O chão tremeu sob os pés de Tati. Num instante, a luz do teatro se apagou — e quando ela piscou de novo… estava no Reino Celestial.
Tudo ao seu redor era prateado, puro, imaculado. Um salão feito de nuvens sólidas e pilares de luz, com harpas tocando sozinhas ao fundo.
Era o lar dela. Ou... tinha sido.
Tati deu um passo à frente, o coração acelerado. Estava de volta?
— “Tati dos Raios Celestes, guardiã do Amor, filha da deusa Élyria…” — uma voz ecoou, grandiosa. — “Você retornou.”
Ela virou-se.
Diante dela, dezenas de deuses em tronos flutuantes a observavam friamente. Entre eles, estava sua mãe, Élyria — imponente, com olhos tão afiados quanto o destino.
— “Sua punição foi cumprida,” disse Élyria. “Você pode retomar seu lugar. Ser imortal novamente. Esquecer… tudo o que viveu entre os humanos.”
Tati congelou.
— “Esquecer… o João?” — ela perguntou, num fio de voz.
— “Você não precisa lembrar da dor,” disse Élyria. “Do fracasso. Do sofrimento. Nós podemos apagar tudo isso.”
Imagens surgiram diante dela: o momento em que perdeu seus poderes… o choque de viver como humana… o arroz queimado… a primeira noite chorando sozinha num mundo novo e confuso.
— “Isso é o que a humanidade te deu: fraqueza.”
Tati apertou os olhos.
Mas então… outra imagem apareceu: João rindo de algo bobo. Depois, ajudando-a a entender o mundo. Depois… chorando ao lado dela quando ela teve medo.
Essas memórias… doíam, mas também… eram reais.
— “Você sente saudade de nós porque sente saudade de ser importante,” Élyria disse, agora andando lentamente em direção à filha. — “Você quer pertencer a algum lugar… e aqui é o seu lugar.”
Tati mordeu o lábio inferior. Queria isso, não queria?
Ela sentia falta de voar. De poder. De eternidade.
Mas…
— “E… se meu lugar não for mais aqui?” — ela perguntou.
Élyria a olhou como se tivesse sido apunhalada.
— “Você trocaria a imortalidade… por uma existência esquecível entre humanos?”
Tati respondeu… quase num sussurro:
— “Eu trocaria tudo… por ser lembrada com amor.”
O chão tremeu. As colunas celestes ruíram.
A voz da mãe se distorceu, gritando:
— “Você está rejeitando sua essência! Você está abrindo mão da eternidade!”
— “Não!” — Tati gritou de volta. — “Eu não estou rejeitando quem eu era… estou escolhendo quem eu quero ser! Eu quero viver… mesmo que isso signifique errar. Eu quero sentir… mesmo que isso signifique chorar. Eu quero amar… mesmo que isso signifique perder!”
Ela abriu os braços, enfrentando a luz que a consumia.
O mundo celestial desabou ao redor.
E no meio da destruição, a imagem de João surgiu, estendendo a mão — não como salvador, mas como igual. Humano. Real.
Tati a segurou com força.
E acordou.
—
No teatro, Tati abriu os olhos com um suspiro rasgado. As bochechas molhadas, o peito arfando.
Ela olhou para os lados, confusa, e então viu João — que já havia vencido seu próprio pesadelo. Ele estendeu a mão.
— “Você voltou,” ele disse.
Ela segurou firme. Sorriu com os olhos cheios.
— “Eu escolhi voltar.”
E dessa vez… por vontade própria.