O som do despertador me tira do meu sono, me fazendo bater a mão sobre o criado-mudo para desligar o som insuportável que me faz lembrar o quão pobre eu sou. Consequentemente, meu dedo desliza pela tela do celular para desligar o despertador.
Me levanto com uma preguiça mórbida, minha mente apenas pensando no quanto eu queria poder dormir na cama e me fundir nela até que minha sanidade melhorasse, mas, infelizmente preciso levantar para ir na merda daquele restaurante fazer os preparativos do evento que vai ter lá...
Troco meu pijama branco por uma calça cargo preta, uma camisa preta de manga longa e um par de tênis brancos. Com passos sonolentos, saio do quarto e vou em direção ao banheiro. Passando pelo corredor, avistei minha mãe de costas na cozinha cozinhando panquecas, seu cabelo ondulado e castanho em rabo de cavalo cintilando contra a luz do sol que bate em seu cabelo.
“Obrigado de coração, mãe. Amo panquecas…” – pensei e esbocei um pequeno sorriso.
Chego ao banheiro, e logo de cara o espelho já reflete a imagem de um idiota que já não tem mais esperanças grandiosas na vida. Após lavar o rosto e realizar minhas necessidades fisiológicas, passo para a sala de jantar e me sento confortavelmente na cadeira.
– Meu pai já saiu para a imprensa? – perguntei com a voz rouca enquanto pousava a bochecha na palma da mão
Minha mãe vira a panqueca na frigideira com maestria e responde com aquela voz matinal doce
– Não, ele deve estar no quarto se arrumando para o trabalho.
Quase no mesmo instante, meu pai aparece com roupas sociais brancas e cabelo grisalho penteado. Ele coloca o notebook na mesa e senta ao meu lado, colocando os óculos no rosto e se concentrando no conteúdo da tela.
Com curiosidade, me inclino de lado para ver o que ele está fazendo, e então leio o título da manchete da imprensa que ele trabalha: “2 pessoas desaparecidas em Calgary sem pistas de desaparecimento”.
Meu pai vira o notebook para ele e me lança um olhar duro.
– Por que não entra em uma faculdade e arranja um emprego de verdade ao invés de ficar bisbilhotando meu trabalho?
– Tu é chato, hein… – reviro os olhos e solto um suspiro, me endireitando na cadeira.
O silêncio na mesa dura pouco, pois o meu irmão mais novo, Oliver, chegou e deu um tapa atrás da minha cabeça quando passou por trás de mim.
– Ai! Pirralho dos infernos! – coloquei as mãos atrás da cabeça e fiz cara feia para ele.
Oliver apenas deu uma risada debochada enquanto se sentava à mesa e apoiava a cabeça na palma da mão.
– Se eu não fizer isso todos os dias, terei um dia de azar, sabe? É como uma superstição.
– E tinha que ser justo eu? Argh! Você me paga…
De repente, um prato cheio de panquecas macias e deliciosas é posta na mesa, eu e as outras duas figuras masculinas desviam sua atenção para o prato e a calda de honey maple em um pequeno pote. Nós 3 logo pegamos as panquecas e as comemos com muita satisfação e prazer, nossos rostos cansados de antes desaparecem após a refeição.
– Caramba… – comentei enquanto suspirava de alívio – já comecei o sábado muito bem…
Meu pai levanta e fecha o notebook, carregando o consigo em uma postura indomável, indo na direção da minha mãe na cozinha e falando algo inaudível. Eles dão um selinho e logo ele sai de casa.
– Ei, garçom de casa noturna – Oliver me cutucou no ombro – que horas você chega do restaurante?
– Olha… eu ainda preciso arrumar e decorar o salão até umas 18:00, e esse aniversário pode durar até de madrugada. O pessoal que reservou o restaurante parece ser cheio da grana e é aqueles aniversários de 15 anos daquelas garotas mimadas… – revirei os olhos ao falar a última frase – Mas vai me render um dinheiro bom para a gente poder sair mais vezes.
Sorrio e dou um tapinha no ombro dele, então, me levanto da cadeira e vou até a porta. Olho na direção de minha mãe, que está lavando os pratos na cozinha calmamente.
– Mãe, to saindo. Até mais tarde.
– Tchau, Ethan. Tome cuidado na volta. – disse ela numa mistura de preocupação e amor.
Abro a porta suavemente e a luz do sol logo me acerta em cheio junto com uma brisa calma e fria. Eu ando tranquilamente até o ponto de ônibus, observando as ruas com poucas pessoas nas calçadas e alguns carros estacionados, as folhas dos pinheiros balançam de leve com os ventos fracos que passam pelas ruas.
Finalmente chego no ponto de ônibus, está vazio e não tem muitas pessoas nas proximidades. Sento sem pressa em um dos banco e espero o ônibus passar.
“Que tédio…” – pensei ao ligar meu telefone.
Eu abro algumas redes sociais, mas nada muito interessante. Rolo até uma notícia em uma página de fofocas que relatam vídeos massante de pessoas simplesmente sumindo do nada, como se elas caíssem em um tipo de buraco invisível.
– Hm… – murmurei para mim mesmo.
Ouço o som do ônibus chegando e logo me levanto, acenando com a mão para parar. O ônibus estaciona na minha frente e entro nele. Vejo o motorista alinhando os retrovisores, ele falou com uma voz grave e animada.
– Bom dia, jovem Ethan! É raro te ver pegar essa linha nesse horário.
– Sim… eu tô indo pro restaurante fazer uns preparativos pra um evento que vai ter lá, talvez eu volte tarde. – a forma que falei foi educada e com um resquício de cansaço mental.
Passo o cartão de passagem do ônibus no visor da catraca e minha pasagem é liberada. Sentei nos últimos assentos, no canto esquerdo. A maioria das pessoas aqui são bem velhas e parecem mais jovens mentalmente que eu.
Suspiro e foco meu olhar na janela, analisando a paisagem urbana arborizada lá fora. Os pássaros voando no céu me fazem pensar que eu poderia ter a mesma liberdade que eles, ser alguém melhor, tanto para mim quanto para outras pessoas.
– Tsk – estalei a língua e desviei o olhar para meus pés – Que bobagem…
Após meu ponto chegar, me levantei e saí do veículo. Ainda precisei dar uma boa pernada até chegar de fato no trabalho. Ao abrir a grande porta do restaurante, alguns funcionários já estão fazendo uma faxina geral no salão, as cadeiras em cima das mesas enquanto os faxineiros jogam baldes de água com produtos de limpeza, o cheiro de desinfetante de lavanda me acerta em cheio.
Sinto uma mão apertando meu ombro direito com firmeza, pelo formato parece ser de um homem. Me virei para trás e vi o gerente com sua camisa social preta e seu olhar generoso.
– Bom dia, Ethan. Temos roupas especiais para os nossos funcionários que irão ficar no evento, então não precisa vestir seu uniforme casual, tudo bem?
– Ah, claro. Por onde eu devia começar?
“Seu filhinho mimado do caralho. Eu só não saí desse emprego lixo porque não achei algo melhor ainda…” – pensei e dei um sorriso gentil ao ver ele.
– Ajude o pessoal na faxina, depois tem que pegar as encomendas do fornecedor pro pessoal da cozinha e também…
A partir desse momento nem estou mais ouvindo o que ele tá falando, minha vontade é simplesmente sumir do mundo.
“Preciso mesmo me humilhar por 350 dólares a mais?” – perguntei para mim mesmo
Meu dia se resumiu em decorar o salão, arrumar as mesas, carregar pacotes até a cozinha e soprar balões. Quando estava perto das 17:30, cada funcionário ganhou um kit de uniforme novo, mais formal. Eu vou ao banheiro dos funcionários tomar banho, logo depois, visto o novo uniforme de garçom dado à mim, que é uma camisa social branca, colete de terno, gravata borboleta e uma calça social preta.
Sinceramente, eu preferia usar isso no trabalho do que o uniforme que uso nos dias comuns. Com o conjunto completo, me olhei no espelho e arrumei meu cabelo que ainda está úmido pelo banho recente. Do lado de fora, ouço um som abafado chamando por mim.
– Ethan, venha pegar a última carga dos fornecedores! – gritou um dos meus colegas de trabalho.
– Indo! – respondi em alto e bom som enquanto me dirigia à porta.
No momento em que abri a porta e dei o primeiro passo, meu pé não sentiu o chão. A cada milisegundo que passa, meu pé continua não sentindo o chão sobre ele, e minha reação nem sequer tem tempo de fazer algo, pois em um piscar de olhos eu noto meu corpo caindo através do piso, como se ele me engolisse por inteiro.
Meu corpo cai em uma espécie de carpete molhado, um som constante de lâmpadas fluorescentes ecoa pela minha cabeça. Minha cabeça… dói…
Me levanto aos poucos, ainda confuso com o que houve. E esse cheiro de mofo infernal está me deixando maluco.
Finalmente tenho coragem de abrir os olhos, e me deparo com vários corredores de paredes amarelas mofadas misturadas entre si, criando uma imagem confusa e desconexa da realidade.
– Mas que… – pergunto para mim mesmo com surpresa no rosto – Mas que porra é essa!?
Olho ao redor e o lugar que estou continua esquisito, me deixando levemente paralisado. Balanço a cabeça e bato as mãos no rosto, desacreditado com o que estou vendo.
– Será que tomei café demais? Eu desmaiei e tô sonhando?
Passo as mãos entre o cabelo e dou um suspiro carregado de preocupação e medo, meus dedos tremendo por causa da ansiedade.
– Respira, Ethan… – tento me acalmar com uma voz tranquila enquanto fecho os olhos – provavelmente eu devo ter tropeçado e caído na hora que abri a porta… É! Deve ter sido isso!
Após essa conversa comigo mesmo para tentar desacreditar no local que estou, começo a andar com cuidado pelos corredores amarelos embaralhados, formando um labirinto surreal de estranho. O zumbido das lâmpadas me tiram do sério, e esse cheiro parece só piorar a cada segundo que fico aqui.
– Espera um pouco…
Lembro do meu celular e passo as mãos nos bolsos, sentindo sua tela fria contra meus dedos no bolso esquerdo. Logo o pego rapidamente com um rosto preocupado, tirando uma mecha de cabelo da frente da testa.
– Se isso é um sonho, celulares não deveriam funcionar direito. Já vi uns vídeos sobre sonhos lúcidos, e eles dizem que o celular geralmente é estranho nessas situações…
Ao ligar o celular, ele parece normal. A tela de bloqueio com o papel de parede de um carro japonês em Tóquio não apresenta defeito, porém, o sinal é inexistente.
– Que merda… – murmurei e levantei o queixo para olhar por onde eu estou andando.
Volto a atenção para o celular e desbloqueio ele com a impressão digital. Totalmente funcional. Nada de anormal, fora a ausência de sinal, é claro. Vasculhei todo o meu celular, e está tudo funcionando perfeitamente.
O desespero quase toma o meu corpo. Fechei os olhos e respirei fundo para me acalmar. Quando abri os olhos, ainda me vejo no mesmo labirinto de paredes mofadas, quebrando minha expectativa de ser um sonho ruim e eu finalmente acordar de onde caí um tempo atrás.
– Me diz que é brincadeira…
O único som que me responde é o zumbido das lâmpadas fluorescentes. O cheiro úmido de mofo invade minhas narinas, o que me faz pensar que é tudo real, e me iludir com palavras não vai me levar a lugar nenhum.
O espanto em meus olhos é perceptível, abaixei o olhar para os meus pés, cerrando as mãos com força.
– Como? – uma lágrima quase cai do olho.
Ouço um barulho diferente do som das lâmpadas, algo sendo arrastado. Minha atenção logo se vira para minha diagonal direita, prestando atenção na direção do som. Com receio, dou passos calmos e cuidadosos até a origem do som.
Ao chegar em uma parede, o mesmo som, depois da parede. Penso duas vezes antes de espreitar pela parede, e, então, resolvi arriscar. Com receio e medo, vi pela visão periférica, por um segundo, um ser completamente preto com corpo humanoide arrastando um cadáver pelos braços, seu rosto é apenas preto, assim como o resto de seu corpo. Minha expressão é de confusão, minha mente tenta achar uma lógica nisso, mas como ver uma cena dessas e achar racional?
De repente, os dois somem quase instantaneamente, como se tivessem sido teleportados ou apenas fruto da minha imaginação. Eu mal tive tempo de reação para entender o que aconteceu.
– Que? – falei com surpresa e confusão.
Lentamente, me viro para outro lado e começo a andar apressadamente, sem nenhum rumo ou ideia do que fazer.
– Até quando essa merda vai durar?
Coloquei as mãos no rosto, sem mais esperanças do que fazer…