AS DESPEDIDAS

Os meninos ajudaram a procurar; espiavam embaixo dos tapetes, atrás das almofadas, nas paredes. Nada. Oscar disse:

— O mais fácil é tirar outras pulgas de Pingo e Pipoca; eles devem ter mais.

— Não — disse Filó. — Quero aquelas mesmas, já estava acostumada com elas, até já me conheciam...

E passando a mão pelo braço esquerdo, começou a se coçar. Quico falou:

— A senhora dá licença, princesa? Creio que uma delas está no seu bracinho.

Levantou a manga do vestido dela; lá estava uma das pulgas passeando pelo braço muito branco de Filó. Quando Quico foi prendê-la, a pulga saltou para o pescoço da princesinha. Vera ofereceu-se para auxiliar; umedeceu as pontas dos dedos e tentou pegá-la com cuidado, mas a pulga saltou para a roupa do príncipe. Oscar ofereceu-se:

— Deixem que eu pego; eu sei pegar esses bichinhos...

Umedeceu também os dedos e, "nhoc"!, a pulga foi para o chão. Gritaram: pega! Os cachorros pensaram que era para pegar alguma pessoa e começaram a rosnar, olhando à volta, muito zangados. A pulga voltou para o vestido de Filó e escondeu-se numa das pregas.

Cecília e Lúcia tentaram segurá-la; os anões ficaram com medo dos cachorros e começaram a ameaçá-los com pontapés; foi então que os cachorrinhos zangaram-se de verdade e quiseram morder alguns anões. O barulho estava se formando outra vez, e agora ainda pior.

Nesse momento Cecília disse que tinha visto a pulga numa das pernas da princesa; a criançada avançou para Filó, os cachorros latiram e pensaram que era para pegar a princesinha, que gritava sem parar. Reviraram a princesa de todos os lados e afinal Quico conseguiu pegar a pulga e colocá-la de novo na caixinha de ouro.

Desistiram de procurar as outras duas porque estava muito difícil, mas como Filó queria mais pulgas, as crianças procuraram em Pingo e Pipoca. Caçaram mais duas e deram para a princesa, que agradeceu muito e disse que ia guardá-las como lembrança.

Em seguida tudo se acalmou; os anões foram para suas casas, alguns ainda resmungando e dizendo que, se fossem os príncipes, dariam uma boa lição naqueles meninos levados da breca. Os sinos pararam de tocar e os cachorros, de latir.

Começaram então as despedidas. Cecília perguntou quando poderiam voltar para uma segunda visita; o príncipe coçou a testa e respondeu que, no ano seguinte, os esperaria de novo.

Quico e Oscar foram muito amáveis e ofereceram a fazenda para os príncipes passarem uma temporada; não era muito longe da montanha e eles haviam de gostar. Havia tanta coisa que eles não conheciam, como, por exemplo: automóvel, carroça, bois, gansos...

Lúcia acrescentou:

— E coisas de comer, então? Leite, carne assada, salada de alface...

Cecília lembrou-se:

— Chocolate, café, leitão assado...

Vera disse, com olhos arregalados:

— E sorvete, então? Sorvete de creme, de abacaxi... de coco...

Todos ficaram com água na boca de vontade de tomar sorvete, mas o príncipe e a princesa sacudiram a cabeça, agradecendo muito. Não poderiam jamais deixar aquela cidade; era a cidade deles, a cidade encantada, ã cidade dos anões. Haviam jurado aos seus antepassados nunca deixarem a cidade, pois o mundo lá fora era enganador e perigoso; havia perigos em toda parte, enquanto ali a paz era eterna.

No mundo havia ódio, perigos, guerras horríveis; ah estavam a salvo de todo o mal, eram mais felizes dentro da montanha do que fora dela. Não conheciam muitas coisas lindas que havia no mundo, não comiam mais nada além da carne de garnisé e ovos de garnisé com erva da montanha, mas viviam felizes e isso era o principal. O resto não importava.

O príncipe deu ordem para a partida; Julião apareceu para acompanhá-los até fora da cidade; já estava pronto com uma tocha nas mãos. Oscar e Quico despediram-se em primeiro lugar; agradeceram o tratamento que haviam tido por parte dos anões e ofereceram a casa da fazenda, pois algum dia os príncipes podiam mudar de ideia.

Depois as meninas inclinaram-se para abraçar Filó e agradeceram também; Filo estava comovida, pois tinha gostado muito das crianças. Ela inclinou-se e despediu-se dos cachorrinhos, dando um beijo no focinho de cada um.

Fora do palácio havia um pequeno número de anões que queria despedir-se também; as crianças apertaram as mãos de um por um, agradeceram e partiram acompanhando Julião. Quando estavam quase na esquina, ouviram os gritinhos da princesa chamando-os. Voltaram; ela deu a cada um deles uma pedra preciosa como lembrança da cidade dos anões.

Agradeceram mais uma vez e partiram de novo; foram andando atrás de Julião, viraram uma esquina, depois outra. Os sinos começaram a tocar outra vez anunciando a partida dos estrangeiros; muitas crianças anãs apareceram para assistir.

A meninada foi andando, andando. Deixaram as ruas calçadas de ouro e caminharam sobre pedras. Não havia mais luz, apenas a tocha que Julião levava diante deles. Oscar cochichou:

— Vamos prestar bem atenção no caminho; quem sabe a gente pode voltar sozinho um dia...

— Voltar, hein? Duvido muito — respondeu Vera.

Depois de meia hora de marcha, chegaram a um lugar completamente escuro; Julião apagou a tocha de propósito, resmungou qualquer coisa e parece que apertou uma mola. Ouviram o barulho de uma serra serrando, depois um ronco, depois viram um clarão que não sabiam o que era, mas logo reconheceram o sol.

Ficaram tão atarantados que se esqueceram de se despedir de Julião e agradecer; viram-se deitados numa moita ao lado de grandes pedras; não pareciam as mesmas pedras por onde haviam entrado. Os cachorros latiram, um pouco assustados. Oscar foi o primeiro a se levantar, esfregando as pernas.

— Fomos atirados para fora da cidade, essa é a verdade... Ao menos Julião podia despedir-se da gente...

— Mas não foi por aqui que entramos — observou Cecília. — Foi por outro lugar onde havia árvores mais altas. Onde estaremos?

— No alto da montanha — disse Quico. — Vamos ver se reconhecemos o lugar.

Olharam à volta; estavam num lugar desconhecido e o sol já ia sumindo no horizonte. Vera lembrou:

— Nosso primeiro dever é procurar Padrinho. Onde estará ele?

— Vamos gritar — disse Lúcia.

Todos gritaram ao mesmo tempo: Padrinho! Padrinho!".