A TEMPESTADE

Padrinho não estava por ali. Onde estaria? Nesse instante um trovão reboou longe; estava ameaçando chuva. Em pouco tempo o sol desapareceu por completo e nuvens escuras surgiram no céu; os dois meninos ficaram um pouco assustados. O que haviam de fazer? Onde se esconder da chuva?

Vera propôs:

— E se a gente procurasse uma pedra para se esconder debaixo dela? Não lembra que Eduardo disse que na Ilha Perdida encontrou uma pedra que servia de abrigo?

O vento passava assobiando e torcendo os galhos das árvores; em poucos instantes tudo se transformou. Os trovões se sucediam, cada um mais forte que o outro. Vera foi ficando nervosa:

— Não podemos ficar assim parados; vamos procurar Padrinho.

— Mas procurar onde? — perguntou Cecília.

Gritaram outra vez: "Padrinho! Padrinho!".

Mas o barulho que o vento fazia entre as árvores da mata era mais forte que as vozes deles. Quico propôs:

— O melhor é procurar um lugar para nos abrigarmos.

Vamos tratar disso.

— Vamos — disse Oscar. — Antes tivéssemos ficado na cidade dos anões, ao menos lá não chovia...

— Mas eles não nos queriam mais lá — respondeu Lúcia. — Mandaram Julião nos botar para fora. E quem ia adivinhar que aqui fora ia chover?

Vera tapou os olhos:

— Ih! Que relâmpago forte! Vamos nos esconder de qualquer jeito.

As cinco crianças acompanhadas pelos dois cachorrinhos correram para a entrada da mata, mas lá não havia abrigo onde se esconder; o vento parecia querer quebrar as árvores de tanto que as torcia. Cecília queixava-se:

— Não enxergo nada por causa do vento; nunca vi uma ventania assim!

— Aqui não podemos ficar — disse Quico. — Vamos ficar perto das pedras.

Correram para o outro lado, onde havia pedras enormes; encostaram-se a elas, mas não havia abrigo de espécie alguma. Oscar, que havia dado a volta por trás das pedras, chamou-os:

— Venham aqui que é melhor. Depressa que a chuva já está começando!

Havia um pequeno lugar onde a pedra maior fazia uma saliência; abaixaram-se todos e procuraram esconder-se o melhor possível. Outro relâmpago e outro trovão; parecia que a montanha ia partir-se em dois pedaços. Lúcia e Cecília fecharam os olhos; os cachorros estavam encolhidos perto delas, nem se mexiam.

Começou a cair uma grande chuva; era tão forte que logo a água, que despencava por cima das pedras, formou uma lagoa ali perto. Eles se encolheram mais, com medo de que a água os alcançasse. O vento zunia passando entre as árvores e as pedras; os trovões continuavam.

Os cinco ficaram quietos, sem falar e sem se mexer; a chuva caía no chão e salpicava as crianças; a lagoa ia aumentando perto delas. Cecília perguntou:

— E se a água vier até aqui?

— Não há remédio senão ficarmos molhados até os ossos — respondeu Quico.

Ali ficaram mais de uma hora; Vera e Cecília começaram a espirrar; a água que crescia cada vez mais já molhava os pés das cinco crianças.

Caiu a noite, uma noite horrorosa de chuva, vento e trovões. A escuridão era fortíssima; não enxergavam mais nada. A água já havia alcançado os calcanhares de todos; Pingo e Pipoca tremiam de frio, molhadíssimos.

Não tinham outra coisa a fazer senão passar a noite toda ali, sob as pedras. Numa noite como aquela, mesmo que Padrinho e os outros estivessem por perto, não iriam procurá-los.

Duas horas depois a chuva diminuiu; mas a lagoa havia crescido e as crianças estavam dentro d água até o meio das pernas. O vento foi também diminuindo de intensidade. Começaram a sentir frio e fome; encolheram-se mais uns contra os outros, mas estavam molhados e com frio. Lúcia choramingou:

— Será que vamos passar a noite inteira aqui? Que coisa horrível!

Oscar perguntou:

— O que você quer que a gente faça? Para onde havemos de ir? Não conhecemos a mata e não sabemos o caminho da fazenda...

— Ai, meu Deus! — suspirou Vera. — Nunca pensei que fôssemos sofrer tanto depois de deixar a cidade dos anões... E também estou com fome.

— Nós todos estamos — disse Quico. — Aquela comida não matava a fome da gente e o banquete de hoje ainda me deu mais fome.

Ficaram ainda uma hora sem falar e sem coragem de sair dali porque a chuva continuava a cair; um não dizia nada ao outro, mas todos rezavam e pediam a Deus que os tirasse daquela situação o mais depressa possível. De repente, Cecília disse com voz trêmula:

— Vi uma luz lá embaixo entre as árvores...

E pegou o braço de Vera; todos olharam para o mesmo ponto e não viram nada. Vera disse:

— Você vive vendo coisas...

Pingo rosnou e Pipoca fez um movimento como se quisesse ir ver o que era aquilo. Quico disse:

— E se mandássemos os cachorros?

— Nada disso — disse Vera. — A gente não sabe o que é; o melhor é ficarem aqui.

E segurou Pipoca nos braços; Lúcia segurou Pingo. Oscar perguntou:

— Não será Julião que anda à nossa procura?

Ficaram quietos uma meia hora; os cachorros estavam agitados. De repente Quico disse:

— Eu vi! Eu também vi uma luz naquela direção. É alguém que está nos procurando. Será o Padrinho?

Um deles perguntou:

— Vamos gritar?

— Não. Vamos esperar, a gente ainda não sabe o que é essa luz.

Esperaram mais algum tempo. Pingo e Pipoca começaram a ficar cada vez mais inquietos; pareciam ansiosos por correr em direção à luz que haviam visto passar. A chuva caía miudinha e o vento era frio; todos estavam tremendo e completamente molhados. Na escuridão, continuavam a fixar o ponto onde haviam visto a luz, lá embaixo, entre as árvores.

— É Julião com o archote — disse Vera. — Deve ser Julião.

Oscar perguntou:

— Mas o que andará ele fazendo aqui com esta chuva?

— Quem sabe está nos procurando por ordem da princesa Filó... E se for ele e quiser nos levar de volta para a montanha? — perguntou Vera.

— Não podemos voltar de jeito nenhum — disse Oscar. — Temos que voltar para a fazenda.

Nesse instante Pingo escapou dos braços de Lúcia e saiu correndo. Lúcia saiu correndo atrás dele e gritando:

— Pingo! Volte já!

Mas o cachorro não voltou; Pipoca esforçava-se por escapar dos braços de Vera. Cecília disse:

— O que será? Ele viu alguma coisa; ele não sai correndo assim à toa.

No mesmo momento, ouviram Pingo dar latidos de alegria e a voz de Henrique chamando:

— Oscar! Quico! Cecília! Vera! Lúcia! Onde vocês estão?

— É Henrique! É Henrique!

Saíram doidos de alegria; Vera foi a primeira a gritar:

— Aqui! Estamos aqui!

Lúcia, que havia saído correndo atrás de Pingo, levou um tombo e estava se esforçando por se levantar, mas a escuridão era completa e ninguém enxergava onde pisava, nem para que lado ir. Lúcia começou a gemer:

— Ai! Ai! Caí por causa daquele Pingo!

Começaram a procurar Lúcia e Henrique ao mesmo tempo. Vera perguntou:

— Você se machucou?

— Não sei ainda — disse Lúcia. — Acho que destronquei um pé.

— Não diga! Será possível? Onde você está?

— Aqui. Não enxergo nada.

Ouviram outra vez a voz de Henrique:

— Onde vocês estão? De que lado?

Oscar respondeu:

— Estamos procurando salvar Lúcia, que caiu num buraco...

— Esperem aí — disse Henrique. — Vou levar a lanterna para ajudar vocês.

Tropeçando nas moitas, esbarrando nos troncos das árvores, escorregando na terra molhada, Henrique foi ao encontro dos cinco. Eduardo vinha atrás de Henrique, tropeçando também nos galhos caídos. Quando Henrique iluminou com a lanterna, viu Lúcia dentro de um buraco e ao lado do buraco os outros quatro procurando tirá-la lá de dentro.

Henrique deu a lanterna a Quico, debruçou-se e deu a mão a Lúcia, dizendo:

— Segure com força na minha mão, Lúcia...

Ela segurou a mão de Henrique com tanta força que ele quase também foi parar dentro do buraco; foi necessário Eduardo auxiliar e Oscar também. Afinal tiraram Lúcia toda suja de barro, com o rosto coberto de lama; todos os outros tinham barro até a cabeça por causa dos tombos que haviam levado.

Enquanto perguntavam se Lúcia estava machucada, Eduardo contou que Padrinho estava na barraca, juntamente com Bento e Jeromão. Haviam procurado as crianças durante dois dias e uma noite sem parar, numa aflição danada; depois daquela chuva tão forte, Henrique propôs sair outra vez à procura deles. Jeromão tinha dito: "Se nem com sol a gente achou, agora com chuva e à noite é que eles vão aparecer?".

Mas Henrique estava com palpite de que eles andavam por ali; colocou uma capa sobre os ombros e saiu; estava quase certo de encontrá-los.

Quando viram que Lúcia estava bem e não tinha destrancado nada, foram caminhando em direção à barraca. Eduardo queria saber onde eles haviam estado durante esses dois dias e onde haviam passado a noite. Lúcia foi a primeira a falar:

— Estivemos na cidade dos anões...

— O quê? Onde? — Eduardo e Henrique perguntaram ao mesmo tempo. — Na cidade do quê?

Eduardo disse:

— Eu acho que o tombo deu para Lúcia ficar variada...

Mas foi Quico quem respondeu:

— É verdade o que Lúcia disse; estivemos na cidade dos anões; dentro da montanha. Vamos contar tudo bem direitinho depois que chegarmos à barraca. Esta montanha é encantada.

Viram Padrinho, que vinha ao encontro deles com outra lanterna; Pingo já havia corrido até a barraca e anunciado... Jeromão, Bento e Tomásio também vinham vindo, espantados por vê-los aparecer assim de repente, no meio daquela tempestade horrível e ainda mais à noite. Haviam dado buscas incessantes durante dois dias sem encontrar nem rastro dos meninos. Onde haviam estado?

As crianças abraçaram Padrinho, apertaram as mãos dos empregados e dirigiram-se às barracas; as roupas molhadas haviam grudado no corpo e estavam sentindo frio. Bento foi na frente a fim de esquentar café com leite para as crianças tomarem; deviam estar com fome, pareciam magras e abatidas.

Dentro da barraca, sentiram-se melhor; Padrinho ordenou que todos trocassem de roupa, depois mandou que tomassem café com leite bem quente e bolachas. Comeram tudo. Quando Padrinho soube do tombo de Lúcia no buraco, examinou o pé para ver se havia destrancado; estava bom. Depois de limpos, alimentados e com as roupas secas, ficaram com outro aspecto. Então Padrinho olhou um por um à luz da lanterna e disse:

— Bem. Agora vamos conversar. Oscar, que é o mais velho, vai contar onde estiveram desde ontem de manhã...