O PRIMEIRO ACAMPAMENTO

Daquele ponto em diante, a subida tornou-se cada vez mais penosa; o caminho era, às vezes, tão íngreme que os cavalos escorregavam; então os cavaleiros apeavam e puxavam os animais pelas rédeas. Fizeram o possível para seguir o curso d água. Padrinho recomendou:

— Devemos seguir sempre nesta direção onde deve haver água; do contrário, não só os animais passarão sede, como nós também, pois a nossa limonada se acabará.

Assim foram subindo entre árvores grandes, arbustos, cipós, plantas de todas as espécies. Havia lugares escorregadios e perigosos; havia outros tão escuros e sombrios que parecia noite. De vez em quando beiravam um precipício e imaginavam que lá embaixo devia haver água; assim foram caminhando até que ouviram um barulho, cuja origem a princípio não souberam definir; ficaram todos parados, escutando; depois Eduardo disse:

— É barulho de água correndo. Deve haver uma cascata por aqui.

Ficaram quietos alguns instantes, Padrinho confirmou:

— Eduardo tem razão. Vamos na direção do barulho, deve ser uma cascata.

Logo adiante, mais para a direita, havia uma bonita cascata despencando de altura considerável e caindo embaixo, numa espécie de poço. Depois de terem admirado uns instantes a bela cascata, Padrinho falou:

— Penso que não há melhor lugar para acamparmos hoje. Há água e lugar plano para as barracas. Vamos dormir aqui.

As crianças ficaram encantadas; todos procuraram auxiliar. Uns ajudaram Bento a descarregar os burricos, outros foram encher novamente o balde no poço. Tomásio e Jeromão foram cortar paus para armar as barracas. As três meninas foram cortar pauzinhos secos para fazer fogo para o jantar.

Duas horas depois tudo estava pronto: as barracas com suas camas de vento armadas; o fogo ardendo debaixo de uma frigideira, onde Bento preparava ovos e salsichas. Jantaram muito bem, tomaram café fresco, pois Padrinho fazia questão do café; depois ficaram por ali, descansando.

Eram seis horas da tarde, mas parecia noite fechada; Padrinho disse:

— Vamos deitar cedo e tratar de dormir, amanhã às quatro horas todos deverão estar de pé porque precisamos partir bem cedo.

Deram milho aos cavalos, tiraram os arreios para que eles também descansassem e pastassem um pouco. Os cachorros não paravam, corriam de um lado para outro explorando os recantos da mata. Às sete horas todos estavam recolhidos às suas barracas e, apesar de não terem sono, procuraram dormir.

Os animais também aquietaram-se e não havia um barulho sequer na mata; nenhum pássaro, nenhuma coruja.

Uma hora depois, quando todos já dormiam, Eduardo, que estava na mesma barraca com Henrique e Bento, acordou com um barulho qualquer; não sabia dizer o que ouviu, mas ouviu um barulho. Ficou escutando durante alguns instantes. Seria algum bicho que andava por ali? Devia ser bicho grande, talvez uma onça. Como é que os cachorros não latiam? Talvez ele tivesse sonhado.

Nesse momento ouviu os latidos de Pingo e Pipoca, que estavam com as meninas e Padrinho na barraca vizinha; as barracas eram quase unidas. Eduardo sentou-se na cama de campanha e ficou escutando uns instantes; tinha certeza de que tinha ouvido passos furtivos: alguém andava ali fora à volta das barracas.

Lembrou-se de que poderia ser o próprio Padrinho, que talvez tivesse ido ver se os animais estavam bem; ou um dos empregados. Ia já levantar e espiar quando ouviu os latidos furiosos dos dois cachorrinhos fora da barraca. Devia ser algum desconhecido, senão os cachorros não latiriam assim. O coração de Eduardo quase parou de bater. Estendeu o braço e sacudiu Henrique, que estava dormindo ao seu lado:

— Henrique! Henrique! Escute! Tem alguém aí fora!

O irmão acordou quase que no mesmo instante e perguntou em voz baixa:

— O quê?

— Ouvi passos. Tem alguém andando aí fora. Escute os cachorros, estavam furiosos, agora pararam de latir.

De fato, tudo estava quieto outra vez; os cachorros, depois de rosnarem um instante, ficaram silenciosos. Henrique, com muito sono, respondeu:

Não é nada, Eduardo. Se fosse alguma coisa, os cachorros continuariam a fazer barulho.

Ouviram então Pipoca uivar como se tivesse visto alguma coisa extraordinária; Eduardo segurou o braço de Henrique outra vez:

— Está ouvindo? Pipoca nunca faz isso. Vamos acordar Padrinho.

Padrinho já estava acordado e nesse momento saiu da barraca; chamou Tomásio:

Tomásio! O que têm os cachorros? Por que estão latindo assim?

Os meninos também saíram; a noite estava muito escura na mata. Padrinho, que trouxe uma lanterna, procurava alguma coisa fazendo a lanterna iluminar todos os cantos. Pipoca tremia encolhido na cama de Vera, a cauda entre as pernas. Parecia estar com muito medo; Pingo também estava assustado e encolhido.

Os cavalos, amarrados ali perto, estavam agitados e procurando escapar; um deles relinchou. Jeromão gritou:

— Bento! Vamos acudir os cavalos!

Todos se levantaram para ver o que havia; Eduardo disse:

— Alguma coisa andou por aqui, senão os animais não estavam assustados.

— O que seria? — perguntou Henrique. — Gente não pode ser, não vive ninguém nestas alturas.

Tomásio disse:

— Para mim é alguma jaguatirica que andou rodeando os cavalos.

Os outros confirmaram pensando a mesma coisa. Eduardo disse que tinha ouvido passos de gente à volta das barracas; Henrique tornou a dizer:

— Não pode ser, quem vai morar nesta distância?

— E a luz que vimos em cima da montanha? — perguntou Eduardo.

— Deve ser alguma pedra luminosa, você vai ver.

Jeromão estava segurando um dos cavalos que se esforçava por fugir; o animal estava tremendo, tinha os olhos dilatados de medo. Ele acalmou os cavalos; Padrinho e Tomásio deram uma busca pelos arredores para ver se descobriam a causa de tanto pânico entre os animais. Não havia nada; os cachorrinhos também estavam calmos. Padrinho tornou a dizer:

— Deve ter sido alguma jaguatirica; ela passou por aqui e assustou os animais; quando nos viu levantar, tratou de fugir.

Henrique, que nada tinha falado até então, dirigiu-se ao Padrinho:

— Eduardo acordou com o barulho de alguém andando à volta das barracas; eram passos leves; ele até pensou que fosse o senhor. Depois os cachorros começaram a latir com tanta raiva...

Padrinho pensou um pouco e voltou-se para Eduardo:

— Não pode ser gente, Eduardo. Deve ser algum bicho mesmo. Quem andará por aqui a esta hora da noite? Se fosse gente, nós teríamos visto sinais durante o dia, mas não vimos nada.

Todos concordaram e Eduardo não falou mais nada; recolheram-se outra vez para dormir; Padrinho falou aos empregados:

— É melhor um de vocês ficar de sentinela; se for jaguatirica, é capaz de voltar e pegar um dos cachorrinhos.

Bento ofereceu-se:

— Eu posso ficar. Fico de sentinela aqui perto das barracas.

— Muito bem — disse Padrinho. — Entrego a você minha lanterna e esta espingarda. Vigie bem; é uma hora da manhã, ainda temos três horas de sono.

Vera, Lúcia e Cecília, que mal haviam posto as cabeças para fora da barraca, voltaram às suas camas, chamando os cachorros para junto delas. Vera talhou com Pipoca:

— Não tem que fazer nada lá fora, seu assanhado. Fique bem quieto aí nesse lugar.

Lúcia e Cecília ralharam com Pingo:

— E você também. Por que é tão novidadeiro? Tudo que vê e ouve, precisa ir cheirar. Fique quieto aí, se acontecer alguma coisa ruim, não venha chorar, seu desobediente.

Deitaram-se e dormiram sossegadamente, pois sabiam que Bento estava de sentinela e Bento era um rapaz ativo. Não aconteceu mais nada durante a noite e às quatro horas Padrinho chamou:

— Levantem, vamos continuar nossa viagem. Vamos! Vamos!

A meninada pulou para fora das barracas e foi se lavar na água da cascata, de dois em dois. O dia prometia ser esplêndido e ninguém mais pensou no barulho da véspera.

Tomaram café quente feito pelo Bento; comeram roscas com queijo, desarmaram as barracas e guardaram tudo, cada coisa no seu lugar apropriado. Depois encilharam os animais e continuaram a subida.