Uma semana depois a caravana estava preparada para subir a serra. Foram indicados Tomásio e um outro empregado da fazenda, chamado Jeromão, para irem na frente abrindo caminho; em seguida iriam as crianças, Padrinho e Bento, todos a cavalo. Levariam ainda dois burricos para transportar barracas, mantimentos, cobertas etc. Talvez lá no alto fizesse frio, apesar de ser janeiro; levariam também toldos e capas de borracha para a chuva.
Padrinho preparou também remédio e injeções contra mordida de cobra, como tinha feito quando foram à Ilha Perdida. As crianças estavam em grande excitação: Vera, Lúcia e Cecília não dormiram bem de tanto pensar na excursão; os meninos mais velhos não falavam noutro assunto. Só discutiam e comentavam a luz que havia no alto. Bento dizia que a montanha guardava um segredo e eles haviam de descobri-lo.
Na madrugada de uma quarta-feira havia grande movimento na casa da fazenda. Eufrosina preparava quitutes na cozinha; fritava linguiça, fazia sanduíches de queijo, colocava requeijões fresquinhos dentro de uma cesta, preparava tudo com animação. Madrinha ia de um lado para outro, indicando as roupas que as crianças deviam levar, aconselhando a não tomarem chuva, a terem cuidado com a saúde. Pingo e Pipoca iriam também porque eram inseparáveis amigos de Vera e Lúcia.
Estava ainda escuro quando montaram a cavalo na porta da casa; Madrinha despediu-se de todos, fazendo muitas recomendações a cada um deles. Tomásio e Jeromão haviam partido uma hora antes. Ficou combinado que esperariam a caravana no ponto onde Padrinho havia determinado para a subida da serra.
Antes de montar a cavalo, olharam para o alto, mas não havia nada; a montanha conservava-se em completa escuridão. Partiram. Todos falavam ao mesmo tempo; riam alto, contentes com a aventura. Depois de atravessarem o riozinho pela ponte que Padrinho havia mandado fazer, chegaram a uma planície; quando os cavalos iam trotando através da planície, o sol apareceu no horizonte e foi saudado com alegria pelas crianças.
Bento ia atrás de todos conduzindo os dois burricos carregados de tudo o que era necessário para armar o acampamento. Depois de atravessarem a planície, chegaram a um cafezal pertencente a uma fazenda vizinha; atravessaram-no também. Um cavalo marchava atrás do outro por entre os pés de café. Só depois do cafezal é que chegaram à encosta da montanha, onde Tomásio e Jeromão estavam esperando. Cada um deles levava consigo um facão de mato, próprio para abrir picadas; pararam um pouco e Padrinho deu as ordens marcando o lugar por onde deviam subir a serra.
Depois de breve descanso, começou a subida. Andaram uma hora mais ou menos; os animais subiam devagar porque a serra era muito íngreme; de repente, Oscar disse que estava com sede. Pararam novamente para tomar alguma bebida; abriram uma das cestas; nela havia várias garrafas cheias de limonada preparada por Madrinha.
De súbito, Cecília lembrou-se de que os animais também deviam ter sede e que eles não tomavam limonada. Olharam para Pingo e Pipoca; ambos estavam com as línguas fora da boca, com jeito de quererem bastante água. Eduardo disse:
— Vamos experimentar dar limonada; quem sabe eles bebem...
— Nada disso — disse Padrinho. — Eu cometi um erro muito grande; esqueci-me de trazer água para os cavalos, também isso não é possível. lemos que dar um jeito e procurar água por aqui mesmo.
Jeromão falou que em todas as serras há nascentes; naquela também deveria haver. Não seria melhor procurar desde já? Padrinho concordou; os cavalos e os cachorrinhos precisavam de água para beber. Como é que ninguém tinha se lembrado desse detalhe tão importante?
Enquanto isso, Henrique, que tinha apeado, havia despejado um pouco de limonada no côncavo da mão e dava a Pipoca; Pipoca cheirou, experimentou e virou o focinho para um lado; veio Pingo; lambeu os dedos de Henrique, mas não bebeu a limonada. Cecília disse:
— Eles querem água, água pura.
Tomásio e Jeromão deixaram os cavalos amarrados numa árvore e embrenharam-se pelo mato à procura de água; Bento, Eduardo e Henrique foram para outro lado, enquanto as meninas e os dois menores ficaram com Padrinho. Aquele que encontrasse primeiro a água devia dar um assobio todo especial para avisar os outros.
Padrinho e as crianças apearam e sentaram-se no chão para esperar; os dois cachorrinhos deitaram-se ao lado deles. Toda a serra parecia deserta e o lugar era muito fresco.
A espera prolongou-se por mais de uma hora. Padrinho estava ficando desanimado e até falou em voltar para a fazenda quando Pingo, que havia saído numa excursão pelos arredores, voltou todo molhado e se sacudindo energicamente para jogar fora a água do pelo. Vera gritou:
— Pingo, onde você esteve? Pingo descobriu água. Padrinho!
Todos rodearam o cachorrinho e falaram com ele como se Pingo pudesse responder; até Padrinho começou a perguntar como se esperasse resposta:
— Conta, Pingo, onde está a água?
Procuraram Pipoca; também não estava; devia ter ido ao lugar onde Pingo esteve. Imediatamente Padrinho tirou um balde que estava dependurado no arreio de um dos burricos e disse:
— Vamos ver onde esses heróis encontraram água.
Como se compreendesse, Pingo começou a trotar por entre as árvores; Quico e Oscar seguiram atrás dele, entusiasmados com a inteligência do cachorrinho. Padrinho recomendou:
— Cuidado!
Nesse instante, Pipoca veio saindo do meio do mato cerrado; vinha também sacudindo-se todo e muito satisfeito; com certeza tinha bebido água até se fartar. Oscar, que ia na frente, gritou:
— Já estou sentindo o cheiro da água, não deve estar longe.
Cecília respondeu:
— Água não tem cheiro!
— Mas esta tem — respondeu Oscar.
— Eu estou sentindo que deste lado o ar é mais fresco — disse Vera. — Deve ser por aqui.
Todos riram. Viram uma barraca no meio das árvores, depois um grotão; lá embaixo corria uma água pura e cristalina. Com a maior facilidade os dois cachorrinhos desceram e foram beber água outra vez. As crianças ficaram olhando, sem coragem de descer. Padrinho disse:
— Vamos procurar um meio de descer; deve haver um lugar por onde se possa ir até lá embaixo.
Andaram com cuidado à volta do grotão, procurando um meio de chegar até a água; Padrinho lembrou-se do assobio; devia assobiar para avisar os outros: a água tinha sido encontrada. Assobiou três vezes seguidas e esperou resposta; não veio resposta alguma. Oscar se lembrou de gritar; gritou com toda a força:
— En-con-tra-mos á-gua! Vol-tem!
Cecília, Vera e Lúcia gritaram por sua vez e esperaram, nada de resposta. Enquanto isso, Padrinho teve uma ideia:
— Olhem, meus filhos, vamos amarrar a corda no balde e jogar daqui; o balde vem cheio, assim não precisamos descer e os cavalos bebem água.
— Onde está a corda? — perguntou Lúcia.
— Está amarrada num burrinho, eu vou buscar — respondeu Quico.
E voltou correndo para o lugar onde estavam amarrados os cavalos; encontrou logo a corda, tirou e voltou correndo. Ouviram nesse momento três assobios; devia ser Bento, pois veio do lado para onde ele tinha seguido. Padrinho respondeu bem alto:
— Voltem! Encontramos água!
Amarrou a corda no balde e deixou cair no grotão com todo cuidado; todos ficaram olhando, e viram o balde encher-se de água, depois vir subindo, bem devagar; os cachorrinhos já estavam de volta, sacudindo as caudas de contentamento. O balde veio cheio; a água era fresca e limpa; todos beberam, depois Padrinho encheu novamente o balde para dar aos cavalos, que beberam com vontade; estavam mesmo sedentos.
Eduardo, Henrique e Bento voltaram cansados e suados; contaram que não haviam visto nem sinal de água, e haviam percorrido grande parte da serra, naquele lado. Eduardo passou o lenço pela testa e perguntou, muito admirado:
— Quem encontrou água?
Contaram que tinha sido Pingo. Os meninos acharam muita graça e disseram que a ideia de trazer os cachorros havia sido ótima. Padrinho assobiou mais algumas vezes para chamar Tomásio e Jeromão, ainda ausentes.
Logo mais apareceram os dois dizendo nada haver encontrado; já estavam ficando desanimados quando ouviram o primeiro assobio. Foram ver o grotão e tiraram mais um balde d'água, que também beberam; depois tornaram a dar de beber aos cavalos. Padrinho olhou o relógio e disse:
— Com essa história de procurar água, o tempo passou. Vamos então descansar e comer alguma coisa para depois continuarmos nosso caminho.
Acharam boa a ideia. Almoçaram sanduíches e ovos cozidos; deram carne aos cachorros e milho aos cavalos; depois de ligeiro descanso, resolveram continuar a subida. Já eram duas horas da tarde.