Capítulo 6 João Ricardo — O Vazio

O teatro estava mergulhado em silêncio.

João piscou. Quando abriu os olhos, não estava mais lá.

Estava… no seu antigo quarto.

O mesmo papel de parede desgastado, o mesmo cheiro de mofo e os mesmos pôsteres tortos nas paredes — marcas de uma vida esquecida. Tudo como era antes do caos, antes de Tati, antes dos chocolates mágicos.

Ele se levantou lentamente da cama. A janela mostrava uma paisagem cinza, sem céu, sem pessoas, sem som.

— “Alô?” — ele tentou, mas sua voz saiu fraca, abafada, como se o mundo estivesse com o volume no mudo.

Na escrivaninha, uma folha em branco. Na estante, nenhum livro.

No espelho… um reflexo que não era bem o seu.

João se aproximou.

O reflexo sorriu de forma estranha. E então falou:

— “Você achou mesmo que mudou alguma coisa?”

— “O quê...?”

— “Você era invisível antes, e no fundo, ainda é. O caos só te fez parecer importante por alguns dias. Mas agora… tudo passou. Acabou.”

O quarto começou a escurecer nas bordas. As paredes tremiam levemente, como se prestes a desabar.

João engoliu em seco. Tentou abrir a porta. Trancada.

Tentou chamar Tati. Ninguém respondia.

O reflexo o seguia com os olhos, impiedoso:

— “Você nunca foi um herói. Nunca teve poderes. Nunca foi especial. Você só estava no lugar errado… na hora errada. O caos escolheu você por acaso. E agora tudo volta ao normal. Sem ninguém. Sem amor. Sem propósito.”

A cama desapareceu. As paredes ruíram, revelando um vazio branco, sem chão nem teto. João ficou de pé, no nada.

Ele caiu de joelhos.

O silêncio pesava mais que gritos. O peito doía.

Porque parte dele acreditava naquilo.

— “E se for verdade?” — murmurou. — “E se… tudo isso… nunca tivesse acontecido? Se ninguém lembrar de mim? Se eu nunca tiver mudado nada…?”

As lágrimas surgiram sem aviso. Desceram quentes, silenciosas, pelas bochechas.

Ele olhou para as mãos. Tremiam. Como no primeiro dia de aula. Como no primeiro beijo. Como no momento em que decidiu lutar.

E então… uma voz.

Fraca. Mas familiar.

— “João…”

Ele olhou para o vazio. E ouviu de novo:

— “João Ricardo…”

Era Tati. Era Bia. Era Melissa. Era Alya. Era ele mesmo.

Vozes que o chamaram. Que confiaram. Que o desafiaram a se tornar mais.

E pela primeira vez ali… ele lembrou quem era.

Fechou os olhos, apertou os punhos, e gritou:

— “Eu fui invisível… SIM! Eu tive medo! Eu quis fugir!

Mas mesmo assim… EU FIQUEI!

Mesmo sem poderes, mesmo sem saber o que fazer…

Eu fiz o melhor que pude. Eu fiz algo REAL!”

A luz cresceu ao redor.

O reflexo no espelho gritou — e se quebrou em mil pedaços, estilhaçando a escuridão.

O vazio branco se preencheu com cor. Com calor. Com memória.

O quarto se reconstruiu. Só que dessa vez… com fotos nas paredes.

Fotos de momentos vividos: com Tati sorrindo ao seu lado, com Caio, com Bia, com Melissa, com Alya.

No chão, um caderno vazio agora com as primeiras palavras escritas em sua própria letra:

> "Minha história não começou com magia.

Mas ela ficou mágica… porque eu escolhi vivê-la."

Ele segurou o caderno contra o peito.

E então despertou.

No teatro, João abriu os olhos. Ofegante. Encharcado de suor e lágrimas.

Mas… mais forte.

Na mão, ainda estava o caderno — sua âncora emocional.

Ele se levantou, tremendo, mas determinado.

Lucius havia tentado apagar o que ele era. Mas ao fazer isso… ajudou João a lembrar exatamente quem ele havia se tornado.