Capítulo Único

Uma vila ao norte do continente vivia mais um dia de calmaria em meio às colheitas. Tratava-se de Rio Cinza, povoado construído à beira de um rio manchado pelas cinzas do vulcão Kanabe.

"Olha por onde anda!" — gritou um homem em tom de sermão às crianças que ali brincavam e corriam entre as trilhas da plantação. O céu estava claro, com poucas nuvens.

"O calor hoje está de matar, hein?" — comentavam as pessoas enquanto serviam pães e frutas no café da manhã comunal da aldeia.

A família responsável pela aldeia era a família Kato. Como descendentes de japoneses, recriaram o que lembravam das aulas de história do Japão feudal após A Grande Explosão.

"Yamato, venha comer!" — gritou a matriarca da família para seu filho mais novo, que veio de cara fechada. Ele era um garoto anormal: sua altura era muito superior à dos outros de sua idade e, em alguns casos, até mesmo à de alguns adultos. Seu tamanho descomunal foi o motivo de receber o nome Yamato.

Durante o desjejum, os aldeões falavam de muitas coisas, mas, normalmente, comentavam sobre a vida antes da Grande Explosão. Aparelhos que conectavam tudo a todos e cabiam na palma da mão, em vez de ocuparem casas inteiras. Usavam algo chamado eletricidade em vez de carvão — o que era estranho para Yamato e todos com menos de trinta anos.

Enquanto as louças eram lavadas à beira do rio, uma criança exclamou a frase que chamou a atenção de todos.

"Olha só, mãe: neve!"

"No verão? Será cinza do vulcão?"

Um homem se aproximou e confirmou o incomum:

"Realmente é... neve."

Na borda da floresta, antes de entrar no campo aberto do assentamento, um homem descansava de cócoras, vestindo um manto branco e azul com um grande capuz. Seu rosto era pálido e se destacava entre o marrom dos troncos de carvalho. Atrás dele, o verde das folhas desaparecia e se tornava branco com a neve que passava a cobrir as copas das árvores.

"Todos para dentro!" — exclamou Satou, o filho mais velho dos Kato, com expressão serena, porém atenta. Todos obedeceram e se abrigaram enquanto Satou encarava o homem à distância. Seu pai, Katoshi, havia saído para caçar, deixando-o como responsável até o retorno.

"Quem é você?"

O garoto não teve a resposta que buscava. Recebeu apenas um vento gélido que balançou seus longos cabelos rumo ao oeste. O homem pálido levantou-se e começou a se aproximar. Satou desembainhou a katana de sua família.

"Não se aproxime!"

O homem continuou a ignorá-lo. Era como se o garoto nem existisse. Seu olhar era vazio. A floresta, a essa altura, já estava completamente branca. A brisa cessou por um segundo e, num piscar de olhos, o homem não estava mais lá. Um arrepio subiu dos pés à nuca de Satou ao sentir uma respiração quente em meio ao frio. Aquele suspiro aquecia seu pescoço. De algum modo, o homem estava agora atrás dele.

"Eu estou reivindicando esta vila."

O garoto virou-se rapidamente enquanto desferia um corte horizontal, mas não havia mais nada lá. Os olhos assustados não sabiam para onde olhar. Dentro das casas, olhares curiosos buscavam o estranho em todas as direções. A neve começou a cair com mais intensidade, formando um fino tapete branco sobre a grama.

Um grito cortou o silêncio do campo. Um homem que se escondia em uma das casas estava, agora, cara a cara com o ser pálido.

"Como ele foi parar lá?!" — pensou Satou, mas não deixou que a confusão e o desespero o cegasse novamente e correu em direção às cabanas.

"Fique longe deles!"

O grito ecoou pelo bosque, mas ele sabia que não poderia impedir. Erguendo a mão esquerda, o homem condensou a neve que caía e a fez flutuar sobre a palma, moldando-a na forma de uma lâmina.

"Preciso acabar com a resistência primeiro."

Um som metálico fez os pássaros voarem das árvores. A lâmina de gelo se chocou contra uma lâmina de aço que brilhava com uma espécie de fumaça fluorescente laranja.

"Não ouse tocar neles." — exclamou Katoshi, segurando o ataque com sua katana.

"Vis..." — murmurou o homem em tom baixo, enquanto reorganizava a neve para formar uma nova espada, de lâmina incomumente grande.

"Pai, tome cuidado. Ele desaparece e aparece onde bem entender!"

"Fez bem, filho. Agora deixe comigo. Eu protegerei vocês."

Ao redor de Katoshi, a neve não se acumulava. Ela derretia ao tocar na Vis alaranjada que tremeluzia como uma fogueira no inverno. O homem pálido desapareceu mais uma vez, mas o patriarca apenas girou para o sul e defendeu-se do que parecia ser um forte vento. Aproveitando o impacto, girou sua espada e cortou o nada diante de si. A neve branca foi pintada de vermelho. O homem reapareceu em meio ao vento, sem o braço direito.

"Vejo que você controla a Vis com maestria."

"Você também leva jeito, sujeito de neve. Se treinasse um pouco mais, até poderia pensar em torná-lo meu aluno."

Katoshi notou a neve sob seus pés ficar menos densa e saltou para trás, evitando uma estaca de gelo que o inimigo fez emergir do chão.

"O que o traz à nossa amada aldeia?"

"O garoto. Precisa me entregá-lo."

"Não sei do que está falando, mas não entregarei nenhum dos que dormem sob minhas asas."

Todos na aldeia assistiam ao embate. Poucos haviam visto o patriarca lutar — ainda mais utilizando a Vis em conjunto com sua arma. Isso demonstrava o quão formidável era o inimigo. O homem desapareceu mais uma vez e Yamato se viu cara a cara com ele. Seus olhos eram azuis e translúcidos como gelo, mas pareciam fitar o fundo de sua alma. Rapidamente, Katoshi surgiu e tentou acertá-lo com um corte flamejante, formando uma lua crescente, mas o homem desapareceu.

Na copa de uma árvore estava o encapuzado, de cócoras, novamente.

"Vejo que será um grande obstáculo. Livrar-me-ei de ti e seguirei com o garoto antes que perca mais tempo."

Seus olhos azuis se fecharam. O chão estremeceu. Árvores próximas começaram a cair. Katoshi demonstrou um olhar assustado. Todos, ao notar, entraram em pânico dentro das cabanas. Uma aura semelhante à do patriarca envolvia o encapuzado — como fogo, porém o dobro do tamanho e de cor azul. De sob o manto, retirou uma katana com a mão esquerda e a boca. O vento tornou-se gélido ao ponto de congelar cabelos e cílios de quem observava.

"Vamos lutar sério agora."

Katoshi riu, sabendo que não tinha escolha a não ser aceitar o desafio. Sua aura flamejante cresceu e aqueceu o vento, formando rapidamente uma névoa. O homem desapareceu, e o patriarca já sabia o que viria. Usando seu sentido, acompanhou a onda de Vis emanada pelo inimigo e defendeu o corte. Um forte vento gélido veio em seguida, provocando cortes em seu rosto e arremessando-o para longe.

Nenhum dos dois podia descansar. Cada ataque consumia toda a força que tinham. Quando Katoshi atacava, uma grande chama era vista como o sopro de um dragão. Já quando o encapuzado atacava, o vento congelante congelava até o rio.

O embate entre verão e inverno durou horas. O sol estava a pino. A destruição era grande ao redor, mas a vila permanecia intacta.

"Vejo que está no seu limite, homem das chamas."

A aura de ambos era menor. A de Katoshi mal conseguia derreter a neve. Lutando para proteger a vila, foi obrigado a gastar mais energia do que podia.

"E agora, o que vamos fazer? Devo continuar até que você vá embora?"

"Eu apenas quero o garoto."

"Já disse que ninguém será levado."

"Então continuaremos nosso embate até que eu mude sua decisão."

E assim foi. Por mais uma hora, lutaram. Katoshi já não tinha mais aura, concentrando o pouco restante apenas na lâmina da espada. O homem misterioso ainda conseguia manter a própria em torno do corpo.

"Morra."

O homem então se desfez em neve no chão. Os olhos do patriarca não acreditavam.

"Era apenas um boneco de neve?!"

Uma figura pálida surgiu por entre as árvores, batendo palmas. O mesmo homem que lutara por horas estava agora sem um arranhão.

"Muito bravo de sua parte, mas, infelizmente, a falta de prática o condenou."

Uma caixa de gelo surgiu ao redor de Katoshi. Um único grito amedrontador foi ouvido. Quando a caixa se desfez, o patriarca jazia no chão, perfurado por todo o corpo. A neve ao seu redor era rubra. Sua espada já não estava em mãos.

As mães correram para tapar os olhos dos filhos. Indignados, muitos saíram com armas e utensílios. Um a um, caíram os que ousaram enfrentar o homem que trazia o inverno — Satou foi o primeiro deles. A chama da esperança se apagou junto com a de Katoshi. Caixas de neve surgiram ao redor das cabanas, selando o destino de quem se escondia. Yuna Kato aproveitou o breve momento para se despedir e agradecer a todos pelos anos juntos. Abraçou seu filho caçula e aguardou o fim. Logo, todas as respirações cessaram. Menos uma.

Yamato fora atingido por uma estaca de gelo, mas sua mãe o protegia com seu último abraço. Muito ferido, rastejou para fora e viu as árvores voltarem ao verde. Passou por amigos e amados até encontrar seu pai. A katana da família Kato estava intacta. Agarrou-a com o mesmo amor que usara para abraçar sua mãe. Um grupo de guerreiros surgiu, usando coletes acinzentados.

"Há um sobrevivente aqui!"

Eram os Vistari. Pelo que ouviu, vieram de longe, atraídos pela força da Vis usada no combate. O garoto estava prestes a desmaiar, mas abraçou sua espada para que ela não fosse perdida.

Ninguém jamais soube quem era o encapuzado. Tampouco o motivo do ataque. O único que testemunhou tudo foi Yamato.

Agora, vinte anos depois, ele se tornou um Vistari batedor de elite, agindo nas fronteiras da região em busca de criminosos e, secretamente, procurando o Homem que Trazia o Inverno, para vingar sua família.