capítulo 27

Saí de lá muito irritada, ela estava fazendo suposições sobre mim, suposições que não são verdadeiras, eu apenas constatei um fato e ela me atacou deliberadamente sem motivos, é claro que eu me importo comigo mesma, eu só não achava que isso era grande coisa, ok quando eu digo isso dessa forma parece que eu dou razão a ela, mas o foco eram os meus pais e não meus tios, aquilo foi desnecessário e sem sombra de dúvidas um dinheiro ingrato que eu gastei naquela sessão.

Foi com esse pensamento que sai do prédio, mas para meu espanto Carson já se encontrava na porta me esperando encostado em seu carro usando óculos de sol enquanto digitava algo em seu celular, o que me fez desejá-lo demais considerando que ele parecia que tinha saído de uma capa de revista, e então andei rapidamente para ele que se surpreendeu quando me joguei em seus braços.

-Esperando alguém gostosão? - Provoquei.

-Só a mulher mais linda do mundo, que por um acaso é minha mulher. - Disse ele passando seus braços em volta de minha cintura.

-Bom, sinto em dizer mas hoje você vai ter que se contentar comigo. - disse bem risonha decidida a ignorar o 'minha mulher' mesmo que isso tenha mexido comigo de uma maneira que não estou disposta a admitir.

-Acho que consigo lidar com isso. - Dei a língua pra ele que fez um sanduíche com seus lábios em mim.

E eu desejosa por mais, me deliciei e abri os lábios para mais e ele deu, tivemos um beijo lento e de tirar o fôlego, era um beijo que vinha com a promessa de mais e foi encerrado com uma mordida em meu lábio inferior. Delícia!

-Como foi na consulta? - e assim todo o clima erótico se foi.

-Eu tenho uma ideia melhor, porque não vamos um pouco mais além com isso aqui e deixamos esse papo para uma outra hora tipo nunca? - Tentei recuperar o clima.

-Tão ruim assim? - E ele se foi de novo.

Respirei fundo, pelo visto ele queria mesmo entrar nessa vibe.

-Tudo bem se não quiser falar, é só dizer. Só quero que saiba que você pode falar comigo.

-Tudo bem é só que... ela acha que não ligo para mim mesma.

-Em quais termos? - Levantei as sobrancelhas.

Fiquei abismada, essa não era a resposta que esperava.

-Olha Giu. - Ele começou percebendo o que minha expressão queria dizer – eu só quero entender para poder te ajudar, apenas isso.

-Meus pais, eles faziam com que eu fosse perfeita e os meus tios viam isso e não faziam nada, quer dizer eles me amavam, eu sabia que podia contar com eles sempre, mas o ponto é que ela acha que eles deveriam ter feito algo considerando tudo e eu acho que não.

-Por que não? Olha vamos naquela cafeteria para conversamos melhor.

Isso me deu tempo de pensar melhor nas minhas palavras, pois estava há um passo de gritar bem ali no meio da rua.

Ao chegar lá, depois de fazermos nossos pedidos ele ficou me aguardando enquanto eu tentava colocar em palavras menos rudes o que eu pensava.

-Entenda, meus pais não deveriam fazer isso, meus tios o que eles poderiam fazer?

-Te acolher.

-Eles o faziam. - Ele não me deixou concluir o raciocínio.

-Desculpa Giu, mas não. Uma coisa é eles te defenderem desse tipo de abuso e outra completamente diferente é eles fecharem os olhos para isso.

-Às vezes eu nem considero o que eles fizeram como abuso. - Confidencio. - é que eles me alimentavam, me davam roupas, cuidavam de mim, me educaram nas melhores escolas e tudo o que eu tinha que fazer era ser o que eles queriam.

-O que eles queriam era que você fosse o que não é. Eles não te deram tempo de descobrir isso, quer dizer os pais deveriam querer o que é melhor para os filhos e não que como em retribuição ao que fazem eles simplesmente fossem algo diferente. Mas voltando aos seus tios, você era uma criança.

-Não era filha deles. - eu o interrompi.

-Você era uma criança. - Ele repetiu. - Eles eram os adultos, estou certo em pressupor que ocorreram mais situações em sua vida que te fazia sentir como se devesse algo para eles?

Minha mente flutuou para um momento que eu tinha esquecido, ou escolhido esquecer e veio tão rápido que eu nem sequer esperava que tivesse vindo a minha mente.

-Vejo que se lembrou de algo, e os seus tios sabiam? - eu nem precisei me pronunciar, ele mesmo pode ler meu rosto.

-Eu contei uma vez para meu tio Giovanni que meus pais estavam sem falar comigo por conta de uma nota B em um exame, mas depois voltaram a falar comigo quando minha nota aumentou para um A e ele disse que apesar de não concordar com esses métodos, eles apenas queriam que eu melhorasse em algum aspecto.

-O que eles fizeram foi errado Giu. Não deveriam ter ignorado o que houve e isso explica muito sobre você.

A garçonete trouxe nossos pedidos e quando ela se afastou pude perguntar o que ele queria dizer com isso.

-Eu tenho uma ligeira impressão que você não entende o porquê nos importamos contigo.

-Acabamos de nos conhecer. - Apontei o óbvio.

-E também acha que exageramos quando cuidamos de você.

-Acabamos de nos conhecer. E eu não preciso que cuidem de mim. - Mais uma vez apontei o óbvio.

-Você merece que façamos muito mais por você Giu. Só queremos cuidar de você, te mimar. Só precisamos que você deixe.

-É o que uma boa submissa deveria fazer, não?

-Se quiser levar para este lado, então sim.

-Tem mais algum outro?

-Sempre há, porém não acho que esteja pronta para isso ainda.

-E quando vou estar?

-Não importa, porque sabemos que um dia estará e vale a pena esperar por isso.

-Para de dizer isso.

-Por que?

-Vocês me dão a ideia errada do que isso – sinalizei entre nós - é.

-Não entendo. - Ele franziu a sobrancelha.

-Vocês nunca me pressionam para nada, nunca exigem nada de mim além do que posso dar e isso é ótimo, mas ao mesmo tempo fico pensando que tudo isso é bom demais para ser verdade e fico esperando tudo dar errado.

-Um dos motivos pelos quais você não se entrega em definitivo. Eu suponho que esse seja um ótimo tema para se tratar com a sua terapeuta.

-Nem sei se vou retornar. E eu me entrego em definitivo sim.

-O que quer que você decida iremos te apoiar, mas saiba que não importa o que escolha estaremos aqui por você linda. No sexo, você se entrega completamente o que é ótimo, mas depois dali não.

Ele segurou na minha mão e a acariciou levemente.

Eu me sentia segura e isso me assustava muito, mesmo não sendo pelos motivos que minha terapeuta gostaria que fossem, ou seja por minha causa, eu iria voltar para terapia porque o que eles me faziam sentir era bom demais para eu poder arriscar tudo assim.

O jeito como ele falou sobre meus tios, me deixou agitada, me deixou consternada, eu nunca tinha olhado para aquela situação desse jeito, para mim era apenas que como não era filha deles, eles não tinham porque se meter, na verdade eu nunca pensei nessa situação como um abuso psicológico que tivesse sido negligenciado, quer dizer eles me amavam e então por que fazer isso? Quer dizer eu sei que minha mãe e minha tia têm problemas, mas na minha cabeça tia Bella sempre estava tentando me ajudar me fazendo ver outro lado da situação, eu via uma dor ali como se o que eu tivesse fazendo a ferisse de alguma maneira, mas ela nunca fez nada e eu sempre justifiquei achando ser apenas por conta do fato de não ser sua filha, sempre achei que eles tinham muito com o que se preocupar.

-Estou surpresa por ter vindo tão cedo.

-Eu preciso falar senão vou explodir, estou sentindo algo. - Disse meio sufocada.

-Quer um copo d'água? - Ela me ofereceu.

-Sim, obrigada. - Bebi o copo d'água que ela estava me oferecendo.

-Quando quiser contar. - Ellen me deu espaço para que eu refletisse sobre o que queria tão desesperadamente falar com ela.

Nesse momento meu celular vibrou e ao ver de quem se tratava apenas não atendi, mas mandei mensagem para as meninas dizendo que estava bem e que se alguém perguntasse era para dizer que não sabia de mim e só então desliguei o celular.

Voltando para o momento que Carson e eu estávamos de mãos dadas.

Resolvemos sair dali e ir para a casa de Logan, de certa forma estava me sentindo mais leve, entretanto ainda tinha muita coisa para pensar só que aquele nem de longe era o momento mais adequado para isso, então simplesmente desliguei a mente daquele instante.

Ao chegar na casa Logan e Luca tinham uma discussão acalorada.

-Hey, chegamos em um bom momento ou vocês querem um tempinho a sós? - fui sarcástica.

-Hahahah, muito engraçada Giuliana. - Dei a língua para Logan.

-Estávamos falando sobre qual a raça de cachorro mais bonita e ele – Luca apontou para Logan – disse que era o pug.

-E ele disse que era o buldogue. - disse Logan.

-Nesse momento eu sinto inveja dos problemas deles. - Murmurou Carson revirando os olhos indo para a cozinha.

-Primeiro, ambos estão errados. A raça de cachorro mais bonita Border Collie. Segundo, achei que tivesse dois São Bernardo. Terceiro, vamos para a balada hoje. - Decretei.

-Sim eu tenho esses dois cães dessa, mas eu também posso achar outra raça bonita. Uma coisa não tem nada a ver com outra. - Se defendeu Luca.

-Ainda estamos nisso? - perguntou Carson voltando da cozinha.

-Sim, porém com uma adição. Giu quer ir para balada hoje. - respondeu Logan.

-Sério? - Carson estava cético.

-Claro, faz dois finais de semana que fico em casa trancada com vocês. Eu preciso ver pessoas, isso aqui está sendo quase um sequestro.

-Assim você fere nosso ego princesa. - Ironizou Logan.

-Vocês superam isso.

-Pelo visto vamos para balada. - Disse Luca meio rabugento, eu sorri com isso.

Subi logo para me arrumar afinal de contas já era quase 6 P.M e eu não queria que nada desse errado, de modo que vesti um vestido com um decote generoso preto com brilho e curto e calcei uma bota preta cano curto, na maquiagem foi um batom vermelho e os olhos delineados, chacoalhei o cabelo dando ar selvagem e coloquei óculos de grau falsos dourado e estava pronta.

Ao chegar na sala eles já estavam prontos, vestidos cada um com seu estilo habitual.

Logan usava uma jaqueta de couro, blusa branca de manga, calça preta e botas da mesma cor, Carson usava uma camisa verde claro de mangas comprida de algodão dobrada na altura dos cotovelos, calça jeans e tênis, Luca usava roupa social, porém sem o paletó e o colete e a camisa estava um pouco mais aberta que o normal, tudo na cor cinza.

Confesso que naquele momento reconsiderei ficar em casa, mas estava muito ansiosa para sair então decidida a deixar o flerte para outro momento, seguimos para balada.

Ao chegar lá tudo mudou.

-Giu? - Ellen me chamou.

-Desculpa eu me perdi em pensamentos.

-Percebi. Quer contar o que houve? Não há pressa. - Ela me confortou.

-Ao contrário do fim de semana passado, acho que este foi o que mais me deu um choque de realidade sobre nós. Uma coisa é eu dizer que estava pronta para encarar o que aconteceu, algo que de certa forma de machuca.

-Poderia ser mais clara?

Estava sentindo tantas coisas ao mesmo tempo que mais uma vez me perdi em pensamentos.

-Ok, vamos fazer o seguinte. Você me disse que gosta de pintar, não é?

-Sim. - Respondi sem fazer ideia do que isso tinha haver com a situação.

-Então me conte, quando você pensa na noite de ontem, o que colocaria em sua tela?

-Eu não sei, acho que colocaria algo onde o cenário pudesse mostrar a desolação, o sentimento de solidão e vergonha.

-Sente vergonha de algo que fez?

-Não, mas alguém sente vergonha de mim. - Olhei ao redor da sala para que isso me impedisse de desabar como uma idiota.

-E como se sentiu com isso?

-Mal. Péssima.

-Sentimentos Giu, expresse suas emoções. Se sente melhor se eu pegar o baralho das emoções para que você possa identificar?

-Não precisa. Eu senti raiva, medo, angústia, desprezo.

-O que ocorreu naquela noite?

A balada estava lotada, mas seguimos direto para a área vip, mas não aquela da outra vez, porém depois de um tempo comecei a dizer que queria dançar e então eles me seguiram e ficamos assim por um momento até que Luca disse que ia pegar algumas bebidas para nós. Ele estava demorando então fui atrás dele, quando o encontrei percebi que nem tinha chegado ao bar, ele estava conversando com outras pessoas e fui até lá .

-Nós dançamos muito e mesmo sendo Nova York, as pessoas olhavam, pelo menos algumas delas e isso já era esperado e não me incomodou. Eu estava com quem eu queria, da forma como eu queria e sem contar que é uma cidade grande a probabilidade de nos vermos de novo é muito baixa.

-Mas esse não é o motivo de tantos conflitos de sentimentos não é? - Ela percebeu que eu estava enrolando.

-Não. - Fui sincera.

Ela me deu o meu tempo para ajustar minhas ideias sem me pressionar.

-Giu?

-Eu estou humilhada, ok? Eu estou muito humilhada. - confessei.

-Pelo que?

-Ele queria deixar tudo as claras para que não implicasse na carreira dele e eu aceitei porque essa sem sombra de dúvidas era a coisa mais certa a se fazer. Não importa o que aconteça ainda sou filha dos meus pais então eles fariam de tudo para proteger a imagem da família, o que mais se prejudicaria seria ele então eu fui lá na frente do reitor e confessei estar trepando com meu professor e um dos alunos também, por conta dele, por conta da pessoa que olhou nos meus olhos e disse que eu valia a pena, por conta da pessoa que olhava para mim como se eu fosse a coisa mais linda do mundo. Mas aparentemente, era tudo por sua carreira, porque contanto que ele não seja prejudicado, aparentemente vai estar tudo bem eu ficar sendo seu segredinho sujo. Como uma amante. - Esbravejei de forma que fiquei sem fôlego.

Ao chegar perto dele, falei em seu ouvido que iria pegar as bebidas e levar para o vip, mas quando estava saindo tudo mudou.

-Uau que gata. - disse um dos caras que estava com ele.

-O que ela queria? - era a voz de uma mulher.

-Ela é minha aluna, me reconheceu e veio falar comigo. - foi o que ele disse.

-Eu senti seu corpo tenso quando toquei nele, mas achei que fosse impressão minha, mas não era.

-Conhecia algumas daquelas pessoas com quem ele estava?

-Amigos da faculdade. Eu lembro de ter visto umas fotos em seu apartamento.

-O que sentiu quando ouviu ele dizer aquilo?

-Não somos namorados, eu sei que eu deixo muito claro isso a todo momento, mas aquilo doeu. Ele tem vergonha de mim. - Ri sem humor. - Ele...quando ouvi aquilo foi como um frio no estômago muito desagradável, a minha espinha estava gelando todo meu corpo, era como uma facada na barriga. Eu me senti da mesma forma como meus pais me tratam, só que mil vezes pior o que não faz sentido.

-Por que não?

-Por que ele me machucou dessa forma? Nós nem temos tanto tempo assim.- fiz essas perguntas quase que para mim mesma em voz alta.

-Está fazendo de novo, está medindo as coisas, suas emoções, pelo tempo que tem juntos e não é assim.

-Eu não sei como é. eu só quero que essa sensação pare. Desapareça. - Estava chorando e com raiva dessas lágrimas. - mas isso é minha culpa. Sabia que as coisas não eram tão boas assim, mas me deixei acreditar que o problema fosse eu por estar procurando coisa onde não tinha. Mas aparentemente tem.

-O que Carson e Logan acharam? - Ela me perguntou depois de me dar um lenço.

-Eu não contei, eles perceberam que algo estava errado, mas não me pressionaram a falar, eles sabiam que não era o momento de me pressionar a falar. Então recorri aos ensinamentos que minha querida família me ensinou, coloquei uma máscara em meu rosto e encenei para todos, mesmo me sentindo pisoteada eu não iria derramar uma lágrima sequer ou algo assim. A última coisa que eu queria era provocar uma cena como 'aluna dele' - disse com desprezo.

-E quando ele voltou para perto de vocês. O que houve?

-Uma vez eu perguntei a ele 'qual era o limite?', bom eu acho que eu o cruzei ontem. Eu fingi gostar de como ele me beijava, fingi gostar do modo como sua mão vinha para minha coxa, ou minha bunda. Apenas fingi. Fingi beber bastante, apenas disse a verdade quando disse que não queria sexo. Isso eu não podia fazer.

-E acha que ele percebeu?

-Não ligo. Estou magoada demais para me importar com suas desculpas ou sentimentos.

-E os outros?

-Carson parecia que estava a um passo de me questionar, mas ao trocar um olhar com Logan ele recuou sabiamente. Agradeço por Logan me conhecer bem.

-O que isso quer dizer?

-Quando eu me fecho, me forçar a me abrir é um erro. Eu quero ficar na minha. Quero não falar. E dane-se se isso for infantilidade. Eu tive o meu coração sendo esmagado por aquela sensação de perda e a última coisa que eu queria era falar sobre isso.

-Mas me procurou. - Ela apontou o óbvio.

-Você é minha terapeuta. Esse é o seu trabalho.

-Qual exatamente é o meu trabalho Giu? - Ellen parecia curiosa.

-Me ouvir e não julgar.

-Acha que eles fariam isso?

-Eu não queria um relacionamento amoroso e também não estava colocando na equação o que ocorrerria quando nos vissem, Uma coisa seria estranhos e outra, conhecidos. - desviei do assunto.

-Não foi o que perguntei.

-Olha eu não sei tá bom, mas eu só sinto que não consigo me expor assim para eles. - era uma meia verdade.

Ela anotou algo em seu caderno depois de tanto tempo sem pegá-lo.

-Por que desligou o celular?

-Para não cair em tentação e falar com eles.

-Por que? Acha que eles não se importam com você?

-Não foi o que eu disse, e outra depois do que Luca fez claramente ele não se importa comigo, quer dizer uma coisa é brincar com todo esse fetiche de dividir uma mulher com mais outros dois caras, se esgueirar por aí, você sabe, a adrenalina do momento, porém quando se trata de...- deixei no ar.

-De o que?

-Olha, eu estou confusa com tudo que está acontecendo aqui e você tem feito muitas perguntas. Qual era o foco mesmo?

-O foco são os seus sentimentos.

-Então vamos voltar a eles por que eu tenho quase certeza, para dizer total, que já disse sobre eles.

-Sim, mas uma coisa não entendi. Por que não dizer para Carson e Logan o que houve ou pelo menos dizer que queria ir embora?

-E deixar que me vissem vulnerável? Não, de jeito nenhum.

-Mas ainda assim dorme com eles.

-Seu ponto?

-Esqueça o sexo. Dormir, o simples ato de dormir ao lado de alguém é um sinal de vulnerabilidade. Você está inconsciente, sem o menor controle sobre seu corpo e tem alguém do seu lado.

-Primeiramente, eu acho que vou adiquiri pânico de dormir com quem quer que seja depois da sua análise, obrigada por isso. - ela riu levemente. - Segundo, é diferente, em um nível menos assustador, menos filme de terror. Permitir que eles vissem o quanto aquilo me machucou seria como...os meus tios.

-Voltamos a eles. Achei que depois de ontem você não quisesse mais falar deles.

-E como minha terapeuta achei que seu dever era me forçar a ver as coisas.

-Vou ter de você Giu a quantidade que quiser me dar. Não significa que de vez em quando eu não vá pressionar sua bolha, significa que esse não é um ambiente de opressão, é de acolhimento e quero que se sinta assim.

-Você estava certa. Eu estava naturalizando o abuso psicológico. Meus tios eram adultos e eles viam o que uma criança e posteriormente uma adolescente era submetida pelos pais e eles fingiam não ver e eu tive medo de que eles fizessem o mesmo, pois o mesmo homem que disse que eu valia a pena, foi o mesmo que me tratou como mais uma de suas alunas, então é eu fiquei com medo dos outros dois terem atitudes que me machucariam.

-Teve medo de ser um padrão.

-Como assim?

-No fundo, você tem medo de estar vivendo mais uma relação autodestrutiva. Primeiro com seus pais somado a seus tios agindo dessa forma e agora alguém por quem tem sentimentos. A sua parte racional sabe que assumir algo agora seria um ato romântico tolo, se é que algum ato desse calibre não seja, mas você sabe que ele não poderia lhe apresentar naquele momento como sendo " a garota dele". Você escolheu olhar pelo lado da humilhação, uma resposta também do seu incosciente para suas constantes perguntas para saber se não esta indo rápido demais. Quando você se questiona se estão numa velocidade boa, ou até mesmo adequada, e então acontece a situação que você me descreveu, você automaticamente já se deu uma resposta de que "isso não estava certo." " sabia que era um erro".

-Seu ponto? Eu devo simplesmente ignorar o que houve?

-Não posso responder isso por você Giulia. Você admitiu duas coisas importantes hoje, a primeira atribuiu a seus tios a culpa por serem negligentes e segundo foi entender como as atitudes deles delineou o seu envolvimento amoroso.

-E o que eu devo fazer com isso?

-O que você quer fazer?

-Eu não posso fugir dos meus problemas para sempre, simplesmente pegar um avião e sumir por uns tempos, o que sem dúvida é o meu primeiro impulso e também não posso questionar ele. Isso iria parecer como eu indo cobrar satisfações dele e não é essa a imagem que quero passar. Eu só quero que essa sensação suma. Que esse sentimento ruim suma. - divaguei com lágrimas nos olhos.