Um dos anões, que possuía uma barba branca e parecia o mais velho de todos, aproximou-se e falou:
— Estão na nossa cidade. Desde o tempo dos avós dos nossos avós vivemos aqui nesta montanha e nunca ninguém veio perturbar nossa paz. Só vocês... E ainda perguntam onde estão. Nós é que devíamos perguntar o que vieram fazer aqui...
Riu-se e os outros que haviam se aproximado riram ' também. Cecília falou:
— Nós não sabíamos, senão não teríamos vindo perturbá-los. Viemos dar um passeio até o alto com nosso Padrinho. Não temos culpa se a pedra em que estávamos sentados virou conosco.
Lúcia perguntou:
— E como podem viver aqui? Não falta ar? Tem comida?
O de barba branca riu mais e perguntou:
— Está faltando ar para você?
— Não.
— Ora essa, nem para nós!
Duas anãs haviam se aproximado de Lúcia, Vera e Cecília; examinavam as três meninas e sorriam. Uma delas perguntou:
— O mundo lá fora é muito bonito?
— É sim — disse Vera. — Uma beleza.
O de barba branca falou, irritado:
— Mulher é sempre curiosa, olhem o que ela quer saber.
O anãozinho que os havia guiado apareceu pela mesma porta, dizendo:
— O príncipe espera-os; quer conhecê-los. Façam o favor de me acompanhar.
Quico disse baixinho:
— O quê! Eles têm príncipe!
— Psiu! — fez Oscar. — Não fale.
Acompanharam o anão e entraram pela porta indicada. Cecília queria saber se eram eles quem tocavam sinos, mas não teve tempo. Entraram num salão magnífico, enfeitado com pedras preciosas; não havia ninguém. Lúcia, que carregava Pingo no colo, teve medo. Murmurou:
— O que será que eles querem de nós?
— Decerto querem conversar — disse Vera. — Saber como é o mundo, como é que a gente vive, pois eles vivem aqui dentro desta montanha e não saem nunca. Vou carregar Pipoca, senão ele é capaz de fazer alguma coisa imprópria aqui neste salão tão bonito.
— Eu acho que eles são bons — disse Cecília. — Gente que ri e é amável com os outros não pode ser má.
— Também acho — murmurou Oscar. — Mas que beleza de salão... Vejam só!
Nesse momento, uma porta abriu-se na parede, na frente deles, e apareceu um grupo de anões com roupas de veludo de várias cores. Um deles tinha uma coroa de brilhantes na cabeça; devia ser o príncipe. O guia falou, adiantando-se um pouco:
— São essas as pessoas que eu vi subindo a montanha há dois dias. Prendi-os hoje; são crianças... Disseram que vieram fazer uma excursão até o alto e sentaram-se no rochedo para admirar a paisagem...
Os outros começaram a rir imaginando o susto que eles haviam levado quando o rochedo virou. Quando pararam de rir, o príncipe levantou a cabeça e fixou os olhos nos meninos, nas meninas e nos cachorrinhos. Perguntou:
— O que vieram fazer aqui? Sabiam da nossa existência?
Oscar resolveu contar a verdade; disse que havia um tal brilho no alto da montanha que chamou a atenção dos que moravam lá embaixo, na fazenda do Padrinho, por isso resolveram fazer uma excursão para ver se descobriam o que era aquilo. O príncipe passou a mão pela testa:
—Já sei! É a experiência que Roque está fazendo com os diamantes. Digam a ele que pare com isso, do contrário vai atrair o mundo inteiro para cá... Com essa mania de astronomia...
As crianças souberam depois que Roque, um dos anões, tido como sábio, juntava uma imensidade de diamantes e pedras preciosas e ficava no alto da montanha querendo atrair os habitantes da Lua com aquele brilho extraordinário. Era louco por astronomia.
Depois que o príncipe disse isso, dois anões vestidos de amarelo-claro saíram da sala; com certeza foram executar as ordens do príncipe e avisar Roque para parar com as experiências.
O príncipe sentou-se numa cadeira toda trabalhada em ouro; fez um sinal para que as crianças se aproximassem. As três meninas ficaram na frente, Oscar e Quico mais atrás. Ao lado deles, havia uma dúzia de anões; um deles estava com vontade de passar a mão na cabeça de Pipoca; estendia o braço e encolhia outra vez como se não tivesse coragem, depois deu uma risadinha muito engraçada.
O príncipe fazia uma porção de perguntas às crianças, queria saber tudo. Oscar falou um pouco, depois Vera e Quico. O príncipe então contou a própria história: disse que depois que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, vieram muitos portugueses para cá, a fim de ficarem residindo na nova terra. Um deles chegou no tempo de Mem de Sá e trouxe uma dúzia de anões portugueses para representar no teatro e divertir as pessoas daquele tempo.
Os anões vieram e foram ficando; acostumaram-se tanto no Brasil que não quiseram mais voltar para Portugal. As famílias foram aumentando.
Certa ocasião houve uma briga muito grande no Rio de Janeiro entre índios e portugueses; como os anões eram pequenos e não podiam combater, resolveram fugir. Embrenharam-se pelo mato e andaram dias e noites sem parar; passaram fome e frio. Alguns
não resistiram e morreram no caminho. Afinal chegaram ao pé daquela montanha depois de muito caminhar; naquela montanha viram-se rodeados de índios ferozes.
Juntaram as últimas forças que ainda tinham, galgaram a montanha e esconderam-se no meio do mato, lá em cima... Temendo que os índios os descobrissem naquele lugar, escavaram a terra por trás de um rochedo e ficaram escondidos ali dias e dias, comendo raízes e bebendo água.
Tinham trazido com eles algumas galinhas, cavalos e cães; resolveram morar sempre no alto, pois ao menos estavam longe dos índios ferozes e dos perigos. Havia água em abundância da fonte que nascia entre as pedras.
Um dia resolveram aumentar a escavação para que a moradia ficasse mais agradável: descobriram então uma grande caverna muito confortável e cheia de diamantes, ouro e pedras preciosas. Essa caverna ficava no centro da montanha. Como não precisassem de ouro, começaram a trabalhar com ele, usando-o como material comum; fizeram cadeiras de ouro, casas de ouro, calçadas de ouro, portas de ouro. Isso tinha acontecido há muitos anos, no tempo em que viviam os avós dos seus avós.
Com o correr do tempo haviam nascido mais anões e por isso eles agora eram muitos; as famílias haviam aumentado. Os cavalos haviam morrido, porque não podiam correr dentro da montanha; os cães também haviam morrido, mas as galinhas não; estas haviam aumentado tanto que agora eram em número considerável.
Assim viviam ali, no alto da montanha, os descendentes daqueles que se esconderam dos índios ferozes; sentiam-se felizes e não pretendiam deixar nunca mais a cidade que haviam construído. Ali dentro não havia guerras, nem índios, nem maldades, nem perseguições. Viviam todos uma vida alegre e pacífica.
Ele era príncipe porque seu povo o havia elegido para governar; iria casar-se no dia seguinte com a princesa Filó, que eles brevemente iriam conhecer. Viviam no meio de ouro e comiam em pratos de ouro, mas isso não tinha valor para eles. Nem o dinheiro. Para que o dinheiro, num lugar em que o ouro era tão abundante e vivia rolando pelas ruas? Por isso eram felizes; não havia ambição, nem ganância, nem inveja entre os anões.
Quando o príncipe acabou de falar, uma porta rangeu de leve entre as paredes e uma anãzinha muito bonita entrou no salão; estava vestida com um tecido feito de fios de ouro e diamantes. Mal cumprimentou o noivo e os outros que estavam com ele, olhou as crianças e perguntou numa vozinha infantil:
— São as crianças encontradas na porta da nossa cidade?
O príncipe levantou-se, dirigiu-se a ela e, com toda a cerimônia, inclinou-se e apresentou-a às crianças estupefatas:
— Minha noiva, a princesa Filó!