. Ela parecia pertencer a uma realidade onde Caio jamais seria convidado a entrar.

Mas ele observava. Sempre de longe.

No fundo, não era uma simples paixão. Era fascínio. Ruby parecia ter saído de um dos livros de fantasia que ele devorava, e isso a tornava inalcançável — quase irreal.

Mas um dia, tudo mudou.

Foi numa tarde chuvosa, quando a escola inteira parecia ter evaporado para os clubes esportivos e ensaios de teatro. Caio, como sempre, se esgueirou até a biblioteca, e para sua surpresa, Ruby estava lá — sozinha. Chorando discretamente, escondida entre duas estantes.

Ele quase voltou. Quase fingiu que não viu.

Mas algo nele se quebrou.

— Você tá bem? — perguntou, a voz rouca de quem quase nunca fala com ninguém.

Ruby olhou surpresa, mas não se afastou. Apenas sorriu, meio sem jeito.

— Tô... Só um dia ruim.

Ela enxugou os olhos e voltou a desenhar. Um esboço de uma garota de cabelo azul afundando num mar escuro, com corações partidos à volta.

Foi a primeira conversa dos dois. E foi ali que Caio se perdeu de vez.

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Nos dias que se seguiram, eles trocaram olhares, depois palavras. Ruby passou a cumprimentá-lo no corredor. Às vezes, até sentava ao lado dele no almoço. E cada pequeno gesto fazia o coração de Caio bater como um tambor de guerra.

Mas algo estava errado.

Ruby estava distante, mesmo quando sorria. Ela era gentil com todos — até demais. Parecia buscar algo que nunca encontrava. Caio descobriu que ela tinha saído de outro colégio há poucos meses, e que rumores estranhos a cercavam: diziam que ela “esquecia” de pessoas importantes, que às vezes olhava para alguém como se tivesse vivido outra vida com ele — e depois negava tudo.

Caio ignorou tudo isso. Ou tentou.

Mas no fundo, algo sussurrava: Ruby não era comum. Nem ele. E isso significava que talvez... só talvez... ele pudesse tê-la.

Foi então que ele começou a procurar. Desesperadamente.

Como conquistar alguém que vive em outro mundo?

Livros de psicologia? Fracasso.

Tutoriais na internet? Vergonha.

Conselhos de fóruns? Ridículos.

Até que um dia, entre livros abandonados no porão da biblioteca velha, encontrou algo diferente. Um manuscrito antigo, escondido entre capas de couro mofadas. O título quase ilegível:

> "Contrato com os Deuses do Amor: Através do Chocolate Eterno."

Caio riu. Parecia ficção. Mas algo nele acreditou. Algo nele queria acreditar.

E então, na noite seguinte, sob a luz de velas e com o coração na garganta, ele seguiu o ritual descrito ali, palavra por palavra.

Ele ofereceu seu nome. Seu desejo. E sua alma.

E pediu apenas uma coisa:

> — "Faz ela me amar... de verdade."

O ar ficou pesado. O silêncio se rompeu com um sussurro antigo, quase doce.

Algo tinha respondido.

E o caos estava prestes a recomeçar.

Parte 2: Alya, a Deusa das Asas Prateadas

A chama da vela apagou sozinha.

O quarto de Caio mergulhou em uma escuridão tão profunda que ele duvidou da própria visão. Por um instante, tudo ficou quieto… quieto demais. O tipo de silêncio que antecede algo importante. Ou perigoso.

Então, surgiu uma luz. Fraca, mas crescente.

Prateada.

Viva.

O ar ficou denso e doce — como chocolate derretido misturado com perfume de flores silvestres. A temperatura parecia subir, e no centro do círculo desenhado com açúcar e pó de cacau, algo — alguém — começou a se materializar.

Caio arregalou os olhos.

Ela flutuava levemente acima do chão.

Tinha cabelos longos e prateados que brilhavam como fios de luar, olhos azul-claro que lembravam o céu de inverno ao amanhecer, e usava um vestido florido cor-de-rosa, simples, mas encantador. Nas costas, pairavam asas prateadas, feitas de pura luz. Não batiam. Apenas… brilhavam, silenciosas.

— “Você realmente me chamou…” — ela disse, com um sorriso curioso. Sua voz era suave, quase doce demais, como uma música que a gente não esquece.

Caio deu um passo para trás. Estava sem palavras.

— Q-quem é você?

A garota — ou melhor, a entidade celestial — pousou suavemente no chão, como uma pétala tocando a superfície da água. E então se apresentou:

— “Sou Alya. Deusa menor do Amor Proibido, da Doçura Caótica, das Paixões Despertadas e das Confusões Sentimentais. Mas pode só me chamar de Alya mesmo.”

Ela girou levemente, fazendo o vestido esvoaçar e as asas emitirem um leve brilho prateado. Seus olhos se fixaram nos de Caio, lendo sua alma como quem folheia um livro conhecido.

— “Você quer que ela te ame. Ruby Aquamarine.”

O nome dela em voz alta fez Caio estremecer.

— É tudo o que eu quero.

Alya sorriu de leve. Não era um sorriso de escárnio. Nem de compaixão. Era algo no meio — como se já tivesse visto aquela história muitas vezes, com muitos finais diferentes.

Ela estalou os dedos.

Uma barra de chocolate apareceu, flutuando entre eles. Era envolta em um papel dourado antigo, marcado com símbolos que pulsavam levemente: um coração, uma chama, uma espiral.

Caio estendeu as mãos e a barra pousou suavemente sobre seus dedos. Era quente, como se tivesse acabado de sair de uma fornalha… ou de um altar mágico.

— Isso é…

— “Chocolate do Cupido.” — Alya disse. — “Feito com desejo verdadeiro, moldado com magia antiga e temperado com risco. Um pedaço oferecido a alguém… e o coração dela se volta pra você.”

— É uma poção…?

— “Não. É pior.” — Ela piscou. — “É amor acelerado. Intensificado. Mas falso… até que se torne real. E se você não entender o que Ruby realmente deseja, o feitiço se corrompe. Ela pode te amar por algo que não é você. Ou se machucar. Ou… bem, digamos que o caos está sempre de prontidão.”

Caio apertou a barra com as duas mãos. Estava decidido.

— Eu aceito.

Alya olhou pra ele em silêncio. Depois sorriu de novo — dessa vez, com um toque de melancolia nos olhos brilhantes.

— “Então o contrato está selado.”

As luzes do quarto vibraram. O círculo no chão brilhou intensamente e desapareceu. As velas se apagaram por conta própria, e a presença de Alya começou a sumir, lentamente, em faíscas prateadas que subiam para o teto como estrelas caindo ao contrário.

Mas antes de desaparecer por completo, Alya deixou seu aviso final:

— “O amor pode ser doce. Mas cuidado… uma mordida errada, e ele vira um bolo amargo de caos.”

E então ela se foi.

Caio ficou sozinho. A barra de chocolate em suas mãos.

O coração batendo forte.

O futuro… prestes a derreter.