Capítulo 1: O Bilhete Escondido

PARTE 1 de 5 — A Ausência de Ruby

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O dia seguinte parecia normal.

Talvez até... normal demais.

Depois de semanas de caos emocional, declarações explosivas, perseguições malucas e memórias distorcidas, o Colégio Vênus finalmente tinha voltado ao seu ritmo habitual. Professores sorridentes voltavam a dar aulas como se nada tivesse acontecido. Os corredores estavam tranquilos. Nem uma garota apaixonada tentando arrancar um beijo, nem um garoto furioso tentando socar alguém. Era quase surreal.

Mas Caio não conseguia relaxar.

Enquanto os colegas sorriam aliviados, ele permanecia inquieto. Uma sensação estranha, como se tivesse deixado algo inacabado. Ou pior: alguém.

Ruby Aquamarine.

Desde a última noite do caos, ninguém mais a vira. Ela simplesmente... desapareceu. E não da forma que as outras garotas “esquecidas” desapareceram da memória coletiva. Era diferente. Ruby era como um ponto de interrogação no coração de Caio — um vazio que não se explicava.

Ele passou os olhos pela sala de aula novamente. De novo. Como vinha fazendo nas últimas três manhãs.

Nada.

A cadeira dela continuava vazia. Intacta. Sem nem uma marca de presença.

— Será que ela existiu mesmo? — ele se pegou pensando, odiando o pensamento.

Mas então, algo chamou sua atenção.

Sob a carteira onde ela costumava sentar — discretamente colado com fita, quase invisível ao olhar apressado — havia um pedaço de papel amassado.

Caio se levantou devagar, como se o tempo estivesse desacelerando. Os sons da sala ficaram abafados. O coração batia alto, ecoando nos ouvidos.

Ele se abaixou, puxou o papel com cuidado e desdobrou-o.

Era um bilhete.

Escrito com uma letra elegante, firme, quase artística. O cheiro leve de perfume ainda impregnava o papel — o mesmo que Ruby costumava usar.

> “Se estiver lendo isso, é porque ainda pensa em mim.

Estou te esperando no endereço abaixo. Venha sozinho. Não conte a ninguém.

— R.A.”

Abaixo, um endereço. Uma rua esquecida do centro antigo da cidade. Próxima a um beco onde se erguia um galpão industrial abandonado. O tipo de lugar que daria arrepios em qualquer um — mas que, para Caio, parecia o único ponto de esperança no mundo.

Ele leu o bilhete três vezes, só para se convencer de que era real.

A letra era dela. O tom era dela.

Ela estava viva. E queria vê-lo.

Um turbilhão de pensamentos tomou conta da mente dele.

Por que ela sumiu? Como ela se lembrava dele se todos os outros tinham esquecido tudo?

E por que pedir segredo?

Mas nada disso importava agora.

Ele dobrou o papel com cuidado, guardou no bolso da jaqueta e levantou. Não falou com ninguém. Não se despediu.

Apenas saiu da sala — os passos decididos, o coração em disparada.

Sem saber que, naquele momento, estava caminhando não só para um reencontro...

...mas para o início de um novo tipo de caos.

Um caos que envolvia chocolates proibidos, deuses secretos, e um amor perigoso demais para existir.

PARTE 2 de 5 — A Revelação de Ruby

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O céu continuava nublado, como se a cidade segurasse a respiração.

Entre os escombros de uma antiga fábrica, Caio parou, o coração batendo com força. Diante dele, estava Ruby Aquamarine — viva, real… e estranhamente distante.

Ela estava mais madura. Os olhos carregavam um cansaço que não combinava com sua idade. Como se tivesse vivido muito mais do que deveria.

— “Ruby…” — ele sussurrou, sem saber se corria até ela ou ficava parado.

Ela sorriu de leve, mas havia dor naquele gesto.

— “Você veio. Ainda bem.”

— “Claro que vim! Você sumiu! Eu pensei que... depois daquilo tudo...”

Ela abaixou os olhos.

— “Eu precisava desaparecer. E lembrar quem eu era.”

— “Rubi, o que está acontecendo? Por que aqui? Por que esse bilhete? Por que agora?”

Ela respirou fundo e se virou, guiando-o por entre as pilastras quebradas.

Pararam diante de uma mesa metálica enferrujada.

No centro, uma caixa dourada, envolta em diagramas arcanos riscados à mão. No topo, um selo vermelho pulsava levemente, como se tivesse um coração batendo dentro.

— “Isso…” — Caio murmurou. — “É um novo Chocolate do Cupido?”

Ruby assentiu com a cabeça, sem tirar os olhos da caixa.

— “Sim. Mas... diferente de tudo que veio antes.”

— “O que ele faz?”

Ela virou-se para ele, a expressão carregada.

— “Esse chocolate não desperta amor. Desperta… fome de amor. Desejo de posse. Obsessão. Vontade de ter todas as possibilidades… ao mesmo tempo. Um Chocolate voltado para haréns.”

Caio engoliu seco.

— “Mas isso é errado… é cruel.”

— “E mesmo assim, foi pedido. Por um humano.”

Ele deu um passo à frente.

— “Mas quem pediria algo assim?”

Ruby hesitou. Depois soltou uma risada amarga.

— “Alguém que estava cansado de ser invisível. Que acha que o mundo deve amar quem ele é… mesmo que isso precise ser forçado.”

— “Então... temos que impedir isso.”

Ela finalmente o encarou.

— “Caio… você não entende. Isso… já começou.”

Ele sentiu o estômago revirar.

— “Mas por que você está envolvida nisso tudo? Como você sabe dessas coisas? Como lembra de tudo? Até do que o feitiço deveria ter apagado…”

Ruby baixou a cabeça. Ficou em silêncio por alguns segundos.

— “Eu não sei quem são meus pais, Caio.”

— “Nunca soube. Fui criada em lares temporários, pulando de lugar em lugar. Mas desde pequena… eu sentia coisas estranhas. As pessoas ao meu redor começavam a agir diferente. Como se meus sentimentos... afetassem o mundo.”

Ela apertou os punhos, com a voz trêmula:

— “Quando comi o Chocolate do Cupido, tudo explodiu. Você lembra. Eu fui uma das primeiras. E depois, com o Chocolate do Ódio, eu senti tudo... de novo. Como se as mesmas feridas fossem reabertas. Mas em vez de me perder... eu me lembrei. De tudo. De cada beijo falso, cada briga, cada mentira mágica.”

Caio ouviu em silêncio. As palavras pesavam como pedras.

Ruby ergueu o braço e empurrou a manga da blusa.

No ombro, havia um símbolo misterioso, meio queimado, meio tatuado. Um traço vermelho envolto por linhas azuis. Não era uma marca comum. Pulsava, viva.

— “Essa marca apareceu depois do fim do feitiço do ódio. No dia seguinte. Doeu tanto que eu achei que ia morrer. Mas, ao invés disso… eu entendi. Eu sou... uma Anuladora.”

— “O quê?”

— “Eu não sei como… nem por quê. Mas entendi o que sou. Uma espécie de... equilíbrio. Uma peça que nasce quando a balança é quebrada. Alguém que já amou profundamente. E já foi destruída pelo mesmo sentimento.”

Ela respirou fundo.

— “Ser um Anulador é como carregar uma cicatriz que nunca fecha. A gente sente tudo — mesmo o que deveria ter sido esquecido. E por isso... somos os únicos que podem desfazer feitiços como esses.”

Caio se aproximou, devagar, como se falasse com uma estrela prestes a apagar.

— “Ruby... você passou por tudo isso sozinha?”

Ela sorriu, mas os olhos estavam marejados.

— “Sim. E achei que aguentaria. Mas quando esse novo chocolate foi ativado… percebi que não dá pra enfrentar isso sozinha. Eu precisava de alguém que lembrasse quem eu era de verdade. Alguém que não estivesse enfeitiçado.”

Caio tocou de leve o braço dela.

— “Você não tá mais sozinha.”

Ela fechou os olhos por um momento.

— “Obrigada.”

O silêncio caiu, denso.

Ruby então encarou a caixa.

— “Esse garoto que pediu o novo chocolate... ele é diferente. Ele não quer o amor de uma garota. Ele quer o controle de todas. Ele quer criar um mundo onde ninguém ama por vontade. Só porque foi mandado.”

— “E o que fazemos agora?”

Ela respirou fundo.

— “Procurar os outros. Porque ele vai tentar de novo. E se conseguir… vai transformar tudo num jogo. Onde o coração das pessoas é só mais uma peça.”

O céu rugiu ao longe. Como se os deuses também estivessem ouvindo.

E ali, entre ruínas, começou a resistência.

O caos tinha voltado.

Mas desta vez... eles estavam prontos.

PARTE 3 de 5 — A Semente do Harém

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Enquanto Caio e Ruby conversavam na fábrica abandonada, do outro lado da cidade…

Um garoto comum — ao menos à primeira vista — caminhava pelos corredores silenciosos da biblioteca municipal.

Seu nome?

Gabriel Cardoso.

Dezessete anos. Boa aparência. Boas notas. E... invisível.

Era o tipo de pessoa que ninguém lembrava. Que passava pelos lugares sem deixar rastro.

E ele odiava isso.

Todos os dias via os outros rindo, namorando, vivendo paixões como se o amor fosse uma loteria — e ele nunca ganhava.

Fechou os olhos.

Lembrou de Amanda Lima, a garota por quem era apaixonado desde o oitavo ano.

Ela nem sabia o nome dele.

Mas Gabriel não era ingênuo.

Sabia que algo estranho tinha acontecido no colégio nos últimos meses. Garotas agindo de forma obsessiva, brigas, confusões, pessoas mudando de repente...

Então ele começou a investigar.

Fussou arquivos, puxou históricos de alunos, vasculhou fóruns e até simulou um ataque para acessar os registros apagados do sistema escolar.

E então… ele achou.

Um termo. Escondido em uma anotação digital com criptografia incomum:

> “Doce do Cupido. Projeto suspenso por interferência divina.”

A partir daquele momento, Gabriel mergulhou em um mundo que ninguém mais via.

E ali, entre livros esquecidos e textos milenares, encontrou o que procurava:

> Um antigo ritual de invocação de artefato sentimental.

Uma forma de chamar... não um deus, mas o reflexo dele:

A Essência do Amor Corrompido.

Ele já tinha tudo preparado.

Desenhou o círculo mágico sob o assoalho do porão da biblioteca. Usou pétalas secas de rosas azuis, uma gota de seu sangue e uma confissão escrita à mão com toda a verdade do seu coração:

> “Eu não quero mais ser esquecido.

Eu não quero mais pedir por amor.

Eu quero que me desejem. Que me amem. Que disputem por mim.

Nem que seja por um feitiço.”

E então… queimou o papel.

As chamas azuis acenderam sem calor.

E do centro do selo, uma pequena caixa surgiu — metálica, com detalhes em veludo roxo, envolta por uma aura suave, doce... e densa como veneno.

Ao abri-la, havia dentro apenas um bombom cor-de-rosa, com um pequeno laço dourado.

E uma frase escrita em latim:

> “Para todo amor torcido, uma paixão distorcida será concedida.”

Gabriel sorriu.

Um sorriso nervoso. Frágil. Ainda inocente.

Mas aquele foi o instante em que algo dentro dele começou a se romper.

— "Finalmente... é a minha vez."

E em algum lugar distante, nos Céus, os deuses observaram em silêncio.

Nem todos sabiam o que fazer.

Afinal... aquilo não fora feito por eles.

Não era um chocolate celestial.

Não era um castigo.

Era um pedido humano.

E desejos humanos... são os mais perigosos de todos.

PARTE 4 de 5 — O Primeiro Elo

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Gabriel segurava a caixinha nas mãos como se ela fosse uma relíquia sagrada.

O bombom parecia brilhar levemente no escuro. O cheiro doce e envolvente preenchia o porão da biblioteca.

Mas ele hesitava.

Comer aquilo era cruzar uma linha.

Não haveria volta.

Ele fechou os olhos e pensou em Amanda.

Na forma como ela ria com os outros garotos.

Na maneira como nem notava sua existência.

A dor foi o suficiente.

Ele colocou o bombom na boca.

O gosto... era impossível de descrever.

Era doce como o primeiro beijo que nunca teve, quente como uma paixão secreta, e amargo como cada vez que fora ignorado.

Seu corpo tremeu.

Por um segundo, sentiu como se estivesse desmanchando. Como se estivesse em mil pedaços — e ao mesmo tempo, mais inteiro do que nunca.

Então, o chão tremeu.

O círculo de invocação brilhou com intensidade. As pétalas de rosa flutuaram no ar como se estivessem vivas. E uma voz ecoou no escuro — não uma voz humana, nem divina. Algo... entre as duas.

— “Primeiro elo forjado.”

Gabriel caiu de joelhos, ofegante. Quando abriu os olhos, algo havia mudado.

Ele sentia.

Sentia como se sua alma estivesse... conectada. A outra.

Não sabia explicar. Mas podia sentir o calor, o desejo, a confusão — de alguém.

Amanda?

Talvez.

Sem pensar, ele se levantou e saiu correndo. Subiu as escadas da biblioteca, atravessou as ruas da cidade e correu até o colégio, mesmo com as aulas já encerradas.

Chegando lá, viu Amanda saindo do cursinho de inglês. Estava distraída, mexendo no celular.

Quando ela passou por ele… parou.

Virou-se.

Olhou diretamente nos olhos dele.

— “Oi…” — disse, surpresa.

Gabriel congelou.

Ela o reconheceu. Ela viu ele.

— “Você... Gabriel, né?”

Ele engoliu em seco. Assentiu.

— “Sim.”

Amanda sorriu, meio sem graça.

— “Você sempre passa despercebido, né? Mas... hoje... você tá diferente.”

Ele respondeu com um sorriso discreto, mas algo dentro dele gritava.

Funcionou.

O feitiço começara.

Mas Gabriel ainda não sabia a verdade:

aquilo não era apenas sobre Amanda.

O chocolate do harém não criava um par.

Criava uma coleção.

E uma vez iniciado… não parava.

PARTE 5 de 5 — O Encontro de Destinos

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A noite caía, carregando o céu com nuvens pesadas e uma lua obscurecida.

Na antiga fábrica de doces, Ruby observava Caio em silêncio.

Algo no olhar dela havia mudado — mais firme, mais sombrio.

— “Eu não queria te envolver nisso,” — disse ela, finalmente. — “Mas agora é tarde. O jogo começou.”

Caio apertou os punhos.

— “Esse chocolate... o tal do harém... se já está ativo, como a gente para?”

Ruby hesitou.

— “Não é só uma magia. É uma ideia. Um desejo multiplicado por outros desejos. Cada pessoa que come dele passa a desejar ser o centro de tudo. Do amor, da atenção, da existência. Isso espalha o caos. E quanto mais caos... mais forte o feitiço fica.”

Caio respirou fundo.

— “E quem está por trás disso?”

Ruby caminhou até uma pilha de papéis e retirou uma foto antiga.

Era em preto e branco. Mostrava um garoto de uniforme escolar com um sorriso enigmático. Ele segurava uma caixa parecida com a de Ruby.

Ela entregou a foto a Caio.

— “O nome dele é Eros Lucian II. Filho renegado de um deus do amor e de uma mortal. Exilado do Reino Celestial por tentar criar um feitiço de amor absoluto.”

Caio observou o rosto. Havia algo perturbador naquela expressão.

— “Ele voltou?”

— “Não sabemos. Mas os sinais estão aí. O ritual foi ativado. E quando isso acontece... os portadores começam a se encontrar. Inconscientemente.”

Nesse exato momento...

Em outro ponto da cidade...

Gabriel caminhava para casa, ainda com o gosto do chocolate na boca e o coração acelerado por sua breve conversa com Amanda.

Mas ao virar a esquina... parou.

Outra garota estava ali.

Sozinha. Sentada no banco de uma praça. Olhando diretamente para ele.

Era Nina, da sala de artes.

Ela também o notou.

— “Gabriel?”

Ele franziu a testa. Ela nunca havia falado com ele.

— “Oi… você me conhece?”

— “Desde o primeiro ano. Mas é como se você... não existisse. Até hoje.”

Gabriel deu um passo para trás, confuso.

Sentiu um frio subir pela espinha.

Duas garotas. Duas conexões.

Sem esforço.

Sem lógica.

O harém estava nascendo.

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Na manhã seguinte...

Caio, Ruby, Gabriel e outros que ainda não se conheciam... acordaram com o mesmo som em suas cabeças.

Não um som qualquer.

Uma voz sussurrando entre os pensamentos.

"Vocês são os escolhidos. Os desejados. Os amados e os amaldiçoados. Preparem-se... o caos vai recomeçar."

E com isso, a primeira pétala caiu.

Invisível ao mundo, mas fatal como uma maldição.

O Harém do Caos… acabava de florescer.